quinta-feira, 15 de março de 2012

Portugal: Deportação, mais do que o degredo, foi pena que escondeu muitas injustiças



JSD - Lusa

Cidade da Praia, 14 mar (Lusa) - A investigadora portuguesa Ana Cordeiro considera que a deportação, mais do que o degredo, "escondeu muitas injustiças" na História de Portugal, pois era decretada pelo poder segundo conveniências de época ou das fações que o lideravam.

Ana Cordeiro, diretora do Pólo do Mindelo do Centro Cultural Português (CCP), falava hoje à Agência Lusa após o colóquio sobre "Deportados Políticos e Colónias Penais em Cabo Verde", no qual apresentou o tema "Maçonaria, Degredo e Deportação em Cabo Verde no Século XIX".

A licenciada em Filosofia pela Universidade de Coimbra, e mestre em Estudos Literários, Culturais e Inter-artes, pela Universidade do Porto, admitiu, porém, que é "difícil" separar as palavras "deportação" e "degredo", até porque são sinónimos, embora haja uma ligeira diferenciação em termos jurídicos.

"Não sei quando surgiu a palavra deportação. A palavra degredo sempre existiu como pena no Direito português. O degredo só desapareceu do ordenamento jurídico português em 1954. Era uma pena aplicada pelos tribunais em determinadas situações", disse Ana Cordeiro, que reside em Cabo Verde há quase três décadas.

"A deportação é o nome dado a uma pena semelhante ao degredo, mas num regime militar. É por isso que os militares são condenados à deportação, expressão usada no Código Militar. Mas a deportação também aparece quando começam os movimentos anarquistas e republicanos, no final do século XIX, como medida cautelar, que permitia ao Governo prender pessoas que causavam problemas políticos e enviá-las, sem julgamento, para África ou para o Brasil", explicou.

Ana Cordeiro indicou que os primeiros degredados portugueses chegaram ao arquipélago ainda no século XVI, mas condenados por crimes de delito comum. Muitos deles enraizaram-se e por lá ficaram, gerando "grande impacto" no dia a dia local, onde a população era, então, muito reduzida e pouco instruída.

No final do século XVIII começa a surgir a figura de "degredado político", altura em que Cabo Verde recebe os deportados da Inconfidência Mineira, no Brasil - tentativa de revolta de natureza separatista abortada pela Coroa portuguesa em 1789 -, e os maçónicos perseguidos por Pina Manique, que foi intendente geral da Polícia portuguesa até 1803, orientando a sua ação para a repressão de ideias provenientes da Revolução Francesa.

Já no século XIX, como reflexo das lutas entre absolutistas e liberais (1828/34), vão-se alternando entre uns e outros, consoante as vitórias de cada grupo, seguindo-se uma certa acalmia política, na sequência da Regeneração, iniciada em 1851, com base nos ideais liberais.

"No final do século XIX, surgem as movimentações dos republicanos contra a monarquia, que, em Cabo Verde, se reflete em revoltas em Santo Antão e no renascer das lojas maçónicas. Aí consegue-se perceber a relação entre as lutas políticas em Portugal e a vinda dos degredados e também a luta política em Cabo Verde", explicou.

Após nova acalmia, é com a ditadura, já em 1931, na sequência da revolta da Madeira, que Cabo Verde recebe uma leva de - agora sim -, deportados políticos (200), que vão, numa primeira fase, para o Tarrafal de São Nicolau (1931-36) e, depois, para o Tarrafal de Santiago (1936-54), por onde viriam a passar 340 antifascistas.

"Por isso, a deportação, mais do que o degredo, foi uma pena que escondeu muitas injustiças, porque não eram os tribunais que a decretavam mas sim as autoridades, as administrações, de acordo com as conveniências de então e com as fações que estavam no poder", concluiu Ana Cordeiro.

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