Fernanda Câncio – Diário de Notícias, opinião
Foi a 1 de abril, é certo. Em campanha, abordado por jovens que o questionaram sobre se era sua intenção cortar o 13.º mês, Passos respondeu: "Total disparate." Dois meses depois, anunciava o corte de meio subsídio de Natal a todos os que auferissem mais de mil euros. Fê-lo alegando a existência de um desvio (o "colossal") na execução orçamental do Governo anterior, desvio que a Unidade Técnica de Apoio Orçamental garante inexistir.
Isto para o ano passado. Para este, anunciava, a 13 de outubro, o corte dos subsídios de natal e de férias para pensionistas e sector público, vincando tratar-se de uma "medida temporária" que "vigorará apenas durante a vigência do programa de ajuda económica e financeira". Em todas as notícias, os cortes surgiam para o período de dois anos - 2012 e 2013. Não só não houve desmentido como a 17 de outubro o ministro das finanças reiterava na RTP: "O corte é temporário, durante a vigência do programa de ajustamento, e esse período acaba em 2013." O mesmo fez a secretária de Estado do Tesouro a 15 de novembro: "Os cortes dos subsídios de férias e natal são uma medida temporária para os próximos dois anos. As medidas são temporárias para 2012 e 2013, foi isso que foi dito." Nenhuma dúvida, pois: o discurso oficial do Governo foi, até há dois dias, de que os cortes tinham a duração de dois anos.
Claro que muita gente, entre a qual me incluo, há muito tem a certeza de que o que Governo quer mesmo é acabar com os 13.º e 14.º meses, e não apenas para a administração pública: para toda a gente. Faz parte da sua ideia de que um país mais rico se obtém empobrecendo a generalidade da população, "baixando o valor do trabalho" (está-se a ver). Daí que tantas vezes tenhamos ouvido os seus membros referirem-se aos cortes como "reforma" ou "medida" "estrutural". Daí que sempre que questionados sobre o momento exato da reposição do que esbulharam tergiversem (sendo a última versão da patranha, mais uma vez reproduzida por todos os media como facto, que "será a partir de 2015" e que os subsídios "poderão ser diluídos nos salários de 12 meses").
A indiscrição de um amanuense troikano veio expor, sem apelo nem agravo, o que tantos de nós - senão todos - já sabíamos: o Governo mentiu, e continua a mentir. Sobre os subsídios, sobre o fim da austeridade, sobre a sua verdadeira estratégia (valha a JSD, que ao proclamar estar em luta contra "os direitos adquiridos" diz tudo como os malucos). O Governo que foi eleito como apóstolo da verdade e das boas contas, que vinha aplicar a austeridade às "gorduras do Estado" e não às pessoas, é todo o contrário disso. É o que com particular felicidade um deputado do PSD resumiu, dizendo sobre o ministro Gaspar que este, "com toda a honestidade e transparência, assumiu o seu lapso": uma contradição em termos, aliada a uma prodigiosa desvergonha. Agora que está tão claro, resta saber se vamos continuar a assistir, tranquilos, a esta revolução.
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