Flávio Aguiar, Berlim – Opera Mundi
Conflito no Mali é decorrência da Guerra da Líbia; Ocidente não sabe quem apoiar
Quem não se lembra dos tuaregues? Os da minha geração lembram. Eles estavam no filme Beau Geste (1939), direção de William Wyler, com Gary Cooper, Ray Milland, Susan Hayward, Robert Preston e grande elenco. Neste filme, que, na verdade, foi filmado não no Saara, mas nas dunas do sul da Califórnia, os tuaregues, cavalgando loucamente como índios norte-americanos (os da tribo de Hollywood), tentavam tomar o forte de Zinderneuf, sem resultado. Gary Cooper, Ray Milland e os demais resistiam bravamente até o último homem, mas sem entregar o forte. Só Ray Milland sobrava, para voltar melancólica, mas gloriosamente, para casar com Susan Hayward, que ficara o tempo todo à sua espera, tocando piano no salão de Brandon Abbas, na Inglaterra.
Pois agora os tuaregues saíram a fazer estripulias novamente, mas não nas telas de cinema, nem no sul da Califórnia, mas no Saara mesmo. Nem cavalgam loucamente, mas agem com método e determinação. Já dominam dois terços do território da República do Mali, onde recentemente houve um golpe de Estado na capital, Bamako.
Uma revolta de soldados no quartel de Kati, a 10 quilômetros do palácio presidencial, evoluiu em derrubada do governo. O capitão Amadou Sanogo assumiu a liderança da revolta e o controle do Executivo. O presidente constitucional, Amadou Toumani Touré, está na clandestinidade. Os países vizinhos, do Oeste Africano, exigem que o novo governo – que parece não saber muito bem o que fazer – devolva o poder aos civis. O capitão subitamente promovido a presidente até o momento só fez ganhar tempo: prometeu eleições, mas não mencionou prazo. Diz querer de volta a Constituição de 1992 – o que é uma contradição, pois por ela o presidente legal e legítimo é o deposto.
O golpe parece ser decorrência da atuação dos tuaregues, reunidos sob um Movimento Nacional de Libertação do Azawad – nome da região habitada por suas tribos. Essa região transborda o Mali, se espraiando pela Argélia, Líbia e Mauritânia, onde vivem os quase seis milhões de tuaregues que reivindicam um país para si. Ainda não está claro se eles pretendem proclamar a independência do território que já dominam, dois terços do Mali, ao norte, ou se pretendem avançar para a capital e derrubar o(s) governo(s).
O Mali é um dos países mais pobres da África. Seu exército, de sete mil homens, também é pobre, e essa parece ser uma das razões da revolta. Em parte o que está acontecendo no Mali é uma consequência da guerra da Líbia. Os tuaregues eram, em grande parte, aliados de Muamar Kadafi. Depois da queda e assassinato do líder líbio, muitos decidiram deixar a Líbia, temendo represálias por parte do novo governo ou parte de outros segmentos da população. Levaram consigo suas armas. Acostumados a viver e a lutar no deserto, onde já protagonizaram várias revoltas, passaram a superar o exército em poder de fogo, mobilidade e capacidade militar.
Desde então ocuparam as principais cidades da região: Gao, Kidal e a legendária Timbuctu, a 700 quilômetros da capital.
Por ora as potências ocidentais – a França, em particular, que se envolveu na guerra civil da vizinha Costa do Marfim, derrubando o governo e pondo um de seu agrado na capital, e vive delicado momento eleitoral – não sabem ainda o que fazer. Certamente não vão apoiar os tuaregues; ao mesmo tempo, não podem apoiar do governo “revolucionário” do capitão revoltado; também não se sabe ainda sua avaliação do governo deposto, tido como fraco para liderar suas próprias tropas e enfrentar o inimigo tuaregue ao norte.
De momento, a situação é a de um beco com muitas entradas e nenhuma saída. Uma situação nada incomum nesta África cuja preocupação pelas potências internacionais está em andamento, tanto na prática quanto nos mapas de planejamento.
Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior em Berlim. Texto publicado originalmente em Carta Maior.
Pois agora os tuaregues saíram a fazer estripulias novamente, mas não nas telas de cinema, nem no sul da Califórnia, mas no Saara mesmo. Nem cavalgam loucamente, mas agem com método e determinação. Já dominam dois terços do território da República do Mali, onde recentemente houve um golpe de Estado na capital, Bamako.
Uma revolta de soldados no quartel de Kati, a 10 quilômetros do palácio presidencial, evoluiu em derrubada do governo. O capitão Amadou Sanogo assumiu a liderança da revolta e o controle do Executivo. O presidente constitucional, Amadou Toumani Touré, está na clandestinidade. Os países vizinhos, do Oeste Africano, exigem que o novo governo – que parece não saber muito bem o que fazer – devolva o poder aos civis. O capitão subitamente promovido a presidente até o momento só fez ganhar tempo: prometeu eleições, mas não mencionou prazo. Diz querer de volta a Constituição de 1992 – o que é uma contradição, pois por ela o presidente legal e legítimo é o deposto.
O golpe parece ser decorrência da atuação dos tuaregues, reunidos sob um Movimento Nacional de Libertação do Azawad – nome da região habitada por suas tribos. Essa região transborda o Mali, se espraiando pela Argélia, Líbia e Mauritânia, onde vivem os quase seis milhões de tuaregues que reivindicam um país para si. Ainda não está claro se eles pretendem proclamar a independência do território que já dominam, dois terços do Mali, ao norte, ou se pretendem avançar para a capital e derrubar o(s) governo(s).
O Mali é um dos países mais pobres da África. Seu exército, de sete mil homens, também é pobre, e essa parece ser uma das razões da revolta. Em parte o que está acontecendo no Mali é uma consequência da guerra da Líbia. Os tuaregues eram, em grande parte, aliados de Muamar Kadafi. Depois da queda e assassinato do líder líbio, muitos decidiram deixar a Líbia, temendo represálias por parte do novo governo ou parte de outros segmentos da população. Levaram consigo suas armas. Acostumados a viver e a lutar no deserto, onde já protagonizaram várias revoltas, passaram a superar o exército em poder de fogo, mobilidade e capacidade militar.
Desde então ocuparam as principais cidades da região: Gao, Kidal e a legendária Timbuctu, a 700 quilômetros da capital.
Por ora as potências ocidentais – a França, em particular, que se envolveu na guerra civil da vizinha Costa do Marfim, derrubando o governo e pondo um de seu agrado na capital, e vive delicado momento eleitoral – não sabem ainda o que fazer. Certamente não vão apoiar os tuaregues; ao mesmo tempo, não podem apoiar do governo “revolucionário” do capitão revoltado; também não se sabe ainda sua avaliação do governo deposto, tido como fraco para liderar suas próprias tropas e enfrentar o inimigo tuaregue ao norte.
De momento, a situação é a de um beco com muitas entradas e nenhuma saída. Uma situação nada incomum nesta África cuja preocupação pelas potências internacionais está em andamento, tanto na prática quanto nos mapas de planejamento.
Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior em Berlim. Texto publicado originalmente em Carta Maior.
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