Adrian Hamilton - The Independent, Londres – em Presseurop, com imagem de Nicolas Vadot
O novo tratado, assinado por 25 Estados-membros em Bruxelas, em 2 de março, abre supostamente uma nova era de responsabilidade fiscal e de união económica. Mas está mal cozinhado e reforça as credenciais não democráticas da UE, defende um colunista britânico.
O mais triste comentário proveniente esta semana da Europa foi feito por um alto funcionário de Bruxelas, que declarou que a crise da zona euro está agora em vias de encontrar uma solução, graças à intervenção do Banco Central Europeu, que vai injetar mais meio bilião de euros no sistema, através de empréstimos aos bancos.
Ah, sim? Com os irlandeses agora a realizar um referendo sobre o novo pacto orçamental acordado pelos membros da zona euro, com o Bundesbank a criticar abertamente o BCE pelas suas intervenções e com os mercados impassivelmente a recusar-se a acreditar na recuperação da Grécia ou nas garantias da dívida soberana, alguém realmente acredita que tudo ficou resolvido? Nas capitais da Europa, nomeadamente em Berlim e Paris, seguramente que não.
O problema da UE, neste momento, é ter-se tornado uma espécie de cão que não ladra: o único interesse das suas cimeiras não é o que decidem, mas que nunca decidem nada. Veja-se a mais recente, que começou ontem e deve terminar hoje. Devia servir para selar o novo pacto fiscal, que abriria uma nova era de responsabilidade fiscal e de união económica. Também se destinava a aumentar o limite máximo dos fundos de emergência para um nível capaz de convencer os mercados de que a zona euro veio para ficar, sólida, completa e eficaz.
É uma questão de "sobrevivência"
Em vez disso, a decisão sobre a dimensão do fundo de apoio foi adiada para mais tarde – este mês ou no próximo ou no outro a seguir, conforme calhar. Também estava previsto haver uma cimeira separada de dirigentes da zona euro, hoje, para pôr todo o sistema em marcha. Mas já não vai acontecer. "Não foi cancelada porque nunca foi oficialmente agendada", declarou um porta-voz, naquela forma esquiva típica de Bruxelas.
A decisão do tribunal irlandês de que o país teria de realizar um referendo certamente não veio ajudar. No mínimo, vai atrasar vários meses o processo, pelo menos em termos de conclusão definitiva (o pacto pode avançar sem a Irlanda). E levanta a possibilidade de despertar todas as dúvidas na opinião pública e o antagonismo em relação à forma como os dirigentes europeus têm conduzido a austeridade, como o único fim em si da política económica.
Mas a democracia é assim mesmo. O referendo na Irlanda vai correr bem, defendeu Dick Roche, ex-ministro irlandês para os Assuntos Europeus, na BBC, esta semana, porque é diferente do problemático Tratado de Lisboa. Nesse caso, tentava-se vender algo complexo e abstrato. Desta vez, o público entendeu que é uma questão de "sobrevivência".
BCE tem estado a conceder tempo à Europa
É precisamente esse o problema. As soluções, como o novo pacto, estão a ser impingidas aos cidadãos pelos dirigentes numa base de "não há alternativa". No entanto, existem alternativas. Podem passar por deixar a Grécia ir à bancarrota, mudar as regras do BCE para permitir que seja uma última instância de crédito, emitir obrigações europeias, permitir que o novo Mecanismo de Estabilidade Europeu atue em conjunto com o atual Fundo Europeu de Estabilidade Financeira em vez de o substituir, ou produzir um programa coordenado de relançamento económico à escala europeia.
Os problemas são evidentes. Os alemães não querem nada disso. Os franceses querem que os alemães assumam todo o odioso das decisões. Os britânicos querem ficar de lado a assistir. Portanto, ficamos com estas propostas atuais de um pacto mal cozinhado, sem dentes para convencer os mercados de que é muito eficaz, e que corre ainda o risco de tornar um sistema antidemocrático ainda menos democrático, retirando direitos às nações para controlar os seus próprios orçamentos. É uma curiosa ironia que o País de Gales e a Escócia vejam uma maior independência no controlo dos seus próprios impostos, enquanto a Europa caminha na direção oposta e tenta acabar com ele.
O BCE tem estado a conceder tempo à Europa, que devia ser usado para pensar nas questões fundamentais e não para fazer cimeiras só por fazer, que é o que se vê nos atos dos dirigentes europeus.
-----
Economia
“A crise alastra ao Norte da Europa Süddeutsche Zeitung estima que a cimeira em Bruxelas foi... dominada por ilusões. Em vez de falarem da gestão da crise, [os chefes de Estado] discutem a criação de emprego [e] a competitividade da economia europeia. Não é falso. Mas não passa de metade da verdade.
A crise está longe de estar resolvida, mas “é varrida para debaixo do tapete”, acrescenta o jornal. Ainda não se sabe ao certo se a Grécia receberá novas ajudas ou qual será a dimensão dos mecanismos de resgate – a decisão foi simplesmente adiada. Relativamente aos temas debatidos na cimeira, surge um outro problema: a Holanda, outrora defensora de uma rígida política orçamental, perde de tal forma poder económico que o Governo em Haia se vê obrigado a aplicar medidas de austeridade.”
A crise atinge a Europa do Norte. O centro da estabilidade económica é perturbado.”
Sem comentários:
Enviar um comentário