quinta-feira, 19 de abril de 2012

O BOSQUE EM FLOR



Rui Peralta

Mali (1)

Fronteiras a Norte com a Argélia, e este com o Níger, a Sul com a Costa do Marfim e o Burkina Fasso, a Sudoeste com a Guiné-Conakry e a oeste com o Senegal e Mauritânia, uma vasta extensão de um milhão, duzentos e quarenta mil quilómetros quadrados, dez a quinze milhões de almas espalhadas por oito regiões (sabia-as de cor: Gao, Kayes, Kidal, Koulikoro, Mopti, Ségou, Sikasso, Tombuctu) e um distrito (Bamako, a capital). Almas que vivem, na sua maioria, da agricultura e da pesca, onde mais de metade da população vive com cerca de um euro por dia, num pais produtor de ouro e urânio, mas onde a vida tem, como as lágrimas, o sabor do sal transportado pelas caravanas Songais.

Mas não é o sal que provoca as lágrimas de dor. É o petróleo e o urânio. A prospeção e exploração de petróleo e gás na bacia de Taoudeni, que estende-se do Leste da Mauritânia ao Norte do Mali (no ponto exato onde os tuaregues proclamaram Azawad) levada a cabo por algumas petrolíferas, na Mauritânia desde a década de setenta do século passado, no Mali em tempos mais recentes, desde que a especulação sobre imensas reservas a norte do Mali para compensarem a escassez da Mauritânia. Habitado pelos nómadas Árabes, Tuaregues e Peulh e pelos sedentários Songoi, Arma, Sorka, Somono, Bozo e Bambara, tornou-se o cenário das crónicas politicamente corretas das envenenadas plumas e línguas dos fazedores de opinião. O Norte do Mali passou a ser um território tuaregue, como se estes fossem os únicos habitantes da região, vendendo-se esta ideia aos consumidores de notícias do resto do mundo. Bem explorada esta ideia e talvez em breve as agências de turismo estejam a vender passagens e ferias em Azawad o “país dos tuaregues”. Aparentemente é um bom negócio e imagino os turistas gordos de meia-idade e as cougars passeando-se em Tombuctu com os jovens tuaregues como acompanhantes…

Tuaregue é uma palavra árabe derivada de Targa, nome berbere da província de Fezzan, situada no sul da Líbia. Targa significa canal de drenagem, terra arável, jardim. Os árabes transformaram o significado do termo em boa terra. Tuaregue era, assim, o habitante de Fezzan. Durante a colonização, ingleses, franceses e alemães incorporaram o termo nas suas línguas. Por sua vez as versões populares atribuem o termo a tawariq, abandonado por Deus, mas talvez isto não seja mais do que os islâmicos a rechaçarem as tradições animistas destes povos.

De qualquer forma os tuaregues autodenominam-se Imuhagh, os homens livres, diferenciando-se dos artesãos (a exemplo dos ferreiros, casta desprezada, mas temida pelos seus poderes mágicos que descendem dos artesãos judeus, fugitivos no século XV para o Sudão, onde misturaram-se com outras populações) e dos escravos, identificando-se em coletivo como Tamust, a nação. No início do seculo XX, eram também chamados de Kel tagelmust, povo do véu azulado, um exclusivo dos homens adultos, não sendo autorizado antes da puberdade. O Tagelmust cobre todo o rosto, exceto os olhos, protegendo dos maus espíritos, do sol do deserto e das rajadas de areia durante as viagens das caravanas.

Mais recentemente os tuaregues são também conhecidos por Kel Tamasheq, falantes de tamasheq, língua que é o principal elo comum aos vários grupos deste povo berbere que utiliza o alfabeto tifinagh, único alfabeto berbere ainda em uso.

Prováveis parentes de marroquinos e egípcios, habitavam a costa mediterrânica norte Africana e a domesticação do camelo permitiu-lhes expandirem-se para sul. Aliás são eles os responsáveis pelo sangue tipo A, um marcador caucasiano, ser comum no lago Chade, consequência das rotas transarianas de escravos, percorridas pelos tuaregues. Movimentam-se por um vasto território que atualmente abrange parte da Líbia, Argélia, Mali, Burkina Fasso e Níger. De linhagem materna, as mulheres desfrutam de inteira liberdade, participando na vida pública e gerindo os bens da família. O casamento é monogâmico e elas escolhem o marido. Não cobrem o rosto, embora nas últimas décadas a influência fundamentalista islâmica tenha provocado alterações neste quadro.

A sociedade tuaregue é uma sociedade hierarquizada, cujas castas descendem da rainha Tin-Hinan e do seu esposo Takama. Cada grupo é chefiado pelo amenokal, eleito pelos nobres, guerreiros, cuja casta é a Imajeren, portadores da espada Takoba, semelhante ao tipo de espada medieval das cruzadas, com lâmina larga de dois gumes e um friso longitudinal, cujo punho é decorado por um retângulo, tipo cruz. Usam também uma lança de ferro, azagaia curta e o punhal preso ao braço, defendendo-se com um escudo de pele de antílope. Asseguram proteção aos vassalos, Imrad e em troca estes pastam os rebanhos de carneiros, cabras e camelos.

A religião é responsabilidade dos Ineselmen, que cuidam das leis corânicas. Convertidos ao Islamismo no seculo XVI, os tuaregues sempre exerceram os deveres religiosos sem muito rigor, pois o facto de serem nómadas impede-os de efetuar algumas das obrigações e ritos religiosos. Combinam a tradição sunita com algumas crenças e ritos animistas.

O quadro das castas fica completo com os Iklan, descendentes dos escravos e divididos em diversas subcastas. A dominação francesa proibiu a escravatura em finais do seculo XIX, embora esta tenha permanecido através dos tempos e praticada á margem da lei colonial. De qualquer forma é ainda hoje comentado a existência de mercados de escravos e de ligações a redes de escravatura de mulheres e crianças, vendidas para os ricos mercados da Arabia Saudita, Koweit e Emiratos.

Alimentam-se essencialmente de tâmaras, leite, manteiga, queijo e papas de cereais (painço, trigo e arroz) deixando a carne para grandes festas e cerimonias e habitam em tendas feitas de pele de carneiro, de boi ou de cabra, fixadas sobre estacas, sendo que alguns grupos usam cabanas semicirculares, de paredes e cobertura de esteiras.

Depois de diversas revoltas e rebeliões contra os poderes coloniais, através dos seculos, no período pós-independência, os Tuaregues revoltam-se em Kidal, no ano de 1963, sendo brutalmente reprimidos pelas autoridades do jovem estado maliano. Após a revolta de Kidal vive-se um período de seca, acentuada durante o decénio de 1974 – 1984, uma autentica tragedia no Norte do Mali, que arrastou as populações para a fome, afetando em particular as populações nómadas, o que causou que muitas famílias procurassem refugio na Líbia e na Argélia, chegando algumas a ir para o Líbano.

Em finais de Junho de 1990, um grupo armado composto por 60 homens, executa um ataque noturno na área de Tiderméne, matando o represente do governo central, a sua esposa, um prisioneiro e um guarda. No dia seguinte os ataques sucedem-se na área de Menaka, onde morreram 14 pessoas, entre elas 4 soldados.

Os grupos rebeldes são constituídos por sectores de jovens exilados na Líbia, durante os anos de seca, treinados como soldados do exército líbio e usados em diferentes países, como o Chade, Líbano e Palestina. Estes diferentes grupos refletem divisões de clãs na sociedade tuaregue e das diferentes etnias e grupos sociais do norte do Mali. Entre eles destacam-se:

- Movimento Popular de Libertação de Azawad, agora Movimento Nacional de Libertação de Azawad (MNLA)
- Frente Islâmica Árabe de Azawad (FIAA)
- Exercito Revolucionário de Libertação de Azawad, (ERLA)
- Frente Popular de Libertação de Azawad (FPLA)
- Frente Nacional de Libertação de Azawad (FNLA)
- Grupo para a Autonomia de Timitrine (GAT)
- Frente Unida de Libertação para a Autonomia de Azawad (FULAA)
- Movimento Patriótico Ganda Koye (MPGK. Ganda Koye é em Sonrhai, uma das línguas faladas no Mali e significa donos da terra. É um movimento que combate os tuaregues e que foi responsável pela morte de alguns operacionais da FIAA)

*Rui Peralta, um novo elemento do coletivo que "alimenta" o Página Global. Este é o seu segundo conteúdo publicado em Página Global. Muitos outros se seguirão. Damos-lhe as boas-vindas.

 - Leia o título anterior deste autor em O Arco da Crise

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