Fernando Mbanze – Savana (mz), opinião
Há muito, muito tempo, um célebre historiador, diplomata e poeta italiano já deixava para a sociedade uma célebre frase que até hoje nos remete e deve continuar a remeter-nos para uma reflexão profunda do que queremos ser como pessoas positivamente civilizadas, cultas e regidas por regras próprias de um Estado de Direito.
Referimo-nos a frase de Nicolau Maquiavel: Os fins justificam os meios. Esta frase, por outras palavras, quer dizer que os governantes e outros poderes devem estar acima da ética e moral dominante para alcançar seus objectivos ou realizar seus planos.
Pensamos e teimosamente continuamos a acreditar que somos efectivamente um Estado de Direito. Ou seja, somos um país livre, mas que, pelo bem e para o bem de todos nós, traçamos regras que devemos todos religiosamente cumprir, ou no mínimo, fingir que cumprimos.
Entretanto, na Pátria Amada, há coisas que caem simplesmente como verdadeiras bombas atómicas sobre as nossas cabeças. Situações verdadeiramente aterradoras que, embora querendo continuar a acreditar, faltam-nos forças e contra argumentos para continuarmos a defender que estamos de facto num Estado de Direito.
Apenas dois assuntos actuais para ajudar, ao leitor, a compreender o que queremos dizer nestas linhas. Um diário da praça tem estado a seguir atentamente a terrível, injusta e ilegal realidade a que estão submetidos os professores do distrito de Murrupula, província de Nampula. Murrupula é, por coincidência, terra natal do actual Presidente da República, Armando Guebuza. Mas, isto não é matéria de discussão, por agora.
Neste distrito, os professores foram voluntariamente obrigados a descontar, do seu salário (que já é uma verdadeira miséria), um total de 12 por cento do seu ordenado. Isto, como acumulado de seis meses de descontos salariais. O dinheiro foi obrigatoriamente alocado, em forma de cheque, para o gabinete da administradora distrital. A contribuição obrigatória visa apoiar financeiramente a realização do X Congresso da Frelimo, a realizar-se este ano, na nortenha província de Cabo Delgado.
De acordo com o que nos chegou ao ouvido, o dinheiro foi retido exactamente na fonte, via E-SISTAFE, acreditamos. Na verdade, um grupinho de professores, comandado pelos dirigentes locais da Frelimo, reuniu e decidiu descontar a todos os professores. Vendo-se completamente lesados, os professores deram a cara e disseram claramente que, em nenhum momento, concordaram com o referido desconto. Disseram que a haver qualquer voluntarismo na contribuição para o X Congresso da Frelimo, o mesmo devia acontecer de forma individual. Entendem que cada um, depois de receber o seu salário poderia decidir tirar o que achar conveniente e dentro das suas capacidades e ir contribuir depositando o valor nalgum local a ser previamente definido. E nunca, um desconto na fonte.
Na verdade, estamos aqui, diante de um crime público. Um crime protagonizado à luz do dia. A Procuradoria Geral da República tomou, portanto, conhecimento. Conhecimento de que uma entidade (que se diz digna) roubou aos funcionários públicos à luz dia. Portanto, é tempo e oportunidade única para esta entidade agir, exigindo punição exemplar, aos prevaricadores da lei.
Embora tenha caído em descrédito, o público ainda deposita alguma esperança nesta instituição que é guardiã da legalidade, daí acredita-se que ela vai agir e vai conseguir parar com estas situações simplesmente inaceitáveis, num país que se quer sério.
Os acontecimentos de Murrupula vêm, por outro lado, aclarar que não vale a pena a discussão da velha questão da partidarização do Aparelho do Estado. Aqui está claro. A Frelimo e o Estado urdiram juntos um plano para roubar aos funcionários públicos. Aliás, a administradora distrital e o Director Distrital da Educação, sem o mínimo de vergonha, confirmaram isso. Disseram, de boca cheia, que achavam o acto legal, alegadamente porque foi a pedido dos professores. Quais professores? Se os verdadeiros professores (tirando um grupinho de engraxadores e lambe botas) publicamente disseram que, em nenhum momento, autorizaram descontos nos seus salários.
Porque este comportamento da Frelimo não é novo, verdade é que, não nos iremos espantar se, daqui a algum tempo, recebermos tristes notícias de que os professores que publicamente reclamaram perderam emprego, ou então, foram transferidos para localidades bem distantes. Localidades onde a televisão, o jornal e a rádio não chegam.
Outro assunto, actualíssimo, tem a ver com as intercalares da cidade de Inhambane. Chegam-nos notícias, segundo as quais, pontapeando completamente de forma grosseira e criminosa as leis, o Secretariado Técnico de Administração Eleitoral e a Comissão Nacional de Eleições inventaram uma nova lei eleitoral. Isto no que tem a ver com as condições requeridas para um cidadão actualizar os seus dados eleitorais, requerendo novo cartão de eleitor. A lei aqui é clara, basta o cidadão apresentar um documento dentro do prazo e com sua fotografia estampada e que ateste que é residente da circunscrição eleitoral referida, para fazer a inscrição. Pode ser actualização, ou então, novo eleitor. Basta, repetimos, que o seu documento de identificação ateste que tem idade eleitoral e é residente da referida circunscrição eleitoral para poder recensear-se e exercer o seu direito cívico e constitucional.
Entretanto, os órgãos eleitorais em Inhambane, não se sabe (mas suspeita-se) a mando de quem, decidiram inventar que qualquer jovem só se pode inscrever se apresentar cartão de estudante. Confrontados com esta exigência, os jovens entraram em choque e embora leigos nesta matéria perceberam logo que algo de errado estava a acontecer com os órgãos eleitorais.
Tentavam aí e acolá, os recenseadores não aceitaram e não aceitam recensear jovens que não exibam cartão de estudante. Onde foram buscar essa lei? Porquê só agora há estas exigências desde que o país introduziu a governação autárquica. As respostas são óbvias, pois há quem tem má memória dos acontecimentos de Quelimane. Alguém não está a conseguir digerir convenientemente a perca do município de Quelimane para a oposição. Anda um verdadeiro trauma pós eleitoral.
Daí, facilmente, se pode perceber aqui, que tal como está a acontecer em Murrupula, os órgãos eleitorais de Inhambane urdiram em conluio com uma entidade partidária, um plano para impedir que os jovens não possam votar. Pois, os jovens andam verdadeiramente revoltados e rebeldes. Até os Charas e as Mabotas tem estado a pedir que os jovens mostrem positivamente a sua revolta, no sentido de impedir o contínuo caminho tortuoso que o país está a ser obrigado a tomar.
Este é, em nossa opinião, mais um motivo sério e pontual, para que quem de direito aja imediatamente e impeça a contínua violação das mais elementares normas que regem o país e a convivência no país.
Pensamos que a agir prontamente, as instituições criadas para defender o cumprimento da lei e da legalidade, estarão a criar condições para que Moçambique seja um país que orgulha os moçambicanos e não só. Continuamos a acreditar, e enquanto vivos continuaremos a acreditar que, um dia, a lei vai ser cumprida por todos, independentemente da raça, filiação partidária, capacidade financeira, cargo político – partidário...
- Fernando Mbanze/ fmbanze@gmail.com ou fernando.mbanze@mediacoop.co.mz
Sem comentários:
Enviar um comentário