sábado, 14 de abril de 2012

Golpe em Bissau agita corredores diplomáticos de Lisboa a Nova Iorque




Carlos Santos Neves - RTP – Foto Fernando Peixeiro - EPA

Foi “nos mais fortes termos possíveis” que Ban Ki-moon, secretário-geral das Nações Unidas, condenou o golpe de Estado em curso na Guiné-Bissau, já depois de o Conselho de Segurança ter exigido a libertação dos líderes políticos cativos dos militares e o retorno do país à “ordem constitucional”. As movimentações diplomáticas estão a conhecer hoje mais um capítulo com uma reunião ministerial da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) em Lisboa, presidida pelo ministro angolano das Relações Exteriores. Confrontado com as acusações de ingerência apontadas a Luanda pelos golpistas, Georges Chicoti negou que haja planos de “ataque”.

O secretário-geral da ONU “condena nos mais fortes termos possíveis a tomada inconstitucional do poder pelas Forças Armadas da Guiné-Bissau”. Ban Ki-moon reagiu assim às manobras militares em marcha desde a noite de quinta-feira na capital guineense.

Horas antes, já os 15 membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas haviam feito a exigência da libertação do Presidente interino e do primeiro-ministro daquele país africano e de um “imediato restauro da ordem constitucional e do Governo legítimo, para permitir a conclusão do processo eleitoral em curso, incluindo eleições legislativas”.

Na declaração difundida a partir de Nova Iorque, Ban Ki-moon manifestou-se também “extremamente preocupado com a relatada detenção de responsáveis políticos chave”, apelando às forças militares guineenses para que os devolvam à liberdade “imediata e incondicionalmente”.

Depois de assinalar o facto de o golpe ter travado o início da campanha para a segunda volta das eleições presidenciais, previstas para 29 de abril, Ban Ki-moon enfatizou “a necessidade de as Forças Armadas e da sua liderança respeitarem a autoridade civil, ordem constitucional e Estado de Direito, bem como de darem passos urgentes e imediatos para restaurar a ordem civil no país”.

Exortou ainda a população guineense a “manter a calma, abster-se de atos de violência e vandalismo”.

As movimentações de tropas em Bissau tiveram igualmente eco na Administração norte-americana. Através do porta-voz Jay Carney, a Casa Branca repudiou “fortemente as ações de alguns militares da Guiné-Bissau para retirarem o poder da liderança civil do país”.

À semelhança das fórmulas empregues na ONU, o porta-voz do gabinete de Barack Obama sublinhou que os Estados Unidos “apelam à restauração imediata do Governo legítimo”.

Líderes cativos

O som de disparos de armas pesadas começou a ser ouvido nas ruas de Bissau ao início da noite de quinta-feira. Grupos de militares atacaram a residência do primeiro-ministro e candidato presidencial Carlos Gomes Júnior e ocuparam diferentes pontos estratégicos por toda a capital guineense, incluindo as instalações de emissoras de rádio e da televisão pública do país. Gomes Júnior e o Presidente interino, Raimundo Pereira, estão agora cativos dos militares. Tal como o Chefe das Forças Armadas da Guiné-Bissau – a detenção de António Indjai foi anunciada ontem à noite pelo autodenominado Comando Militar que reivindicou o golpe.

Em comunicado, desta feita com uma chancela do Estado Maior General das Forças Armadas guineenses, os golpistas garantiram que todos os responsáveis detidos se encontram “sãos, salvos e seguros nos lugares em que se encontram sob vigilância”. Informação que foi corroborada pelo tenente-coronel Dabana na Walna, identificado como porta-voz das Forças Armadas, em declarações aos jornalistas após um encontro entre forças políticas guineenses e elementos do Comando Militar.

Os militares estiveram ontem reunidos com representantes dos partidos no Clube do Exército, em Bissau, para esclarecerem os motivos por detrás da ação armada. Em declarações citadas pela Lusa, Agnello Regalla, líder da União para a Mudança, um partido sem representação parlamentar, adiantou que o Comando Militar admitiu ter produzido uma “alteração da ordem constitucional”: “Mas disseram que não estão interessados minimamente em manter o poder e por isso convocaram a classe política para esclarecer as razões e os motivos que estiveram na origem deste levantamento”.

O Comando terá sugerido, ainda segundo Agnello Regalla, a eventual formação de um governo de unidade nacional, ou de transição. “Foi uma ideia avançada pelos militares até às eleições legislativas e presidenciais. Novas eleições presidenciais, neste caso”, indicou a mesma fonte, que remeteu para este sábado uma reunião no Parlamento “para apresentar um esboço aos militares”.

“Intervenção de Angola”

Ao reivindicar, na forma de um comunicado, a intervenção armada nas ruas da capital guineense, o Comando Militar justificou as suas ações com a necessidade de defender as Forças Armadas contra uma alegada agressão externa que seria encabeçada por Angola, a coberto da União Africana. A acusação assenta num “documento secreto” em que o Governo da Guiné-Bissau daria luz verde a uma ofensiva das tropas angolanas.

"O Comando Militar está na posse de um documento secreto visando legitimar a intervenção de Angola, através de um mandato do Conselho de Segurança e Paz da União Africana. Esse documento redigido por juristas é assinado pelo primeiro-ministro, Carlos Gomes Júnior, e pelo Presidente interino, Raimundo Pereira”, referia a primeira nota dos militares golpistas, ontem difundida pela Lusa.

“O Comando não ambiciona o poder, mas foi forçado a agir desta forma para se defender das investidas diplomáticas do Governo guineense, que visa aniquilar as Forças Armadas da Guiné-Bissau através de forças estrangeiras”, acrescentava o documento, posteriormente reproduzido na Rádio Nacional da Guiné-Bissau.

Em Lisboa, o ministro das Relações Exteriores de Angola rebateu as acusações do Comando Militar, garantindo que as tropas do seu país não estavam a preparar qualquer tipo de intervenção armada.

“Naturalmente que não iríamos fazer um ataque aos militares guineenses com o número que nós temos lá. Mas eles têm que saber que não é aceitável o que eles estão a fazer. Portanto, eles não podem transformar os seus interesses políticos, ou outros que são citados por outros líderes políticos, transformar isso num problema entre Angola e eles”, frisou à RTP Georges Chicoti.

“Angola é um país construtivo. Nós vamos participar nos esforços coletivos da comunidade internacional, da CPLP, da União Africana, para que se reponha a legalidade e também para que, de facto, a Guiné-Bissau possa agora evoluir num contexto de paz”, concluiu o governante angolano.

Sem comentários:

Mais lidas da semana