sábado, 21 de abril de 2012

O BOSQUE EM FLOR



Rui Peralta

Mali (3)

Em 1992 decorrem as primeiras eleições presidenciais multipartidárias, sendo eleito o candidato Alpha Oumar Konaré, reeleito em 1997. Os seus dois mandatos presidenciais caracterizaram-se por uma política de reformas económicas e combate á corrupção.

A Constituição de 1992, revista em 1997, faz a separação dos poderes (executivo, legislativo e judicial) define um regime semipresidencialista, sendo o presidente para além de responsável do executivo, o chefe de estado e comandante em chefe das forças armadas. O presidente é eleito em sufrágio universal para um mandato de cinco anos, podendo exercer até dois mandatos e nomeia o primeiro-ministro. A Assembleia Nacional, corpo legislativo composto por 160 lugares, é eleita para mandatos de cinco anos. Apesar de a constituição designar a independência do poder judicial, este tem sido sujeito a pressões e ingerências por parte do poder executivo e das forças armadas. O Supremo Tribunal é a instituição máxima do poder judicial para os assuntos judiciais e administrativos e o Tribunal Constitucional é a instância máxima para os assuntos constitucionais.

Em 2002 os resultados eleitorais deram a vitória a Amadou Toumani Touré, o tenente-coronel do golpe militar de 1991, agora general na reserva e reeleito em 2007. O governo de Amadou Touré foi caracterizado pela inoperância, colocando os interesses populares malianos a reboque dos interesses neocoloniais. (Veja-se sobre este assunto o artigo de Martinho Júnior: “Azawad – A areia e a fúria – II” (http://paginaglobal.blogspot.pt/2012/04/azawad-areia-e-furia-ii.html)

Mali é um dos mais pobres países do mundo. O salário médio anual de um trabalhador maliano ronda os 1500 USD. Predominantemente agrícola, o algodão é a principal das suas exportações agrícolas, embora o ouro, desde 1999, lidere as exportações gerais. A cultura do arroz, milho, vegetais e tabaco representam vertentes importantes na produção agrícola. O ouro, os produtos agrícolas e pecuários representam 80% das exportações malianas. A agricultura emprega 80% da mão-de-obra maliana, e o sector de serviços apenas 5%.

A esperança de vida ronda os 50 anos e a taxa de mortalidade infantil, em 2007, era de 106/1000, uma das piores a nível mundial. Os indicadores de saúde pública são dos piores a nível mundial. No ano 2000 apenas 62% da população tinha acesso a água potável. Malária, cólera e tuberculose são constantes. As despesas públicas com a saúde rondam apenas os 4 USD per capita e a rede de saúde pública, quase inexistente, é de péssima qualidade. Taxas elevadas de malnutrição e baixo nível de imunização, caracterizam este cenário. No entanto apenas 1,9% da população é afetada pelo vírus do VIH / SIDA, um dos rácios mais baixos da Africa subsariana.

A educação pública é, teoricamente, universal, gratuita e obrigatória por nove anos. O ensino primário é composto por seis níveis e o secundário por outros seis, sendo obrigatórios os seis níveis do primário e os três primeiros níveis do secundário. As crianças entram para o ensino no ano em que fazem sete anos de idade. Mas atualmente a taxa de participação escolar é baixa, pois as famílias não têm dinheiro para comprar os uniformes escolares, livros, cadernos e outros suprimentos necessários á vida escolar.

É neste quadro que se desenrolam os últimos acontecimentos: a separação do norte do Mali, e o golpe militar que depôs Amadou Touré, liderado pelo capitão Amadou Sanogo, que rapidamente busca um entendimento com a liderança tuaregue. O Comité Nacional para o Reforço da Democracia e Restauração do Estado (CNRDRE), surge assim como uma tentativa final de instaurar a unidade territorial do Mali, ou em último caso, de negociar uma solução para a questão tuaregue.

Enquanto isso o MNLA proclama a independência de Azawad. Este movimento Tuaregue foi formado por exilados na Argélia e Líbia, onde detinha as suas bases logísticas e operacionais. Inicialmente denominado Movimento Popular de Libertação de Azawad, lançou a campanha militar de Junho de 1990 contra o governo maliano. Após a revolução de Março de 1991, a rebelião tuaregue cessou e o MNLA, conjuntamente com a FIAA (Frente Islâmica Árabe de Azawad) e o governo maliano, assinou os Acordos de Tamanrasset. Em Dezembro desse ano o MNLA e outras forças tuaregues formaram o MFUA (Movimentos e Frentes Unidas do Azawad) mas o MNLA surge associado aos distúrbios ocorridos em Kidal no ano de 2006.

A FIAA, liderada por Zahabi Ould Sidi Mohamed, representa os interesses da população Árabe minoritária, os Hassani, de origem marroquina. Têm surgido como aliados dos tuaregues em todas as revoltas levadas a cabo por estes desde o tempo colonial.

Os restantes grupos políticos tuaregues (referidos no primeiro destes artigos) podem ser definidos pelas suas posições em relação á questão autonomia ou independência. De ideologia difusa e indefinida estes grupos funcionam em função da divisão em clãs da sociedade tuaregue. Uma das grandes preocupações dos líderes separatistas tuaregues é a questão da unidade em torno de projetos políticos comuns, o que os leva a um discurso extremamente vago e pouco esclarecedor dos objetivos futuros. Vejamos este exemplo:

“En ce jour sans précédent dans l’histoire du peuple de l’Azawad, ou devient effectif le retour à la dignité, après la libération de la ville historique de Tombouctou, de Gao, de Kidal et de plusieurs autres villes de l’Azawad; le bureau politique félicite au nom de toutes les

Commissions, le peuple de l’Azawad, l’Armée de Libération Nationale, et tous ceux qui de loin

ou de près se sont sacrifier pour l’atteinte de cet objectif non négociable.

Chers compatriotes, en dépit de cette immense satisfaction, nous devrions rester sereins,

prendre encore davantage confiance en nous et relever le défi de l’avenir en réunissant toutes

nos forces pour préserver cet inestimable acquis afin de faire de l’AZAWAD, un pays où règne

la liberté, la justice et la paix durable y compris avec les pays voisins.

Nous rassurons les Etats voisins, les populations de la sous-région et la Communauté

Internationale que la libération de l’Azawad contribuera à renforcer la sécurité, le

développement et la paix pour une meilleure intégration des peuples, des cultures et une

meilleure stabilité dans la zone saharo-sahélienne.

La direction politique invite tous les azawadiens (de l’extérieur comme de l’intérieur) à se

mobiliser sans délais dans l’immense chantier de construction. Le mouvement appel tous les

azawadiens qui résident à l’extérieur de revenir contribuer et jouir de la reconstruction

nationale.”

Este é um comunicado do Bureau político do MNLA. Repare-se que a tónica do discurso é posta não apenas na população tuaregue, mas englobando todas as restantes etnias (Árabes, Armas, Songais, Bambaras, etc.) numa identidade certamente estranha que á a de “azawadiens”. O sucessivo abandono a que a região a norte do Mali foi vetada, desde o tempo da Federação do Mali, com o Senegal, levou a criar identidades específicas de tuaregues, Árabes, Armas, Songais, Bambaras e outros. Algumas dessas comunidades e alguns desses clãs poderão ver no Mali, numa superidentidade que é a nação maliana, a garantia de que não caem sob domínio de outro grupo étnico ou de um clã rival. No fundo esta é a criação de uma nova identidade, alienígena em relação aos grupos residentes, mas criada na cabeça, á laia de esperança, dos que partiram para a Argélia, a Líbia e outros países do norte de Africa, Medio Oriente e França.

Azawad, a nação tuaregue, não vai resolver em nada a questão tuaregue, naquele que é o cerne desta questão. A ideia de nação, de estado-nação é completamente alheia á superestrutura cultura Tuaregue. O cerne da questão tuaregue prende-se com a livre circulação através de um espaço imenso, historicamente traçado pelas rotas do comércio transariano que absorve um grande quadro de nações.

A questão tuaregue não é um problema de estado. É um problema de espaço…e da liberdade de poder romper fronteiras.

Fontes
African Development Bank (2001). African Economic Outlook. OECD Publishing. ISBN 9264197044
Bonnie Campbell. Regulating Mining in Africa: For Whose Benefit? Nordic African Institute. ISBN 978-0761475712.
Jacques Meyer May, The Ecology of Malnutrition in the French Speaking Countries of West Africa and Madagascar. Macmillan Publishing Company. ISBN 978-0028489605.
Mwakikagile, Godfrey. Military Coups in West Africa Since The Sixties, Huntington, Nova Science Publishers, 2001.
Milet, Eric & Jean-Luc Manaud. Mali. Editions Olizane (2007). ISBN 2-88086-351-1.


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