quinta-feira, 1 de março de 2012

ESQUIZOFRÉNICOS E BÁRBAROS



Ana Sá Lopes – i online, opinião

Atenção, gente. Passos Coelho pôs um dedo na ferida europeia: “A grande preocupação de hoje é que os cidadãos não pensem que estamos a ficar esquizofrénicos”, disse o nosso primeiro-ministro em Roma, depois de uma reunião com o italiano Mario Monti.

O facto de o primeiro-ministro ter começado a tomar consciência de que existe uma esquizofrenia europeia é menos mau. Afinal, na esquizofrenia como em qualquer outra doença, assumir a suspeita é um primeiro passo para tentar arranjar uma cura e mudar qualquer coisa. Sim, eles estão todos a ficar esquizofrénicos. Já não há disfarce para a doença. Até Passos Coelho, o bom aluno, deu por isso.

As conclusões do Conselho Europeu que hoje começa em Bruxelas (o texto foi divulgado ontem pelo “Financial Times”) são um excelente exemplo dessa esquizofrenia em formato press-release. Os chefes de Estado europeus, agora decididos a verbalizar a ficcional aposta no crescimento (dois anos depois de o terem travado às quatro rodas), anunciam que vão fazer crescer a Europa à maluca, inventarão empregos a rodos num futuro próximo e o futuro europeu é radioso.

Permanecem desconhecidas as fórmulas económicas que nos vão levar a esse paraíso, mas não é isso que trava aos dirigentes a verve discursiva: Durão Barroso anda a constituir umas curiosas equipas itinerantes, que vão investigar no terreno como se arranjam empregos em cada país, com a mesma capacidade de mudança, alicerçada na fé, que as católicas equipas de Nossa Senhora. Ontem, depois de uma reunião com o mártir Lucas Papademos, o primeiro-ministro grego, Durão Barroso jurou que este segundo plano de resgate à Grécia tem o foco no crescimento (!) e ninguém foi visto a rir-se.

Hoje o Conselho Europeu que vai aprovar um pacto orçamental para satisfazer o eleitorado alemão (o tal que já põe Merkel no topo das sondagens para as eleições de 2013) vai também “concluir” que “a União Europeia está a tomar todas as medidas necessárias para pôr a Europa no caminho do crescimento” e que isso exige “duas abordagens”, uma delas a corda na garganta exigida pela Alemanha. E, sem vergonha, o Conselho Europeu anunciará que a Europa vai “promover a inclusão social, em particular através da redução da pobreza”.

Há poucos dias, o chefe do Banco Central Europeu, Mario Draghi, disse ao “Wall Street Journal” que o modelo social europeu está morto (“is already gone”). Tem razão. Foi substituído pelo modelo social salva- -bancos, em que o BCE oferece dinheiro a juros mínimos à banca europeia, como voltou ontem a acontecer em larga escala. Há eurobonds para os bancos (bonzinhos), mas não há para os países frágeis (preguiçosos); o sistema bancário europeu não está morto, a coesão social europeia “is already gone”, como disse Mario Draghi. Isto não é esquizofrenia, é barbaridade. Depois de enterrado o Estado social europeu (os subsídios de desemprego, a educação e a saúde), o “europeísmo” pode ser alcandorado à categoria de mito moderno.

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