domingo, 15 de abril de 2012

A GUINÉ BISSAU E O GOLPE DE ESTADO ANUNCIADO




Filomeno Manaças – Jornal de Angola, em A Palavra ao Diretor

O que se sabia e estava anunciado acabou por ser consumado na Guiné-Bissau, com os militares a intervirem mais uma vez em assuntos de política interna do país ao protagonizarem o golpe de Estado que estava na forja.

Um golpe de Estado preparado para interromper o processo democrático e atender claramente aos interesses da hierarquia militar e dos candidatos derrotados na primeira volta das eleições presidenciais realizadas no país, com Kumba Ialá profundamente comprometido em todo o enredo.

As alegações avançadas pelo porta-voz do comando militar que tomou o poder em Bissau para justificar o golpe pouco mais passam disso. Daba Na Walna disse à imprensa que o golpe surge na sequência de um “mal-estar” que se instalou no país com “a chegada dos primeiros armamentos da MISSANG e posterior denúncia da preparação de um complot”. Mas o porta-voz esqueceu-se de dizer que a MISSANG foi fruto de um acordo entre dois Governos de dois Estados soberanos aos quais os Exércitos dos dois países devem obediência.

O histórico das ocorrências militares na Guiné-Bissau fez da MISSANG uma missão de risco que não era possível a qualquer Exército levar avante sem que as precauções adequadas fossem asseguradas.

A retirada por parte de Angola e de modo unilateral da MISSANG da Guiné-Bissau torna em absoluto infundados quaisquer argumentos, já que deixou de existir a razão do alegado “mal-estar”.

Além de vir confirmar a necessidade de uma reforma profunda do sector da segurança e defesa da Guiné-Bissau, o golpe prova que a presença dos efectivos militares angolanos na MISSANG era um factor de dissuasão, inibidor das incursões militares no terreno da política interna, terreno esse que deve ser deixado ao exercício exclusivo da actividade por parte das formações políticas e seus actores.

No meio de todo este cenário, a prisão noticiada de António Indjai vem tornar aparentemente intrincado o panorama do golpe. E só mesmo aparentemente, já que foi visto a andar a civil entre os militares golpistas e só depois de consumada a acção foi dada nota da sua detenção. Na realidade, essa prisão está a ser vista como um autêntico “bluff”, com a intenção de dar a entender que está desligado do movimento militar. Trata-se, a prisão, de um expediente a que se fez recurso face à pronta e imediata reacção da comunidade internacional de condenação da insubordinação militar e de forte chamada de atenção caso ocorra qualquer atentado à integridade física das entidades políticas que se encontram sob custódia das forças golpistas.

A condenação do golpe de Estado pela comunidade internacional não podia ter sido mais inequívoca. O Conselho de Segurança das Nações Unidas exigiu a libertação imediata do Presidente interino, Raimundo Pereira, e do candidato presidencial Carlos Gomes Júnior, ao passo que a CPLP não poupou os termos mais duros para verberar a acção dos militares, enquanto a CEDEAO tratou de considerar como um desafio à instituição o arrojo da hierarquia militar da Guiné-Bissau.

As reacções em cadeia têm o condão de sublinhar que desta vez a comunidade internacional não está disposta a deixar impune a incursão dos militares guineenses na vida política. A possibilidade de responsabilização junto do Tribunal Penal Internacional dos envolvidos no golpe, hipótese avançada pela CPLP, além de apropriada, surge como um passo na direcção certa para levar à Guiné-Bissau o ambiente de estabilidade que precisa para garantir que a normalidade constitucional e democrática não seja constantemente perturbada.

Qualquer que seja a estrutura governativa que os militares venham a montar, está irremediavelmente votada ao fracasso. A falta de legitimidade democrática vai condicionar todos os passos e o bloqueio político, económico e financeiro não deixa às forças castrenses da Guiné-Bissau outra alternativa senão o regresso ao “status quo ante”. Ou seja, se o objectivo do golpe, como de resto é evidente, visa alterar a situação de tal sorte que um dos candidatos derrotados venha a sair beneficiado, é líquido que a Guiné-Bissau se arrisca às mais duras sanções da comunidade internacional e nenhum Governo apadrinhado pelos militares pode ter a veleidade de ser tido como interlocutor válido. Kumba Ialá bem pode arriscar-se a ser um Presidente que não vai ser recebido em nenhuma capital da CPLP e mesmo africana.

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