quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

"CAPITALISMO DE ROSTO HUMANO” – II



Martinho Júnior, Luanda

1 – O argumento social democrata, que tem horror histórico ao conhecimento marxista para justificar a sua rendição ao capitalismo neo liberal, implica em hipocrisias múltiplas e uma delas é a retórica de “luta contra a pobreza”, conceito que pode ser até linearmente confrontado com perguntas simples dum ciclo que tem toda a razão de ser:

- Desde quando aqueles que nada mais fazem senão, por via do culto irredutível ao lucro, promover a desigualdade e a falta de solidariedade, estão efectivamente aptos a lutar contra a pobreza?

- Como se poderá alguma vez dar combate à pobreza se não se for capaz de dar combate aos fundamentos da desigualdade e por conseguinte estabelecer as premissas do combate ao subdesenvolvimento?

- Como se poderá alguma vez dar combate à desigualdade se tudo ficar deliberada e vivencialmente regido num quadro de lógica capitalista?

- Isso tem a ver em alguma coisa com o “socialismo democrático”?

O Director do Jornal de Angola, com este “artigo de opinião” indicia comprometer-se com um projecto elitista que não corresponde aos anseios mais legítimos do movimento de libertação, um projecto alvo de manipulações de toda a ordem estimuladas pelos vínculos de uns e de outros com os Estados Unidos da América: não foi para este projecto que milhões e milhões de angolanos se sacrificaram na luta contra o colonialismo, o “apartheid”, contra as suas sequelas e se empenham na luta contra o subdesenvolvimento!

Por fim, nunca é demais sublinhar que esse projecto elitista se enquadra na manipulação e ingerência norte americana em Angola, tanto pela sua afirmação, quanto pelo exercício da sua contradição, as duas faces da mesma moeda, o que deixa perceber que em Angola está em andamento uma trajectória cujos sintomas são similares aos percursos que conduzem ao beco sem saída em que se constituiu a “primavera árabe”!

Será por acaso que um dos principais críticos, Rafael Marques de Morais, seja “tão facilmente” recebido pelo Departamento de Estado? (“Rafael Marques recebido no Departamento de Estado dos EUA” – http://www.publico.pt/Mundo/rafael-marques-recebido-no-departamento-de-estado-dos-eua-1469733).

2 – Numa recente entrevista, o economista e Presidente do Fórum de Nairobi, Samir Amin, conhecido pelas suas críticas justas à social democracia (“A Europa não existe: o que há é simplesmente a face europeia do projecto norte-americano” – http://www.controversia.com.br/index.php?act=textos&id=2231), refere a propósito:

“P. De acordo com uma certa vulgata liberal e conservadora, não só o mercado seria o único instrumento de regulação da sociedade, como a própria promoção e universalização dos direitos dependeria dos processos de globalização económica.

Como se poderia articular a relação entre a globalização, na sua forma actual, e direitos fundamentais?

R. O discurso da ideologia dominante, que estabelece uma absoluta igualdade entre democracia e mercado, e baseando-se nesta premissa, sustenta que não há democracia sem mercado – e que o próprio mercado crias as condições para o aprofundamento da democracia –, é um discurso vulgar, puramente propagandístico, que não tem nada a ver com a realidade histórica nem com a sua análise científica.

Pelo contrario, há uma contradição absolutamente fundamental nessa retórica dominante que, reduzindo a democracia à sua dimensão meramente política, e limitando-a à democracia representativa, a dissocia da questão social que se supõe ser regulável pelo funcionamento do mercado, ou melhor dizendo, de um mercado imaginário.

A teoria do capitalismo imaginário dos economistas convencionais, para quem o mercado generalizado tenderia para o equilíbrio, supõe que a sociedade é simplesmente composta pelo conjunto dos indivíduos que a compõem, sem ter em conta as formas da organização social, a pertença à família, à classe social, à nacionalidade: esquecendo, pois, que para Marx era uma verdade natural – a saber: que os valores económicos estão incrustados na realidade social.

P. Se existe uma contradição fundamental entre mercado global e direitos fundamentais, com que instrumentos poderia ser construída uma via que permitisse superar esta contradição?

R. Não tenho receitas, mas sugiro a abordagem do tema com a perspectiva de lançar estratégias de luta comum em torno de alguns pontos fundamentais, o primeiro dos quais assenta na ideia de que não pode haver democracia autêntica sem progresso social.

É um objectivo que vai exactamente na direcção oposta ao discurso dominante, o qual, como se viu, dissocia ambos os termos, e anda afastado do pensamento dos bem-pensantes social-liberais e social-demócratas, que supõem que os efeitos negativos do capitalismo podem ser contidos por meio de uma regulação social parcial.

Talvez fosse preferível esquecer o termo “democracia” e falar bastante mais de “democratização”, entendida como um processo sem fim; e recordar que a necessidade de associar a democracia ao progresso social é um objectivo que diz respeito a todos os países do mundo. Também nos países chamados democráticos a democracia está em crise: precisamente porque, dissociada da questão social, fica reduzida à democracia representativa, e a solução dos problemas económicos e sociais é transferida para o mercado.

É uma via muito perigosa: na Itália, como noutros lugares, você votou livremente (ou quase, dado que o voto está muito condicionado pelos media), e no entanto, muita gente se questiona: porquê votar, se o parlamento afirma que algumas decisões são impostas pelo mercado e pela globalização?

Deste modo, a democracia vê-se deslegitimada, e corre-se o risco de se derivar para formas de neofascismo suave”…

… “Neofascismo suave” estão a experimentar cada vez mais, aqueles que estão de fora dos impactos directos das convulsões armadas (algumas delas surgidas precisamente da “exploração adequada” das questões sociais) e a propósito desse velado neo fascismo, cabe aqui perguntar:

- Em que escolas andou o ilusionista José Ribeiro?

- Onde estava quando os sacrificados do passado na casa que ele hoje serve, os dignos profissionais com espírito de luta do Jornal de Angola, enganavam a fome com ginguba e mandioca, para que o jornal saísse a tempo e horas nos tempos de guerra?

- Quem está interessado na contínua política de cedências cada vez mais à direita em Angola?

- A quem serve o seu argumento, se nem é tido nem achado o “socialismo democrático” do MPLA, o partido que neste momento é responsável por assumir o poder de estado?

- Porquê?

Foto: Projecto 5 estrelas “Comandante Gika” – um empreendimento privado de luxo, uma das “meninas dos olhos” das novas elites angolanas.

Ver : Há um ano – 18 de Fevereiro de 2011 – MPLA reafirma socialismo democrático como ideologia

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