sábado, 14 de abril de 2012

Estado moçambicano pode ser "cúmplice" por permitir práticas culturais...



... que violam direitos da criança - estudo

MMT - Lusa

Maputo, 14 abr (Lusa) - O Estado moçambicano pode tornar-se "cúmplice" na violação dos direitos da criança ao permitir que práticas culturais, como o casamento prematuro, "socialmente legitimadas", sejam "silenciadas pelo sistema de administração da justiça", indica um estudo publicado em Maputo.

O alerta foi lançado pela académica moçambicana Conceição Osório, autora de um estudo sobre a violação sexual de menores em Maputo, publicado na sexta-feira e que denuncia "situações excecionais" de condenação de atos de violação dos direitos das crianças em Moçambique.

"Enfrentamos uma contínua violação dos direitos da criança, devido a práticas culturalmente aceites, como o casamento prematuro e a promessa de casamento. Esta cumplicidade com a violação de direitos não é apenas socialmente legitimada, mas continuamente silenciada pelo sistema de administração da justiça, onde, à revelia da legislação nacional, regional e internacional ratificada por Moçambique, apenas em situações excecionais se assiste à sua penalização", lê-se no livro.

A publicação, editada pela organização não governamental Women and Law in Southern Africa Research and Education Trust (WLSA), resulta de um estudo feito na cidade de Maputo, capital moçambicana.

A obra analisa a violação como uma dimensão da violência sexual no quadro das relações de poder, que tem a ver com a idade e relações de género, bem como as políticas públicas e a legislação de proteção de menores em vigor em Moçambique.

"Se tivermos ainda em conta a moldura do atual Código Penal, que apenas considera a violação sexual como crime público quando cometida contra crianças menores de 12 anos, fica evidente a ausência de um padrão que define claramente os conceitos de criança e de menor de idade, criando assim oportunidade para o incumprimento da lei, tanto por parte das famílias e das comunidades como das instâncias policiais e da justiça, responsáveis pela sua aplicação", refere a pesquisa.

De acordo com a autora da obra, "a indefinição de conceitos permite interferências culturais na tomada de decisão e no enquadramento legal do crime de violação sexual e pode conduzir à diluição destes casos no conceito alargado de abuso".

No livro, Conceição Osório critica o tratamento diferenciado da problemática da violação sexual com base na "construção das identidades de género".

"Podendo a violação sexual ocorrer tanto com raparigas como com rapazes, fica claro pelos estudos realizados que no caso das meninas estamos perante a naturalização da violência sexual intimimamente relacionada com a construção das identidades de género", frisa o estudo.

A pesquisadora afirma que não se pode deixar de se considerar violência sexual no contexto da violência de género "quando se aceita que os ritos de iniciação sejam uma prática cultural a preservar e, com eles, por exemplo, a naturalização dos casamentos prematuros um elemento estruturante da ordem do género".

Para a estudiosa, "isto não retira nem a importância nem a gravidade à violação sexual dos rapazes. O que fica claro é que esta, embora deva também ser observada no quadro das relações de poder, aparece, contudo, de forma visível como uma ação contranatura, ao contrário do que acontece com as meninas".

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