Martinho Júnior, Luanda
1 – O “arco de crise” (veja-se por exemplo “O arco de crise em direcção a África”) penetrou em África e, a partir dos contornos específicos de conflitos que levaram à guerra no Sudão e na Líbia, acabou por atingir a África do Oeste, presa em armadilhas muito similares.
Países como o Mali e as Guinés (a de Bissau e a de Conacry), são expoentes desse “arco de crise”, que tem como fulcro as disputas sobre o petróleo e outras riquezas minerais (na caso das Guinés a exploração da bauxite), o que leva a ingerências e manipulações de todo o tipo, agenciando as elites nacionais e, em alguns casos, provocando o redesenhar do mapa de África.
O petróleo e as riquezas minerais, estão a fazer desencadear um conjunto cada vez mais alargado de processos marcados por clivagens e assimetrias acentuadas, por vezes derivando para conflitos sangrentos, que se reflectem na vida de todas as nações da vasta parte de África a norte do Equador, sobretudo a região que se estende ao longo da mancha que integra o Sahara e o Sahel, desde o Sudão, no leste, à Mauritânia no oeste, comprimindo as nações situadas mais a sul, Nigéria incluída.
Os interesses em jogo atraem ainda outros, provenientes de outras “plataformas” agenciadas pelo capitalismo neo liberal com predominância de capital especulativo, entre eles a “plataforma” de Angola, num papel “emergente” aliás que lhe é profundamente contraditório, pois poderá, mais cedo ou mais tarde, acarretar graves problemas na garantia da sua própria identidade e soberania nacional!
As manipulações evidenciam que por via étnica e por via religiosa, em função desses interesses em jogo, os mapas nacionais de África tendem a “dissolver-se”, fazendo proliferar outras identidades nacionais!
2 – Pouco mais de um século depois da colonial Conferência de Berlim, uma nova “Conferência de Berlim” não declarada, mas com os conceitos implícitos da hegemonia do império, provoca no início do século XXI o redesenhar dos mapas neo coloniais:
a ) No Sudão os conflitos não param e estendem-se ao Darfur, ao Nilo Azul, a Abyei e aos embates na fronteira comum Sudão – Sudão do Sul, a fronteira onde se encontram as principais explorações petrolíferas desse país que já foi o maior (em área) do continente; o mapa da implosão não está definitivamente finalizado (“Borderbattles treaten the new sudans”);
b ) Na Líbia, o espaço nacional do país está a ser dilacerado por todo o tipo de sectarismos de ordem étnica, religiosa e política, pelo que as tendências islâmicas radicais têm ali um excelente campo de manobra; enquanto os líbios se combatem uns aos outros, os consórcios petrolíferos ocidentais têm oportunidade para sacar o máximo das capacidades instaladas no tempo de Kadafi (Los choques permanentes entre milícias tribales se estienden a noroeste líbio);
c ) Na Nigéria, existe uma cada vez mais frágil Federação, que possui no correspondente território nacional a maior concentração populacional de África; cada vez mais se assiste a conflitos entre muçulmanos (a norte) e cristãos (a sul), reeditando um dos eixos das tensões existentes no Sudão (Boko Haram – Wikipedia);
d ) Na Costa do Marfim, ocorrem as tensões entre o norte (onde as migrações muçulmanas provenientes de outros países da África do Oeste dominam) e o sul, (as comunidades autóctones são predominantemente cristãs); as tensões têm levado a conflitos sangrentos que se reflectem na evolução da situação político-social do país, incluindo nas estruturas do poder (“Second Ivorian civil war”);
e ) Nos conflitos internos na Guiné Bissau, esbatem-se o mesmo tipo de manipulações, neste caso tendo como esteio a exploração de bauxite; não havendo território vasto as tensões agravam-se nos sectores políticos e militares (“Estado maior General das Forças Armadas nunca pediu o abandono da MISSANG na Guiné-Bissau, esclarece seu Porta-voz”);
f ) No Mali (oeste do território Azawad) por fim, em função do início da prospecção e exploração de petróleo e gás na rica bacia de Taoudeni, tal como na existência do urânio a leste desse território Azawad! (“Empresa angolana prospeta petróleo no norte doMali”).
3 – A bacia de Taoudeni abrange sobretudo áreas que se situam no imenso leste da Mauritânia (já com algumas explorações activas) e a metade ocidental da região norte do Mali, um território onde precisamente os tuaregues proclamaram há dias a independência Azawad!
Na Mauritânia é a Texaco e a Agip que são dominantes de há 40 anos a esta parte: as duas chegaram à Mauritânia em 1970!
Os resultados da exploração não foram até hoje significativos no leste da Mauritânia e é por isso que a febre do petróleo e do gás é tão importante no Mali: “talvez aí haja em muito maior abundância que na Mauritânia!”
O governo do deposto Presidente Amadou Toumani Touré, expoente das novas elites malianas agenciadas pela presente globalização, concedeu pouca importância às geo estratégias humanas e sócio-políticas correntes no que diz respeito aos impactos nacionais, conforme evidenciei em “Azawas – A areia e a fúria – II”, lembro:
“ - Foi incapaz de avaliar as repercussões no seu território dos riscos provocados pela rebelião dos tuaregues, em função da evolução das transformações na Líbia: se antes eram riscos de “relativamente baixa intensidade”, o acesso a arsenais militares importantes e as recentes experiências em combate permitia-lhes uma organização e um potencial que nunca antes haviam conseguido (“La crisis líbia impulsionala ofensiva tuareg contra el Gobierno de Mali”);
- Esqueceu compromissos antigos com os tuaregues, tornando-se displicente em relação às próprias Forças Armadas, conforme se pode constatr numa análise bastante fundamentada (“The causes of the uprising in Northern Mali”);
- Foi incapaz de reforçar a tempo e horas o poderio militar das suas guarnições a norte, ao nível das ameaças que se incrementaram a partir sobretudo da segunda metade de 2011 e quando o fez limitou-se ao esforço militar sem fazer uso de outras medidas (“Caos no Sahara”);
- Não se preveniu, por influência das políticas neo liberais que consomem o continente, do facto das forças militares do Mali reagirem com um golpe militar em Bamako, em função da derrota militar do Exército do Mali no norte (Kidal, Gao e Tombuctu), apesar do Presidente ser um militar; neste aspecto veja-se quão irrisória foi a “ajuda” norte americana, feita por via da sua Embaixada em Bamako EM Outubro de 2009 e à margem do AFRICOM ( “U.S. Government Provides Equipment to MalianArmy”).
Os aliados do governo do Mali, Estados Unidos e França incluídos, poderiam previamente informar o Presidente Amadou Toumani Touré dos movimentos hostis que os tuaregues faziam no Sahara / Sahel, mas como a sua pretensão no quadro das políticas neo liberais é cada vez mais enfraquecer os africanos à custa de regionalismos e divisões, redesenhando assim o mapa do continente, preferiram aguardar a evolução dos acontecimentos, até por que desse modo obtinham acrescidas garantias de aumento de capacidades nas suas ingerências e manipulações em todos as dinâmicas do seu relacionamento: político, económico, financeiro, social, militar e de inteligência, conforme aliás ao carácter das estruturas, no caso norte americano, do AFRICOM”.
4 – O Governo do Presidente Amadou Toumani Touré, desatento em tantas coisas, esteve contudo muito atento às potencialidades do petróleo e do gás na parte maliana da bacia Taoudeni (cerca de 1.500.000 km2 entre Mauritânia e Mali), situada, no que diz respeito ao Mali, precisamente na parte ocidental do território onde os tuaregues proclamaram a independência Azawad, cometendo um erro (aparentemente) fatal, pois não se lembrou da Total francesa (a não perder – “Les raison française de la déstabilisation du Mali”):
- Dividiu ordeiramente o espaço em 29 blocos;
- Entregou à ENI (italiana), à Baraka Petroleun (australiana), à Sipex (argelina) e à Enageo (filial da argelina Sonatrach) as sondagens sísmicas dos blocos 1, 2, 3, 4 e 9;
- Recebeu 70 milhões de Euros da Petro Plus Angola Limited, a fim de esta poder fazer a promoção da pesquisa de petróleo, exploração, transporte e refinação de hidrocarburetos líquidos ou gasosos, nos blocos 1A e 1B (“Le Mali cherche àdévelopper ses reserves pétrolières”)!
5 – Ao privilegiar da forma menos avisada a “diplomacia económica” (um conceito cultivado pelos mensageiros da NATO presentes em Luanda à sombra da “democracia representativa” à angolana), Angola está a ser atraída para o perigoso jogo do redesenhar neo colonial das fronteiras africanas, esquecendo de certo modo os traumas de sua própria história em função das acções de regimes como do “apartheid” e de Mobutu, com uma sequela que em vida se chamou Savimbi e sem se acautelar em relação ao seu próprio futuro, tendo em conta as questões para muitos interesses pendentes, quer no que toca a Cabinda, quer ao leste!
O governo angolano, na atracção que o petróleo e outras riquezas minerais tutelados pela hegemonia do império lhe está a fazer, segue reactivamente duas vias que determinam o seu papel de “correia de transmissão” de acordo com a aristocracia financeira mundial de feição anglo-saxónica (que inclui entre outras as vocações do quadro Bilderberg):
- Por vezes, primeiro lança iniciativas que se interligam aos expedientes da globalização, para depois fazer seguir os interesses agora tornados fulcrais do estado ao serviço da globalização e das novas elites nacionais (casos do Mali e das Guinés);
- Outras vezes “espera o convite” desses interesses, como está a acontecer com o Sudão do Sul (“Rubricado Processo Verbal de Cooperação”).
Em qualquer dos casos o estado angolano está a seguir uma trilha que em África acarreta muitos riscos para si, tal como acarretou já para o humilhado Presidente maliano Amadou Toumani Touré (veja-se ainda “Sarkozy ressuscita o pré carré com novas tendências”):
- Hiper-valoriza os relacionamentos com as multinacionais anglo-saxónicas (Chevron, Exxon e Mobil), a coberto dos relcionamentos pródigos para com os Estados Unidos;
- Sub-valoriza o papel da Total, por evidente tensão constante com a França.
Essa conduta marca, no que diz respeito aos relacionamentos bilaterais, as relações estratégicas Angola – Estados Unidos (“Memorandum of Understanding Signing CeremonyEstablishing the U.S.-Angola Strategic Partnership Dialogue”) por um lado e por outro, a tensão contínua entre Angola e a França, apesar da tentativa de “desanuviamento” por parte de Sarkozy (“Sarkozy in Luanda torepair relations”), que teve um apogeu mais visível nos contenciosos recentes (recorde-se o caso Falcone) incluindo os que se implicaram nas disputas do poder na Costa do Marfim, mas que poderá vir a ter outros (futuros) apogeus!
Sob o meu ponto de vista e em nome da cultura de paz que não se cansa de apregoar, Angola deve rever imediatamente as suas políticas em direcção à África do Oeste (Mali e Guinés), tal como em relação ao Sudão, pelo mais simples dos motivos: depois da saga histórica que tem vivido, aqueles que estiveram tão vinculados ao movimento de libertação em África, esperam que nunca venha a acontecer que os “feitiços” desta globalização capitalista neo liberal com sinal de hegemonia anglo-saxónica, que passam pelo redesenhar neo colonial do mapa de África, não se venham a voltar contra este tão pouco previdente, quão imprudente “aprendiz de feiticeiro”!
Mapa: bacia Taoudéni
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