Rita Tavares e Liliana Valente* - i online - Fotografia © Paulo Spranger/Global Imagens
Maioria dos municípios dá tolerância amanhã. Governo desdramatiza, mas condena sinal “que também é político”
É tempo “de saber quem quer lutar pela crise e quem quer ficar agarrado às velhas tradições”. Resultado do desafio lançado pelo primeiro-ministro: 65% das câmaras municipais dão tolerância de ponto amanhã e não prescindem da velha tradição do Carnaval.
Na recolha de dados, entre funcionários das câmaras pelo país fora, ouvem--se duas reacções nas vozes que responderam à pergunta “trabalha dia de Carnaval?”: normalidade e desalento. Mas apesar de a ordem nacional – anunciada pelo governo – ser suspender a tolerância este ano, a normalidade vem mesmo dos 202 municípios que mantêm a tradição e amanhã têm descanso. O desalento vem das outras 97 (9 só sabem hoje).
Os números são expressivos e, de acordo com os dados de 2009 da Direcção Geral das Autarquias Locais, mostram que são cerca de 88 mil os funcionários das câmaras que não vão trabalhar hoje, contra 42 mil que vão estar ao serviço.
O governo desdramatiza a desobediência e frisa a “autonomia das câmaras”. Mas ao i o secretário de Estado da Administração Local, Paulo Júlio, diz que os autarcas que deram tolerância de ponto “mostram os sinais que querem dar. E os sinais também são políticos”.
Mas não se pense que foram só câmaras de cor política contrária à do governo a furar a ordem de Passos Coelho (ver texto ao lado). Loulé foi um dos casos e em declarações ao i, o presidente da câmara, Seruca Emídio, lembra a importância turística da época para o Algarve. “É uma região turística por excelência e, em época baixa, o Carnaval tem funcionado como factor de reanimação do comércio local”, diz o autarca.
O argumento não serviu apenas aos municípios do Algarve (onde a maioria concedeu tolerância aos seus funcionários, tal como mostra o mapa das páginas anteriores), mas também as outras regiões mais a norte que discordaram da posição do governo. Em Seia, o presidente Carlos Figueiredo foi dos primeiros a saltar contra a decisão do executivo “altamente penalizadora para o sector do turismo”. Uma opinião que o autarca da Covilhã (PSD) não partilha. Carlos Pinto entende que “há justificações, no momento em que o país atravessa, para que se reduza a folia”. Ao i o presidente da câmara da Covilhã diz mesmo acreditar que “as portagens nas auto-estradas [ex-SCUT] tenham mais impacto para o turismo na região do que não dar tolerância de ponto no Carnaval”. “Fraca festa é a que precisa de funcionários públicos e funcionários das autarquias para se fazer valer”, atira em tom crítico.
O “teso” No caso da Madeira, Alberto João Jardim mandou parar tudo até quarta-feira de manhã. E no sábado avisou estar “teso mas bem disposto” neste Carnaval. Por ali não há suspensão, vale o argumento económico com o governo regional a invocar o “impacto da quadra na economia da região autónoma e a contribuição que a população dá para o seu alto nível”. Ainda em Janeiro a Madeira fechou com o governo de Passos Coelho (depois de uma negociação dura) um plano de ajustamento para a região resolver o buraco financeiro de 6,3 mil milhões de euros.
Nos Açores a ordem regional foi no mesmo sentido e hoje os funcionários públicos não trabalham. Tal como acontece em grande parte das maiores câmaras a nível nacional. Os funcionários municipais de Lisboa, Porto e Oeiras estão de folga. Em Sintra, Fernando Seara deixou a decisão para hoje. Já em Vila Nova de Gaia, o presidente Luís Filipe Menezes quis mostrar-se “solidário” com Passos Coelho e alinhou pela suspensão da tolerância de ponto.
Certo é que o primeiro-ministro, quando decidiu suspender a tolerância no Carnaval, deixou espaço para as localidades com “forte tradição” nesta quadra. O flanco aberto deu margem para que a grande maioria dos municípios (muitos queixaram-se que já tinha investimentos feitos) deixasse de lado a orientação do executivo, mesmo que não tivessem uma tradição carnavalesca muito acentuada. E as decisões acabaram por contagiar os privados em cada localidade, Pouco pesou o facto de estar em Portugal, para a terceira avaliação da execução do memorando, uma equipa da troika. Já para o governo, esta visita foi importante para a decisão.
O secretário de Estado e ex-autarca (de Penela) Paulo Júlio não tem dúvidas: “Enquanto autarca nunca dei tolerância de ponto, mesmo quando o governo dava porque entendo que não faz sentido. A troika está em Portugal a trabalhar a fazer a terceira avaliação e dávamos tolerância de ponto? Não faz sentido. Em concertação social acabámos com feriados e agora dávamos tolerância de ponto? Não faz sentido”.
Por estes dias o país pode até não parar, mas abranda muito.
*Com Sónia Cerdeira
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