sábado, 28 de janeiro de 2012

COMO OUVIR A ESQUERDA?




Posso sentir uma alergia burguesa a à dureza repetitiva da retórica comunista ou uma aversão provinciana aos tiques lisboetas de muitos bloquistas, posso não gostar que alguma esquerda consiga descobrir virtudes em regimes tenebrosos como o da Coreia do Norte ou de Cuba, posso detestar o conservadorismo sindical na escolha das formas de luta, posso, até, ver com desagrado a promiscuidade entre partidos e sindicatos (que, apesar de tudo, me parece mais legítima do que aquela que ocorre entre governo e empresas).

Ultrapassando as críticas e as embirrações, como é possível não ouvir com atenção as palavras de Arménio Carlos nesta entrevista? É um comunista empedernido? Partilhará, com os seus camaradas, de uma estranha admiração por ditadores sinistros? Convive mal com a queda do Muro de Berlim? Talvez sim, mas não é verdade que os trabalhadores têm perdido direitos? Não é verdade que os problemas do défice se devem a uma gestão incompetente e corrupta dos dinheiros públicos, pela mão de sucessivos governos? Não é verdade que, em muitos casos, os prejuízos do Estado se devem, por exemplo, a contratos leoninos que favorecem privados, como é o caso da Fertagus? Insistir em retirar direitos aos trabalhadores, injustificadamente, poderá ter outro nome que não seja “exploração”, mesmo que isso incomode Mário Crespo?

Se os trabalhadores se sentem diariamente injustiçados, vítimas de abusos incompreensíveis, deve esperar-se que fiquem calados, que aceitem o máximo de precariedade e o mínimo de direitos, em troca de uma esmola em forma de emprego, só porque uma cambada de engravatados mentais dominados pelos bancos alemães diz que é assim porque é inevitável e porque são assim as regras dos mercados? Não sei se me apetece ir beber um copo com Arménio Carlos – dúvida que nos tira, certamente, o sono a ambos – mas o diagnóstico que faz é tão justo como sereno. Fica-lhe mal gostar, por exemplo, de Kim Jong-il? Fica, mas a lucidez da sua análise fica-lhe muito bem. Ouçamo-lo.

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