quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Angola: A OUTRA FACE DE JONAS SAVIMBI



Carta para Paulo Lukamba 'Gato' (em 2003)

Carta enviada a Paulo Lukamba 'Gato' por Bela Malaquias, esposa de Eugénio Manuvakola.

Fê-lo em resposta a um convite efectuado pelo mesmo, Lucamba Gato, para que estivesse presente no evento referente ao 1º aniversário da morte de Savimbi. Bela Malaquias vive em Luanda desde 1998, data da sua fuga do Bailundo, onde Savimbi a havia encarcerado assim como toda a família Manuvakola.

Jornalista de profissão (foi durante anos responsável pela “Vorgan”, a rádio da Unita), Bela Malaquias frequenta (2003) o 3º ano de Direito na Universidade de Luanda..

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Se é um problema de amnésia, eu terei muito gosto em lhe refrescar a memória: Savimbi perseguiu-me durante 20 longos anos, através do exílio, a prisão e assédio sexual, e todas as formas de tortura psicológica!

Savimbi encarcerou o meu pai, já bastante idoso, numa cela subterrânea, ao longo de meses, pelo único crime de ter transmitido aos nossos companheiros a notícia do atentado contra a vida de Reagan, então presidente dos Estados Unidos. Lembra-se?

Savimbi espancou até à morte os meus familiares, Eduardo Jonatão Chingunji e a sua esposa Violeta Jamba. Nem os seus filhos e restante família conseguiram escapar à fúria de Savimbi.

Apesar da dor que eu sinto cada vez que penso neles, não resisto a colocar aqui os seus nomes, para avivar a sua memória: Tito Chingunji, sua esposa Raquel e os seus três lindos filhos (os dois mais pequeninos eram gémeos). Eu tenho a certeza de que você ainda se lembra. Lena Chingunji, a irmã gémea do Tito, e o seu marido, Wilson dos Santos.

Koly, o filho mais velho da Lena, que tinha então doze aninhos; Rady, que tinha oito anos, e o “Paizinho”, o terceiro, além dos dois encantadores gémeos, ainda bebés.…

Dino Chingunji e sua esposa Aida Henda, sua irmã Vande e seu filho mais novo que se chamava, creio eu, Eduardo como o seu avô. E o último dos Chingunjis, Alice, carinhosamente conhecida como Lulu. Apenas uma filha dela, que vive em Luanda e cujo pai é o Sr. Isaías Chitombi, um membro da liderança do seu partido, sobreviveu como que por milagre.

A lista é longa, mas a minha intenção é ajudá-lo a lembrar as pessoas cuja memória deve ser honrada pela simples razão de que a Unita deve a sua existência a alguns deles (no período colonial o casal Chingunji foi um pilar da Unita no Moxico, resultando no envio do marido para o Tarrafal e da esposa para São Nicolau), embora uma Unita muito diferente da de ultimamente…

E o que se pode dizer sobre o grande número de pessoas, mulheres e crianças, que foram queimadas vivas? Lembro-me como se fosse ontem, mas foi há vinte anos. Aconteceu precisamente no dia 7 de Setembro de 1983...

Prefiro virar esta página sangrenta, para construir uma estátua à memória dos homens, mulheres e crianças que foram vítimas da fúria sanguinolenta de Savimbi. Nenhum deles teve sepulturas ou enterros: não os tiveram Kambanjela, Ana Isabel, Vinona ou Eunice Sapassa, a ex-presidente da Lima (Organização das Mulheres da Unita), para mencionar apenas alguns.

Obrigada pelo convite, mas eu recuso-o, e peço-lhe também que, de futuro, se abstenha de perturbar a minha paz e tranquilidade.

Bela Malaquias

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