terça-feira, 31 de janeiro de 2012

ESPANHA, AQUI AO LADO





1 - É conhecido que sou, e sempre fui, um amigo de Espanha, sem deixar de ser, naturalmente, um patriota português. Amigo e admirador de Espanha, porquê? Porque sou apaixonado pelo génio dos povos de Espanha, pelas suas paisagens e monumentos, pelas suas diferenças tão pronunciadas e criatividade. Devo muito à cultura de Espanha: à sua literatura, artes, ciência, pensamento e até música. Segui de perto, apesar de muito jovem, a guerra civil de Espanha, que politicamente me marcou. Depois, li e reli um livro do embaixador americano, Claude G. Bow-ers, enviado pelo Presidente Roosevelt, que viveu em Espanha de 1933 a 1939 e conheceu de perto todas as grandes figuras desse tempo apaixonante e terrível. Ensinou--me muita coisa e confirmou as minhas convicções. Pessoalmente, viajei muito por Espanha e, depois da morte de Franco, convivi com as grandes figuras políticas e intelectuais que participaram na transição democrática - a começar pelo Rei D. Juan Carlos - e depois, no mesmo dia em que os dois Es-tados ibéricos aderiram à então CEE, hoje União Europeia, as minhas relações com Espanha multiplicaram-se.

As populações espanholas e a portuguesa são profundamente europeístas, porque sabem bem o que devem à integração europeia. Mas, hoje, estão a ser vítimas de uma crise importada de fora e agora imposta pelos mercados especulativos, que estamos a viver.

Os dois Estados deixaram, em poucos meses, de ser governados por socialistas e passaram a ser por partidos conservadores, de ideologia neoliberal (não democratas- -cristãos). Mariano Rajoy veio recentemente a Lisboa encontrar-se com o primeiro-ministro, Passos Coelho, e declarou - o que foi simpático - que ia seguir o seu exemplo em matéria de medidas de austeridade, para reduzir a dívida.

Contudo, dias depois, no último fim de semana, as medidas de austeridade, ditas reformistas, têm vindo a tornar-se contrarreformas. As instituições europeias começaram a ser, finalmente, críticas. O Parlamento Europeu e o Banco central Europeu são exemplos dessa mudança. E por razões nacionais e eleitoralistas talvez, a dupla Merkozy esteja a dar sinais de mudar. Veremos quais são os remédios - se os houver - para salvar o euro que a Cimeira de Bruxelas tenha para apresentar. O jogo dos mercados especulativos atinge agora dois grandes países: a Espanha e a Itália. E com eles tudo fia mais fino.

Sucede que com a recessão que existe em Espanha o desemprego tem vindo a aumentar, sem freio nos dentes. Escreveu o El País de sábado passado: a recessão a crescer vai agravar o desemprego, que está a aumentar como nunca se viu. São já cinco milhões, 273 mil e 600 desempregados em todas as autonomias de Espanha, ou seja: 22,8% da população. Com a recessão a crescer, em virtude das medidas de austeridade, para que servem tais medidas, se iremos de mal a pior? Foi o que o FMI, pela voz da sua presidente, a francesa Christine Lagarde, ex-ministra das Finanças de França, já perguntou, sem papas na língua...

Rajoy quer reduzir o deficit a zero, a partir de 2020 - ou seja, a oito anos de vista -, e ameaça as autonomias não cumpridoras. É grave fazê-lo. Como estaremos nessa altura, se continuarmos com as políticas até hoje seguidas? Com os desempregados com pensões de miséria e sem casa nem serviços de saúde onde se possam acolher? A saúde, têm-nos dito nos últimos anos, é cara demais para poder tratar os pobres. Que morram!, dizem os ultraconsevadores. É a regra da seleção natural aplicada aos humanos. Os ricos sobrevivem e os pobres que morram... Não há humanismo nem valores. As pessoas não contam. Ora, não foi para isso que se criaram as democracias e as conquistas sociais que nos trouxeram.

2 - Vão desaparecer os Partidos de Esquerda? A crise europeia está a produzir o pessimismo. Alguns falam da "morte da Esquerda". E outros vão mais longe e dizem que "a Esquerda já morreu, porque morreu a sua linguagem". Vide o Público de sábado passado. A passagem da política para os mercados foi o que levou à destruição da Esquerda, com a "terceira via" de Tony Blair. Quando os partidos de Esquerda se põem a defender políticas da Direita é natural que o eleitorado comece a votar nos partidos da Direita. Foi o que aconteceu...

Mas a situação de crise está a obrigar, para se vencer, a inverter a tendência da Direita para a Esquerda. O Fórum de Davos tem vindo a dar sinais de que o capitalismo de casino está a ficar esgotado. Porque agrava a crise financeira que começa a ser política e, sobretudo, social. Estamos a voltar à luta de classes arrastando as classes médias, que tiveram um grande papel, enquanto as democracias não eram liberais (como os politicólogos americanos lhes chamam) mas sociais.

Não foi por acaso que o Presidente Nicolas Sarkozy há dois anos falava em "refundação do capitalismo", embora politicamente nada fizesse nesse sentido. Hoje, é o seu principal rival, François Hollande, a três meses de ser eleito presidente da República (leiam--se os jornais e as revistas franceses), que declarou aos franceses: "O meu inimigo não é Sarkozy, mas as Finanças." Percebeu que, com as classes médias à beira do desastre, é preciso não deixar morrer as conquistas sociais, que deram à Europa, pelo menos, quatro décadas de paz, de progresso social e de bem-estar...

É por isso que Hollande entende dever reforçar o papel do Estado, ao contrário daqueles que o querem destruir. Quer: reformular a fiscalidade, fazendo pagar os mais ricos; voltar a lutar pelo "pleno emprego"; auxiliar os jovens, através de um contrato geracional que relance o emprego; criar um grande banco de investimento público, para auxiliar as pequenas e médias empresas; relocalizar, em França, as grandes empresas; revalorizar, quanto ao ensino, as escolas profissionais e tecnológicas; reformular a autonomia das universidades; e, entre outras medidas, insistir nas políticas ambientais, nos últimos meses esquecidas.

Mas não são só os socialistas franceses que estão a sentir que é necessário refundar a Esquerda e dar-lhe um novo alento para que os europeus possam salvar o euro e dar às populações europeias um futuro melhor. Os social-democratas alemães pensam da mesma forma e têm-no dito, bem como em todos os Estados onde existem partidos socialistas responsáveis. Ora, para salvar o euro e desenvolver a União Europeia, num sentido federal, é necessário mudar de paradigma político e social.

3 - Há medo na Europa Quanto ao futuro do nosso continente? Não haja dúvida! Por falta de uma estratégia concertada para salvar o euro e a própria União. Haverá uma guerra das moedas, entre o dólar, a libra esterlina, o euro e yuan? Não creio, sinceramente, embora às vezes pareça que sim. O discurso de Obama, tão lúcido e finalmente intransigente para os ultraconservadores do partido Republicano, aponta em sentido contrário.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Central Europeu (BCE) querem crescimento na União e luta contra o desemprego para salvar o euro. É óbvio. Mas as sucessivas troikas parecem desejar substituir-se aos governos legítimos. Uma vergonha inaceitável, de consequências extremamente negativas! Quando este artigo sair talvez já possamos saber se a Cimeira marcada conseguiu decidir mudar alguma coisa. Ou ficar, como de costume, tudo na mesma.

4 - Uma data a não esquecer. Sempre me pareceu um tanto ridículo a contra-dança dos feriados, civis e religiosos, ou seja: da religião maioritária. O 31 de Janeiro de 1891, que hoje passa, foi sempre festejado, quase como o 5 de Outubro, pelos republicanos, sobretudo no Porto, onde ocorreu a primeira revolta contra a monarquia, altamente desprestigiada pelo ultimatum inglês, uma humilhação feita a Portugal pela sua velha aliada! Foi, como se sabe, uma revolta frustrada, visto que foi vencida pelas tropas leais a D. Carlos. Mas nem por isso deixou de ficar na memória dos republicanos, vencedores do 5 de Outubro de 1910.

Não foi por acaso que as recentes comemorações do centenário da República - que marcaram a consciência republicana da maioria dos portugueses - começaram nesse dia 31 de Janeiro de 2010, no Porto. Aliás, mesmo durante a ditadura, provadamente antirrepublicana, a data sempre foi festejada, embora mais ou menos clandestinamente. Refiro-o em breves linhas para marcar este dia, que não é feriado, mas está no coração dos republicanos.

5 - "A democracia não pode ser destruída por falta de Justiça." Estas palavras foram-me dirigidas por Carlos Cruz, no fim de uma dedicatória que me ofereceu com o seu último livro, Inocente para além de qualquer Dúvida. Tem razão. É um livro impressionante da forma como, em Portugal, no século XXI, se pode tentar destruir, durante tantos anos, uma pessoa que se diz, com provas, inocente. Não obstante a presunção de inocência ser uma regra elementar. Enquanto não houver uma condenação, transitada em julgado, mantém-se a inocência.

Em 2004, Carlos Cruz tinha-me oferecido o seu primeiro livro Carlos Cruz, preso 374. Mas confesso que na altura não tive ocasião de o ler, embora lhe passasse os olhos e ficasse convencido da sua inocência. Passaram nove anos e a Justiça ainda não teve tempo de se pronunciar. É uma vergonha para Portugal!

No prefácio do atual livro, o grande jornalista e meu caro amigo Miguel Esteves Cardoso escreve de forma muito clara: "Leia este livro. Por favor. Esqueça quem é o autor e ponha-se no lugar dele. Apanhará um grande susto. Porque poderia muito bem ser Você." Dá que pensar!

Caros leitores, repito. Leia este livro. Vale a pena, porque revela como o carácter de um homem admirado por milhares de telespectadores tem vindo a resistir e a demonstrar a sua inocência.

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