Paulo Machicane (texto) e António Silva (fotos), Agência Lusa
Maputo, 04 fev (Lusa) - A adoção pela Frelimo do marxismo-leninismo no Congresso de 1977 foi "natural", porque dava sequência à política adotada na luta de libertação colonial, disse à Lusa Lopes Tembe, um dos fundadores do partido no poder em Moçambique.
Este fim de semana passam 35 anos sobre o histórico III Congresso da Frelimo, realizado em Inhambane entre 03 e 07 de fevereiro de 1977, o primeiro realizado depois da independência do país, em 1975, e que transformou a organização de frente armada contra o colonialismo português em partido de ideologia marxista-leninista.
Ali foi decidido seguir "o centralismo democrático", outorgando à Frelimo o papel de "partido de vanguarda", com monopólio exclusivo do poder político e instauração do regime de partido único.
Ao recordar a atmosfera vivida nessa importante reunião, Lopes Tembe, um dos poucos sobreviventes do primeiro congresso da Frelimo, realizado a 25 de junho de 1962, disse à Lusa que o marxismo-leninismo foi "uma escolha natural", porque refletia a política seguida desde a criação do movimento, as condições da luta contra o colonialismo e as transformações que se pretendiam na nova sociedade moçambicana.
"Os nossos ideais de luta, como o combate à exploração do homem pelo homem, a igualdade entre o homem e a mulher e a ideia do preço justo no comércio encaixavam bem numa política socialista", considera Lopes Tembe.
Por outro lado, defende ainda o veterano da luta contra o colonialismo, a guerra de libertação exigia uma forma de organização defendida no tipo de sociedade proposta pelo marxismo-leninismo.
"O africano é socialista por natureza, vive numa forma de solidariedade que é socialista. Não foram os instrutores chineses ou soviéticos que nos disseram que tínhamos que seguir o marxismo-leninismo, pegámos nesse modelo e adaptámos à maneira africana", enfatiza Lopes Tembe, que foi embaixador de Moçambique em vários países, após a independência.
De resto, assinala Lopes Tembe, 75 anos, adaptar o socialismo à realidade africana foi uma fórmula também usada por Julius Nyerere, primeiro Presidente da República da Tanzânia, país que acolheu a sede e os principais centros de treino militar da Frelimo.
O editor do serviço em inglês da Agência de Informação de Moçambique (AIM), o britânico Paul Fauvet, chegou ao país em fevereiro de 1981, mas a tempo de interpretar como "natural" a opção pelo marxismo-leninismo.
"O marxismo-leninismo foi uma opção natural da Frelimo, embora tenha sido no terceiro congresso a assumir-se formalmente como partido de vanguarda e marxista-leninista".
Ainda movimento de libertação, já a Frelimo, considera Paul Fauvet, dava sinais de que alinharia com o comunismo, ao impor um modelo de sociedade assente em comunas, ao defender a universalização dos cuidados de saúde e da educação, bem como o princípio da emancipação da mulher, nas zonas libertadas.
A constante denúncia dos "exploradores do povo", membros da população e da guerrilha da Frelimo que praticavam um comércio considerado especulativo, e o isolamento da chamada linha reacionária também eram sintomas de que esta força política havia de seguir o marxismo-leninismo.
O jornalista rejeita a ideia de que a Frelimo só se filiou ao bloco comunista, quando o seu primeiro presidente, Eduardo Mondlane, doutorado nos Estados Unidos e com relações com os Kennedy, foi assassinado, a 03 de fevereiro de 1969.
"Quando se quer atacar a escolha que a FRELIMO fez, usa-se Mondlane, mas sabe-se que nos últimos anos, Mondlane estava a mudar ideologicamente e foi figura chave na linha da frente contra as oposições internas da direita", observa Paul Fauvet.
A reivindicação de partido marxista-leninista "caiu" em 1989, já após a queda dos regimes comunistas no leste europeu e, em 1990, a revisão da Constituição abriu ao país ao multipartidarismo - mas a Frelimo jamais deixou de ser poder.
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