sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Brasil: Audiência pública debate drama de 6 mil desalojados de Pinheirinho




Najla Passos – Carta Maior, com foto

Senador tucano quase inviabilizou audiência pública para debater a desocupação de Pinheirinho, ao alegar que PT estava utilizando a “miséria alheia” para atender seus interesses eleitorais. Lideranças políticas e comunitárias reagiram e demonstraram a importância de solucionar com urgência o drama dos seis mil desalojados, ao invés de partidarizar o debate. Secretária Nacional de Habitação afirmou que governo federal vai garantir direito da comunidade à moradia, com ou sem a parceria do estado e do município.

Brasília - Sob a acusação de que o Partido dos Trabalhadores (PT) estaria “utilizando a miséria alheia para favorecer seus interesses eleitorais”, o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) quase inviabilizou a audiência pública convocada pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado para discutir, nesta quinta (23), o truculento despejo das cerca de 1,6 mil famílias que viviam na área de ocupação conhecida como Pinheirinho, em São José dos Campos (SP), em 22/1.

O senador Eduardo Suplicy (PT-SP), que assinou o requerimento para realização da audiência em parceria com o senador Paulo Paim (PT-RS), chegou a ficar exaltado e a gritar com o colega. Mas, com o apoio de senadores e lideranças políticas e comunitárias de outras legendas, defendeu a importância da pauta e conseguiu dar prosseguimento à audiência, que durou quase seis horas.

Cerca de quarenta ex-moradores de Pinheirinho e lideranças comunitárias e políticas garantiram o quórum da audiência, que contou com a presença de apenas cinco senadores. Os representantes do governo e da justiça paulistas não compareceram. “Enquanto não houver uma discussão séria em que a questão dos direitos humanos não seja tratada de forma unilateral, o governo de SP não irá participar e nem eu”, justificou Aloysio Nunes.

Para ele, a CDH foi “aparelhada pelo PT” com o propósito de prejudicar o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), legenda que, além dele, abriga o governador de São Paulo, Geraldo Alkmin, e o prefeito de São José dos Campos, Eduardo Cury, que autorizaram a Polícia Militar (PM) e a Guarda Municipal a cumprirem a polêmica decisão de reintegração de posse do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP).

“Estamos diante de uma operação política em que o PT, para promover seus interesses eleitorais, terceiriza o seu radicalismo a grupetos pseudo revolucionários e a pretensos líderes comunitários, que são verdadeiros parasitas desses movimentos”, afirmou, sem poupar críticas às principais lideranças comunitárias da comunidade, que são filiadas ao Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados (PSTU).

Exaltado, Nunes disse também que há muita mentira em torno da desocupação. “Falaram em mortos, feridos, mas nada foi comprovado”, acrescentou. Segundo ele, não por acaso, os depoimentos sobre possíveis truculências da PM partiram dos funcionários do gabinete do senador Eduardo Suplicy (PT-SP).

Suplicy, reconhecido pela calma exagerada, rebateu o colega aos berros. “Se eu não tivesse convidado o governo de São Paulo e os juízes envolvidos, eu até poderia ser acusado de parcial. O senador Aloysio Nunes precisa ficar e ouvir aquilo que ele acha que não ocorreu. Ele diz que não houve violência, mas aqui está um morador, com os exames médicos que comprovam que ele levou um tiro”, contrapôs.

O pedreiro David Washington Furtado contou como foi baleado, quando saia de casa, com a roupa do corpo. Ele, que passou 17 dias hospitalizado, apresentou exames comprovando as sequelas do tiro que recebeu pelas costas. Com a ajuda da esposa e de outros companheiros, relatou também o caso do vizinho, Ivo Teles dos Santos, que sofreu um derrame após ser espancado pela Polícia. E o de Antônio Dutra Santana, que morreu atropelado por um carro atingido por uma bomba de feito moral.

Houve, ainda, relatos de estupros, espancamentos e até o lançamento de uma bomba de efeito moral dentro de uma igreja, onde muitos moradores procuraram abrigo.

O líder comunitário Valdir Martins de Souza disse que, antes da desocupação, Pinheirinho era considerado um exemplo para o mundo. “Nós mostramos como fazer casas populares com baixo custo, abrimos ruas sem ajuda do poder público e vivemos oito anos na área sem que fosse registrado um único crime. Agora, para reparar o que foi feito em Pinheirinho, a única solução é a desocupar a área e construir casas populares nela ”, disse.

A secretária Nacional de Habitação, Inês Magalhães, explicou que, desde 2006, dois anos após o início da ocupação, o governo vem manifestando interesse em discutir uma solução para o problema dos quase 6 mil moradores da área, que pertence à massa falida de uma empresa do mega-especulador Naji Nahas. “Há, da nossa parte, o compromisso de atendimento total à demanda dos moradores do Pinheirinho, com ou sem parceria dos outros níveis de governo”, afirmou.

O secretário Nacional de Articulação, Paulo Maldos, acrescentou que o governo continua empreendendo todos os esforços para estabelecer parcerias, principalmente com a Prefeitura, que pode facilitar a solução do impasse ao alterar o plano de zoneamento da cidade. Segundo ele, o governo criou uma espécie de força tarefa que se reúne semanalmente para viabilizar um diagnóstico das áreas da região, passíveis de serem transformadas em conjuntos habitacionais.

Maldos, que estava na área no dia da desocupação e chegou a se ferir com um tido de bala de borracha nas pernas, reiterou os depoimentos dos moradores sobre a truculência da operação. “A população de Pinheirinho foi tratada como inimigo do estado e a PM se portou como força de ocupação”, disse.

Senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), que assistiu a um vídeo sobre a operação, ficou chocado. “Há formas e formas de se cumprir uma decisão judicial. Pelas cenas exibidas aqui, parece que faltou o mínimo de razoabilidade e bom-senso na desocupação”.

O senador Pedro Taques (PDT-MT) lembrou que o impasse vem se arrastando há oito anos, tempo suficiente para que todas as esferas de governo pudessem tomar as providências devidas para solucioná-lo.

O presidente nacional do Partido Socialismo e Liberdade (PSol), deputado Ivan Valente (PSol-SP), denunciou a opção do governo estadual pela violência. Para ele, mesmo que houvesse uma ordem judicial de reintegração de posse, o governo poderia ter ponderado, porque havia uma negociação em curso. “O caso de Pinheirinho é simbólico, é paradigmático de como é tratada a questão social no Brasil”.

O presidente nacional do PSTU, José Maria Almeida, criticou a operação, defendeu os moradores da área que, segundo ele, são vítimas da criminalização dos movimentos sociais em curso no Brasil, mas ressaltou que a hora é de agir. “Quando é que vamos começar a construir as casas?”, cobrou.

No final da audiência, Suplicy afirmou que enviará relato das denúncias contra os magistrados que determinaram a ação ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que poderá avaliar se houve ou não irregularidades nelas. Ele reiterou o convite às autoridades paulistas para explicarem quais providências estão sendo tomadas para apuração das denúncias e para solução do impasse.

Fotos: José Cruz/ABr

3 comentários:

Anónimo disse...

Caso Pinheirinho revela quem é Eduardo Suplicy. Mas quem é?
Décadas antes de Lula aderir ao marketing "paz e amor", Eduardo Suplicy já destoava da grande maioria dos petistas por fazer pose de bom moço. Aparecia sempre como um esquerdista de ideias moderadas, amigo da democracia, honestíssimo, responsável e até ingênuo demais para um político. Dizia coisas tão cândidas (como a proposta de transformar a Escola Superior de Guerra numa "Escola Superior de Paz"...) que lembrava uma ovelha no meio dos lobos. Só quando abria a boca em debates televisivos é que o seu atrapalhamento na organização das ideias, assim como a constrangedora falta de agilidade argumentativa, viravam a imagem de bom moço no estereótipo do parvo.

Apesar do sucesso dessa imagem cultivada há tantos anos, é fácil comparar atitudes suas em relação a aliados e inimigos para mostrar que Suplicy é um lobo como qualquer outro, ou até um petista dos piores. Quando estourou o escândalo do mensalão, ele se deixou fotografar ao lado de Zé Dirceu, numa clara tentativa de transferir a este último parte de sua credibilidade. E, ao ser indagado sobre as acusações contra Dirceu, Suplicy respondeu que lhe dava "o benefício da dúvida". Anos depois, Suplicy aproveitou-se de sua imunidade parlamentar para acusar, com base em supostas denúncias de moradores do Pinheirinho, que alguns policiais que participaram da desocupação da área haviam praticado estupros durante a operação. Enquanto isso, ignorou olimpicamente os casos recentes de pessoas que foram cegadas de um olho por balas de borracha disparadas por policiais em operações de reintegração de posse efetuadas em estados administrados pelo PT.

Julgando essas atitudes à luz do realismo político, de que Maquiavel foi o primeiro a tratar sem os olhos da moral cristã, está claro que Suplicy participa do jogo da política como qualquer outro jogador. Ele é duro quando cobra moral e respeito aos direitos humanos em se tratando de governos adversários, e tanto que chega a fazer acusações sem provas e sem ter o cuidado de averiguar coisa alguma; ao mesmo tempo, ignora olimpicamente as falhas de governos aliados em assuntos idênticos e concede o benefício da dúvida mesmo a quem já foi investigado, julgado e cassado por seus pares. Enfim, um político como qualquer outro, mas que convence muita gente ao se cobrir com pele de cordeiro.

Anónimo disse...

Entretanto, pode haver um problema mais sério aí. Se é do jogo político seguir essa lógica de dois pesos e duas medidas, não se pode desconhecer que, quando se usa a tática de mentir de forma deliberada e repetida, inclusive com o expediente de forjar provas contra inocentes, a democracia é degradada. Bolcheviques, stalinistas e nazistas usavam muito convictamente essa tática de transformar a mentira em verdade à custa de fraudes e repetições incessantes. E é cristalino que o PT usa a repetição da mentira para atacar adversários, como também já existe ao menos um caso comprovado de petistas que recorreram ao suborno e outros métodos ilícitos para forjar provas de corrupção contra adversários políticos.

Ora, recentemente, Suplicy bateu boca com o senador Aloysio Nunes Ferreira porque este denunciou o modo como os petistas partidarizaram a Comissão de Direitos Humanos do Senado. Em sua fala destemperada - cadê o jeitão de mocinho de novela das seis? - Suplicy voltou a falar da denúncia de estupro no caso Pinheirinho. O problema é que, naquele ponto dos acontecimentos, tal denúncia já estava desautorizada pelos fatos. Vejamos um resumo feito pelo jornalista Reinaldo Azevedo a respeito:

- as pessoas que fizeram a acusação não moram no Pinheirinho;
- os supostos eventos não se deram no dia da desocupação;
- alguns dos denunciantes tinham sido presos com drogas e armas;
- fez-se boletim de ocorrência, e os presos e familiares estavam acompanhados de sua advogada; ninguém falou em estupro nenhum;
- as denúncias foram feitas 10 dias depois da suposta ocorrência;
- a advogada dos presos já atuou na defesa de membros do PCC.

Será que o senador Suplicy continua a falar no caso de estupro porque, feito um político como outro qualquer, usa de dois pesos e duas medidas? Ou será que Suplicy sempre soube que a denúncia contra a PM paulista era furada, mas fez e continua fazendo uso dela mesmo assim porque se aproveita da imunidade parlamentar para, assim como os nazistas, usar a tática de mentir repetida e descaradamente até que a mentira seja vista como verdade?

Qual das duas opções está correta? Embora eu não seja aliado do senador, deixo a pergunta em aberto, dando a ele o benefício da dúvida. Mas uma coisa é certa: de bom moço, Suplicy nunca teve nada.

Anónimo disse...

A VERDADE, NADA MAIS DO QUE A VERDADE, SOBRE O PINHEIRINHO

O Pinheirinho evidenciou a submissão de moradores a interesses ideológicos menos nobres do que o justo direito ao lar. A Constituição prevê o direito à moradia e também o direito à propriedade. O imóvel, em um Estado democrático de Direito, só pode ser desapropriado mediante indenização prévia e justa, observado o devido processo legal. Ele não pode ser arrancado do proprietário, seja quem for, para se transformar em moradia para terceiros. Ele deve cumprir a sua função social, mas, com a falência, o falido perde a sua administração.

Em 2004, quando a área foi invadida por pessoas ligadas ao PSTU, o juízo da falência (18ª Vara Cível de São Paulo) ordenou a desocupação. Um juiz de São José dos Campos suspendeu a ordem sem ter poderes e solicitou ao presidente da República, ao governador e ao prefeito a desapropriação. Desde 2004, nada foi feito. A possessória foi remetida em definitivo a São José dos Campos e, após recursos, em outubro de 2011, foi ordenada a desocupação.

O Pinheirinho vale R$ 500 milhões. Fora gastos com infraestrutura e moradias. Como é muito caro, União, Estado e município não o desapropriaram. Ninguém quis pagar a conta. Só discursar. A União não interveio no processo nem indicou recursos. Foi apresentado um protocolo de intenções do Ministério das Cidades para regularizar a área. Intenções fluidas, não interesse jurídico. Nada se regulariza sem verba. A juíza tentou acordos. A empresa construiria imóveis em outro local. Os líderes recusaram. Queriam confronto: tinham os próprios interesses a defender.

A Justiça Federal, com base em inepto pedido de associação (a União jazia inerte), pretendeu paralisar a reintegração. Só o Superior Tribunal de Justiça poderia fazê-lo. O Tribunal de Justiça não reconheceu a teratológica ordem federal. Seu presidente, o desembargador Ivan Sartori, recebeu parlamentares do PT e PSOL para buscar solução. Conversamos longamente. Nada de concreto apresentaram. O juiz da falência, no dia 18 de janeiro, não suspendeu a desocupação. Nem poderia: falência e possessória são processos distintos. Sugeriu à magistrada que o fizesse, sem êxito. O que se faria em 15 dias, sem desapropriação?

Alertei o senador Eduardo Suplicy e o deputado Ivan Valente, que preferiram acreditar no que lhes era conveniente. O planejamento evitou mortos e feridos graves pela PM. Frustrou quem pretendia explorar politicamente cadáveres. Diante do confronto estimulado pelos líderes, foi preciso retirar os ocupantes, que voltaram para reaver pertences, e encaminhá-los para abrigos e programas sociais. Encaminhar quem precisava. Havia invasor com cinco alqueires de área e outros que só exploravam, mediante taxa e aluguel, pobres moradores. Havia um ponto de drogas na região, cracolândia.

Ninguém compactua com abuso policial. Nem com a cobrança de taxas pelos líderes, incitação à violência ou falsas notícias de mortos para desqualificar a ação. O caso nos sensibilizou. Nós, juízes, lidamos com os mais profundos dramas. Em um despejo por falta de pagamento, porque é direito do locador reaver seu imóvel, o locatário não terá para onde ir. Ao condenarmos alguém à prisão, sua família ficará ao desamparo. Podemos descumprir a lei por esses motivos?

Dias antes da operação, sugeri ao juiz da falência que parte do Pinheirinho fosse usada para quitar créditos federais contra a falida. Falava-se em dezenas de milhões. Checamos: só havia um crédito de R$ 311 mil. Não assentaria ninguém. Esse processo estava parado há cinco anos por inércia da União! Pedi ao senador Suplicy que o advogado-geral da União levantasse todos os créditos federais e me ligasse com urgência. Até hoje aguardo a ligação.

RODRIGO CAPEZ, 43, é juiz assessor da presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo. Artigo publicado na Folha de São Paulo.

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