Daniel Oliveira – Expresso, opinião, em Blogues
António José Seguro explicou a sua difícil situação: não concorda com partes do memorando do troika mas quer cumpri-lo, porque foi o PS que o negociou. Passos Coelho agradeceu e repetiu que tinha sido o PS a negociá-lo. Lembro-me do PSD ter-se vangloriado do seu importantíssimo papel na negociação. Mas adiante.
Aceitemos, até porque não temos razão para não o fazer, o momento de sinceridade de Seguro. Que de facto discorda de partes importantes do memorando e que, quando ele foi assinado, já tinha essa posição. Aceitemos também que o quer realmente cumprir e que não está apenas à espera do melhor momento para mudar de posição. Aceitando as duas coisas e elogiando a sinceridade, só posso dizer uma coisa: esta posição é insustentável. Parece uma aposta dupla em que se ganha sempre mas, na realidade, é uma desistência que acabará numa derrota certa.
Uma coisa é um comentador ou um jornalista resumir assim a difícil posição em que o PS se colocou - refém do governo por vários anos. Outra, bem diferente, é o líder do PS aceitá-la e, perante ela, não fazer escolhas. Aceitando esta posição, os socialistas estão condenados a não fazer rigorosamente nada nos próximos anos. A esperar apenas uns disparates do governo - e como eles se sucedem -, mas a ficar calados em relação a todas as questões estratégicas. O PS não pode apoiar ativamente as decisões do governo decorrentes do memorando porque o seu líder discorda delas. O PS não se pode opor ativamente essas medidas porque assinou o documento. Resta-lhe a "abstenção violenta". Ou seja, resta-lhe surfar na espuma dos dias. E se isso, em tempos de acalmia, chegava, agora é o mesmo que nada. E tem um preço para todos nós: com o maior partido da oposição manietado, Passos Coelho fará tudo o que entender sem receio das consequências políticas. É isso mesmo que está a acontecer neste momento. O PS, esse, voltará para o governo quando o País já estiver em ruínas.
Por mais compreensível que seja a sua difícil situação (como estou simpático, hoje), o Partido Socialista tem de fazer uma escolha. Primeira opção: assume o memorando como responsabilidade sua e apoia sem reservas nem desabafos todas as medidas (e não mais do que elas) decorrentes do acordo que assinou. Será, com Passos Coelho, responsável por todas as consequências da austeridade que apoia. A segunda opção: tem uma liderança que corta, sem apelo nem agravo, com as decisões tomadas por José Sócrates. É legítimo. O próprio Passos Coelho representa, política e ideologicamente, um PSD sem qualquer ligação com os seus anteriores líderes. Este corte tem riscos para o PS: perda de confiança de parte do eleitorado e clivagens internas graves. Continuar a apoiar este desastroso memorando terá, como se vê pela desgraçada situação do PASOK grego, exatamente o mesmo resultado.
Resumindo: Seguro não pode continuar, num momento desta gravidade, em cima do muro a berrar violentos "nins". Porque perante a brutal clareza deste governo discursos confusos são iguais ao silêncio. A escolha que tem de fazer será sempre difícil e traumática. Mas quem herda erros cometidos em momentos decisivos da história de um País paga sempre um preço. Ou Seguro quer que o PS seja uma alternativa, e para isso tem de ter uma alternativa à austeridade, ou Seguro quer ser um parceiro do governo na austeridade. Se não quer nem uma coisa nem outra deve passar a pasta a quem saiba para onde ir.
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