António Veríssimo
DE VAIA EM VAIA, ATÉ À VAIA FINAL?
Temos visto o impensável, o triste espetáculo de chuvas de vaias aos governantes e ao presidente da República. A espontaneidade das populações portuguesas que assim reagem não permite que haja quem argumente serem ações orquestradas por esta ou aquela força partidária. O que vimos são portugueses esfomeados ou a caminho disso bastante indignados, revoltados, a contestar as ações injustas, esclavagistas e desumanas do governo de Passos Coelho, com o aval de Cavaco Silva.
A semana que passou conta com dois incidentes bastante significativos. Cavaco fugiu cobardemente ao confronto não comparecendo numa escola de Lisboa porque temeu ser vaiado. Fugiu ao confronto democrático de o reprovarem na expressão pacífica da vaia. Cavaco deixou bem claro que antes de ser presidente da República não é mais que um cobarde que se quer conservar numa redoma de vidro, olhar-se ao espelho à espera que ele lhe devolva a imagem de que estava convencido que era: um quase infalível que “nunca se engana e raramente tem dúvidas” – como disse, ou o inverso. Este sujeito sempre teve aversão a expor-se a críticas, é a leitura possível. O que se deve perguntar é porque razão se envolveu tão profundamente na política e porque fez dela o seu maná. Porque razão, já no inverno da vida, ainda insistiu em (conseguindo) chegar à presidência. Se assim foi tal deve-se certamente a uma ambição que possuía. Ora isso é incompatível com a possibilidade de não se expor. Cavaco não pode pretender que faça chuva no nabal e ao mesmo tempo sol na eira. Em tudo existe verso e reverso e se aquele que está na presidência de Portugal não o merece por via do seu mau desempenho é certo e sabido que está sujeito a ser vaiado. Uma expressão pacifica do povo em país democrático. Ele só tem de aceitar e meditar naquilo que tem errado, corrigindo com sinceridade, não com novos tabus, com falsidades e atitudes de débito democrático, como tem revelado. Se acaso tem a consciência pesada, que se demita. Se não está para se sujeitar ao escrutínio do povo que sofre, que se demita. Se acaso acabou por descobrir que afinal o exercício da política e o seu cargo são uma “seca” porque não está disposto a sujeitar-se a vaias, que se demita. Assim fará um favor a ele próprio e o correto no interesse da República. O que Cavaco não pode é repetir o que fez na fuga à visita à Escola António Arroio: acobardar-se. Ou é PR e cumpre escrupulosamente as suas obrigações ou… demite-se.
De modo diferente reagiu Passos Coelho em Gouveia. Esta já é a terceira vaia que lhe toca em visitas pelo país. Ontem, em Gouveia, apesar de vaiado, cumpriu a função para que foi eleito à conta de um abastado rol de mentiras. Passos enfrentou minimamente a vaia e foi capaz de dizer mais umas quantas mentiras (Pedro e o lobo) a portugueses desesperados e, sobretudo, indignados. Com muita segurança à sua volta, compreende-se, mas não fugiu cobardemente como Cavaco. Não se limpou das malfeitorias que tem feito aos portugueses na miséria ou a caminho dela mas mostrou que tem um descaramento inaudito e que é um político dos pés à cabeça. Talvez até por isso seja tão aldrabão e saiba mentir com toda a naturalidade e descaramento.
Nódoa, mesmo nódoa, no cumprimento das suas funções, é Cavaco Silva, que, como foi revelado, já ia a caminho da Escola António Arroio e voltou para trás, para o refúgio do Palácio de Belém, por cobardia ou por não estar disposto a ouvir vaias de crianças e adolescentes estudantes que contestam com mais ou menos razão, os atropelos que o governo de Passos e ele próprio – com o seu aval – têm infligido no mundo estudantil, no Portugal de que ele se arroga bom presidente frente ao espelho. Como quem o julga é o povo… está sujeito a que não o considerem digno do cargo – por isso reagem com vaias.
Pelo que tem vindo a acontecer, nesta coisa das vaias, vamos ter em crescendo o repete-repete. Tudo se tem passado dentro dos parâmetros reconhecidamente democráticos, pacíficos. O comportamento da populaça tem sido irrepreensível, até nos insultos justificados. Daí não passou, daí não passará. Esperemos que não se verifique da parte de Cavaco e do governo de Passos a tomada de medidas radicais e antidemocráticas que produzam nas suas deslocações uma espécie de acompanhamento de uma guarda pretoriana, um quase Estado de Sítio injustificável que não permita ao povo manifestar a sua indignação e que daí não advenham violências provocadas e muito menos violência policial e tiros. É que, se bem se recordam os mais antigos, o último português a ser atingido em manifestações pacificas por balas da polícia e a ficar paraplégico, residente no Pragal, Almada, era um jovem que junto às portagens da Ponte 25 de Abril, sobre o Tejo, se manifestava indignado contra o aumento das portagens, em 1994. À data era primeiro-ministro Cavaco Silva e Dias Loureiro o ministro das polícias. Que Cavaco e Passos se lembrem e não voltem a repetir a odiosa façanha, para bem de Portugal e dos portugueses. Ameaças disso já vimos no presente quando na manifestação do dia da greve geral, junto ao Parlamento infiltraram agentes da PSP à civil nas funções de agitadores-provocadores para que a polícia tivesse um pretexto para usar a violência. Dessa ação não vimos reprovação do governo nem de Cavaco. Vimos foi o pequinissimo procurador-geral da República dizer que ia abrir um inquérito… Até hoje, sem resultados que se conheçam. O défice de democracia dos atuais detentores dos poderes em Portugal tem sido revelado por várias formas, como antes, nos dez anos dos governos de Cavaco. Na atualidade é bem patente no “custe o que custar” de Passos, nos lamentos de Cavaco quando diz que os 10 mil euros que recebe não lhe dão para as despesas, quando cobardemente foge ao povo e procura refugiar-se numa redoma de vidro. Presidente assim, se fosse mesmo bom patriota demitia-se… ou mudava radicalmente de atitudes e seria mesmo provedor do povo em vez de o afirmar sem o ser, nem ao menos revelar uma sombra de que o quer ser.
Esperemos que impere a democracia e o bom senso para que pacificamente, de vaia em vaia, estes agentes nocivos sejam penalizados e, após uma gigantesca vaia final, dêem o lugar a outros, de outra estirpe, muito melhores, verdadeiros, honestos, governando em prol da maioria dos portugueses e não das clientelas partidárias e dos lobies que os compram. Será desejar demais?
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