domingo, 8 de abril de 2012

O RIO NÍGER E A DICOTOMIA MALI/AZAWAD - II



Martinho Júnior, Luanda

4 – A actual situação, reflecte em nossos dias os efeitos seculares dos fluxos da água da bacia do Níger na fixação ou não das comunidades humanas:

- A sudoeste é possível a fixação e o crescimento populacional (Mali);

- A nordeste só uma parte ínfima da população se consegue fixar em comunidades com poucos milhares de habitantes, comunidades muito mais pequenas que as do sudoeste, sendo a maioria tuaregue (Azawad).

Estes fenómenos têm pois influência na dicotomia humana do Mali, entre culturas de carácter sedentário (asa sudoeste) e culturas nómadas (a noroeste), o que integra a raiz dos factores que estão a levar à separação: Mali a sudoeste e Azawad a nordeste.

A situação sócio-política dessa dicotomia, (ou dessa contradição latente ou declarada, como queiram), é no entanto agravada pelas actuais políticas neo liberais em curso no continente.

Essas políticas criam elites de feição sobretudo, no caso do Mali, na capital Bamako.

Essas elites aproveitam a “democracia representativa” para se incrustarem em patamares que conjugam poder político, económico e financeiro, concentrando em poucas mãos a riqueza, promovendo os expedientes de corrupção, a aliança com as potências (em primeiro lugar a França) e deixando o resto da sociedade num estágio depressivo de subdesenvolvimento crónico, com uma mancha enorme de miséria e marginalidade.

A situação do Mali nos Índices de Desenvolvimento Humano, reflecte essa miséria e marginalidade, que se torna muito mais grave nas assimetrias entre o sudoeste e o nordeste, onde foi declarada agora a independência de Azawad.

Onde a mancha humana é sedentária, a vida tornou-se mais cosmopolita e o neo liberalismo impera por via dum mercado que trouxe a desigualdade, como a resignação; onde os nómadas dominam, as resistências culturais muitas vezes só permitem a entrada de tecnologias que lhes são convenientes, mantendo-se os padrões estruturais das culturas autóctones, no seu caso também a energia própria da luta diária pela sobrevivência em condições tão adversas.

As comunidades tuaregues contam-se entre as mais miseráveis e só suas elites, ao servirem durante décadas na Líbia atraídas que foram por Kadafi, escapam à situação de subdesenvolvimento e pobreza extrema: absorvem as tecnologias que lhes interessam, quando têm poder económico e financeiro, mas ao se tornarem dominantes, podem ficar à mercê dos fundamentalismos religiosos.

Não havendo nada que sugira ideologias fundamentalistas em relação ao MNLA, já o mesmo Não se pode dizer de outras tendências presentes em Azawad.

5 – O governo do Presidente Amadou Toumani Touré tornou-se uma expressão das políticas neo liberais e do desprezo que lhe mereciam os problemas do nordeste.

As tensões humanas daí advenientes na complexa sociedade maliana, fizeram-se sentir também por dentro das próprias Forças Armadas do Mali, em especial ao nível dos oficiais jovens que ocupam as estruturas inferiores, aqueles que se encontravam nas guarnições de campanha em Kidal, Gao e Tombuctu, onde a logística se tornou cada vez mais inoperante.

Elas agudizaram-se todavia quando as Forças Armadas do Mali tiveram de enfrentar a rebelião tuaregue, não mais armada com meios ridículos, mas com muitas armas provenientes do espólio das Forças Armadas da Jamahyria, o que lhes passou a conferir superioridade militar em termos de equipamentos e armas, mas também em termos de organização e capacidade militar.

A situação desses oficiais contrasta cada vez mais de forma antagónica, com a situação dos generais do regime concentrados nas cidades do sudoeste e sobretudo em Bamako, quantas vezes envolvidos nos negócios de maior vulto daquele país interior, rendidos às facilidades da “economia de mercado”, às privatizações e os primeiros a beneficiar dos relacionamentos com as potências e as multinacionais afins ao seu meio, as que se estabelecem na região.

Os generais e oficiais superiores ficaram de tal modo “sibaritas” que esqueceram que no nordeste havia cada vez mais problemas por resolver!

O Mali é o terceiro produtor de ouro em África, todo ele com mineração na asa do sudoeste; o ouro tornou-se no principal produto em valor exportado, beneficiando do aumento dos preços do metal, ao contrário precisamente do que aconteceu com o algodão, que foi até 2003 o principal produto de produção e exportação, mas a partir daí teve uma baixa acentuada de preços no mercado internacional (e uma diminuição de produção, com perdas importantes para os seus produtores).

As elites foram ocupando os extractos próximos do poder, em condições que possibilitaram o crescente raquitismo da classe média, o aumento da precariedade social numa sociedade tradicionalmente subdesenvolvida e, no topo, a concentração da riqueza em poucas mãos, tornando agudo o cume da pirâmide social forjada pelo capitalismo neo liberal.

Os oficiais subalternos tendiam para a absorção na enorme mancha dos deserdados, sendo-lhes cada vez mais vedada a promoção, tanto nas estruturas militares, como na estrutura social.

O fermento da rebelião estava lançado na sociedade com cultura dominante nómada (um dos resultados do trauma da Líbia), como o fermento do golpe, na sociedade onde predomina a cultura sedentária nas condições das políticas neo liberais promovidas, produzidas e monitorizadas pelos ocidentais sob liderança inteligente dos Estados Unidos e o afã subserviente da França.

As condições difíceis das guarnições militares destacadas para o nordeste, deixando de cumprir com eficácia a sua missão, acabaram por impulsionar a decisão da tomada do poder pela força das armas no sudoeste por parte dos efectivos às ordens dos jovens oficiais reunidos em torno do capitão Amadou Haya Sanogo (“Golpe de estado en Mali” – http://www.rebelion.org/noticia.php?id=147018&titular=informe-de-la-cnop-(coordinación-nacional-de-organizaciones-campesinas)-de-mali-y-la-vía-campesina- ; “El líder antiimperialista Oumar Mariko aceita integrar el gobierno de unión propouesto por militares en Mali” – http://www.rebelion.org/noticia.php?id=147422).

O Partido Comunista Ftancês demonstra em época eleitoral que tem em conta as correntes progressistas que estão a manifestar apoio aos jovens oficiais e acusa Sarkozy pela desestabilização em curso em África:

“El Doctor Oumar Mariko, físico maliense y prestigioso líder de la oposición progresista, presidente del partido antimperialista SADI, no solamente apoya la acción de un grupo de oficiales jóvenes apoyados ampliamente por los soldados de base, de derrocar a la marioneta de París que ejercía de presidente Toumani, sino que ofrece su apoyo al gobierno de unión propuesto por los militares…

… El Partido Comunista francés (PCF) acusa al gobierno de Sarkozy de haber causado la crisis en Mali por su brutal intervención en Libia que ha desestabilizado no solamente ese país sino toda la región.

Expresa su apoyo al pueblo maliense y en particular al partido SADI y a las fuerzas progresistas de oposición.

La Red de la Izquierda Africana (ALNEF) expresó en el pasado mes de febrero todo su apoyo al Doctor Oumar Mariko y a su partido SADI tras haber sufrido el dirigente un serio intento de asesinato, sin duda, orquestado por el presidente y el servicio secreto francés y que afortunadamente fracasó”…

6 – O poder militar dos tuaregues em Awazad, profundos conhecedores do deserto, não está suficientemente avaliado sequer pelas potências ocidentais que provocaram a desestabilização do Mali, desestabilização que tem todos os indícios de ter sido deliberada.

Os golpistas em Bamako no entanto, se neste momento se situam num espectro político-social que parecem integrar factores de ordem progressista face à necessidade de resistência às correntes de neo liberalismo, não garantem suficiente capacidade de apoio face ao bloqueio que atinge de todas as formas o muito frágil Mali e o governo de emergência que formaram, está a ser condenado por todos os países africanos, por todo o mundo, pelo que terá muitas dificuldades em levar seus programas para diante.

É lógico que todas as elites políticas e militares da CEDEAO-ECOWAS, manifestaram-se sobretudo contra o golpe (esquecendo-se até da rebelião tuaregue e da formação do Azawad) e estão portanto contra os golpistas e seus esforços de formação de coligações, sendo dos primeiros a implementar o bloqueio ao Mali, no fundo com algum receio que em cada um deles possa vir a acontecer algo parecido…

O golpe dá também indícios de mais uma manobra programada duma escalada de provocações, ao jeito dos militares dumas Forças Armadas desacreditadas e à imagem e semelhança das provocações típicas das emergentes “revoluções coloridas” ou da “Primavera árabe”…

Ao contrário do que acontecia há 50 anos na Argélia, em que as elites do movimento de libertação em África assumiam ideologias de vanguarda contra o colonialismo e tinham programas avançados para as sociedades libertadas, no Mali assiste-se hoje a algo que pouco tem a ver com ideologias de vanguarda em relação ao neo liberalismo e às novas fórmulas neo coloniais: rejeita-se o que à vista de todos está mal, mas não há suficiente substância estratégica para o caminho a seguir pela sociedade e pelo poder de estado…

Se há tantas dúvidas a curto-médio prazos, as dúvidas a longo prazo subsistem também por razões humanas: o capitão Amadou Haya Sanogo, nascido em 1972, ou 1973 em Ségou, a segunda cidade maliana (situada na asa sudoeste do território), é um jovem oficial com curriculum em escolas norte americanas, ou seja, muito provavelmente um produto AFRICOM, disponível para uma das primeiras rebeliões duma certa “Primavera Africana” que passa pelo estigma do conflito de gerações!... (“Captain Amadou Sanogo: Power is his Middle Name” – http://thinkafricapress.com/mali/captain-amadou-sanogo-power-his-middle-name-coup):

“Captain Sanogo, 39 (or 40 by some accounts), was working as an army English instructor prior to the coup.

He had earlier served on the training staff at the Ecole Militaire Inter-Armes in Koulikoro, Mali's officer training school, but was dismissed last October along with the rest of the staff after a hazing incident that left five officer candidates dead. (Sanongo himself was not present on the day of the incident.)

In an interview with a Malian newspaper, Sanogo said he began his army career as an enlisted man, attending training at the US Marine Corps base in Quantico, Virginia, before receiving infantry and English language training at Fort Benning, Georgia. He subsequently was promoted to the rank of lieutenant and attended further US-based training.

As described in both the New York Times and the Washington Post, Sanogo attended the Defense Language Institute (Lackland Air Force Base, Texas) and gained intelligence training at Fort Huachuca, Arizona.

Sanogo also claims to have undergone US-sponsored counterterrorism and crisis response training in Morocco and elsewhere on the African continent.

Sanogo's experience in the US appears to have left its mark on him. Since the coup, Sanogo has appeared with a US Marine Corps ‘eagle, globe and anchor’ pinned prominently above the right breast pocket of his fatigues, as shown in the image below from March 22, the day after the coup, on Africable TV”…

Foto: O Capitão Amadou Sanogo e a sua escolta – a imagem do relativo empirismo por parte de quem realizou o golpe…

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1 comentário:

Anónimo disse...

Mali : chronique d’une recolonisation programmée
Forum pour un Autre Mali (FORAM)
VENDREDI 6 AVRIL 2012, POUR L'AUTRE AFRIK

« Que les chèvres se battent entre elles dans l’enclos est préférable à l’intermédiation de l’hyène ».
Proverbe bamanan.

...

http://www.afrik.com/article25273.html

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