O presidente da República escolheu este momento complexo da nossa vida em comum para se queixar publicamente de José Socrates, e isso não é aceitável.
Em primeiro lugar, porque Sócrates foi derrotado nas urnas e abandonou a cena política. Em segundo, porque detendo o mais alto cargo da nação não deveria queixarse de quem desempenha outro cargo político, mas uns degraus abaixo na hierarquia do Estado, e já não está na luta política para se poder defender da acusação.
Depois de termos tido a sensação de que Cavaco atrapalhava a vida a Sócrates com algumas boas razões, mas nem sempre com os métodos mais desportivos, as recentes intervenções do presidente da República dão a sensação de destinadas ao mesmo fim: o desgaste do Executivo. Podemos estar mesmo perante uma sofisticada evolução de Cavaco no sentido de reforçar a imagem de um presidente que, mais cedo ou mais tarde, acaba por meter na ordem o primeiro-ministro, por mais pintado que pareça. Um presidencialismo de influência e, em caso de rebeldia, de autoridade, é o que é.
No caso de Sócrates, pudemos compreender que no desgaste do segundo mandato de governação poderá ter merecido todas as críticas e mais uma, das abertas"às mais veladas, que foram apadrinhas a partir do Palácio de Belém e que alguma comunicação social aproveitou para autênticos assassinatos de carácter, na mira de acumular o maior capital de queixa passível de ser utilizado nas batalhas de mercado, envolvendo poderosos grupos económicos.
Aquilo que à época de Sócrates poderia ser entendido por muito boa gente como uma real insatisfação do presidente da República quanto às soluções governativas para o país, hoje soa a ajuste de contas e um dos mais velhacos confrontos políticos. Verdadeiramente impróprio da solenidade equidistante que devem revestir as intervenções do mais alto magistrado da nação.
Este tipo de intervenção meio-informal de Cavaco é uma ameaça para Passos, que por muito que permaneça em estado de graça enfrenta uma recessão, com queda do investimento e do consumo das famílias acima das previsões.
Num quadro tão grave, intervenções moralistas sem comprometimento nas soluções reais são altamente destruidoras. Mas já sabemos que Cavaco não resiste a essa tentação. Sendo o mais experiente dos nossos políticos, nada nele pode ser levado à conta de casuístico e muito menos de errático."
Cada vez que surja uma dúvida sobre os ditames da austeridade, como a de que não haverá cortes nos salários dos funcionários da Caixa, ANA e NAV, haverá sempre quem faça ecoar estas ou aquelas palavras presidenciais, escolhidas a preceito, sobre a justa repartição de sacrifícios. De preferência palavras singelas e sem contraditório...
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