quarta-feira, 4 de abril de 2012

Portugal: HIPÓTESE DE FIM DE SUBSÍDIOS ABRE NOVA FRENTE DE GUERRA POLITICA



Carlos Santos Neves - RTP

Ao deixar escapar que a Comissão Europeia poderia vir a admitir a possibilidade de o Governo português tornar definitivo, depois de 2013, o corte dos 13.º e 14.º meses a trabalhadores do Estado e pensionistas, o elemento da troika Peter Weiss proporcionou ontem munições à Oposição para uma nova investida contra a linha de austeridade prosseguida pela coligação de social-democratas e democratas-cristãos. O Executivo apressou-se a assegurar que a subtração de subsídios “não pode ser permanente”. Mas foi incapaz de suster as ondas de choque das declarações do responsável da Direção-Geral de Assuntos Económicos da Comissão.

Foi no termo da apresentação do relatório de Bruxelas sobre a terceira avaliação do programa de resgate financeiro de Portugal, ao final da manhã de terça-feira, que Peter Weiss, membro da missão do Fundo Monetário Internacional e da União Europeia, falou dos cortes nos 13.º e 14.º meses. Em resposta às perguntas dos jornalistas, acabou por deixar uma porta aberta ao fim dos subsídios de Natal e de férias, embora sublinhando que tal possibilidade ainda não havia sido discutida: “Teremos de ver. Por agora, é por dois anos, por razões constitucionais. Temos de ver de se se tornará permanente ou não”.

As palavras de Weiss agitaram a arena política portuguesa nas horas subsequentes. Os ecos estenderam-se às centrais sindicais e aos representantes do patronato. Ingerência e ilegalidade foram dois dos substantivos mais ouvidos.

A primeira reação do Governo surgiu ao início da noite e coube a Carlos Moedas.

O secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro procurou asseverar que a medida aplicada a trabalhadores da esfera do Estado e pensionistas é para vigorar “durante o período de vigência” do programa da troika.

“A posição do Governo em relação aos cortes nos subsídios de férias e de Natal não mudou. Estes cortes não podem ser permanentes e estarão em vigor durante o período de vigência do programa de apoio económico-financeiro”, escreveu Moedas numa nota remetida à agência Lusa.

Pouco antes desta tomada de posição, já os socialistas tinham exigido esclarecimentos ao Executivo. A viver horas de tumulto interno, que culminaram com a demissão do deputado Pedro Nuno Santos da vice-presidência da bancada socialista, por divergências com o rumo de António José Seguro, o PS entregou a José Junqueiro, outro dos vice-presidentes do grupo parlamentar, a tarefa de condenar o Governo de Passos Coelho por se deixar conduzir “a partir de Bruxelas”. E de reprovar “uma ingerência inaceitável nos assuntos internos de Portugal”.

“A ser assim, estamos perante um embuste feito ao povo português. É algo que não está no memorando da troika e é algo pelo qual responsabilizamos fortemente o Governo português”, acrescentaria o dirigente socialista.

“Prudência e honestidade intelectual”

Da São Caetano à Lapa saiu, durante a noite, a garantia de que o partido de Pedro Passos Coelho mantém como objetivo fazer uma “reintrodução de forma gradual” dos subsídios de férias e de Natal. “Logo que a situação financeira” o permita, nas palavras de Jorge Moreira da Silva. Todavia, quando questionado sobre as intenções da direção social-democrata para o término do Programa de Assistência Económica e Financeira, o coordenador da Comissão Política do PSD tratou de dar ênfase à ideia de que o quadro financeiro do país impõe “prudência e honestidade intelectual”.

“Não houve nenhuma discussão, pelo que foi sendo tornado público, entre o Governo português e a troika em relação a essa decisão”, assinalou o dirigente laranja, para acrescentar que a Constituição da República “não permite um corte definitivo”. “Os resultados não apontam para essa necessidade. Segundo, isso não foi discutido. Terceiro, isso vai para além do memorando de entendimento, que é o único acordo que o Estado português tem. Quarto, isso não é possível no atual quadro constitucional”, reforçou Jorge Moreira da Silva, citado pela Lusa.

Também o Presidente da República foi questionado sobre as palavras de Peter Weiss. À entrada da Cinemateca, onde assistiu à antestreia do filme “Tabu”, de Miguel Gomes, Cavaco Silva foi hermético: “Não é numa vinda ao cinema a título privado que eu vou pronunciar-me sobre uma matéria que, aliás, o próprio Governo tomou uma posição pública”.

Para os comunistas, já não subsistem dúvidas de que está em marcha uma “política de derrube e atentado ao rendimento dos portugueses” que “não conhece limites”. Foi assim que o deputado do PCP Miguel Tiago reagiu ontem à apreciação da Comissão Europeia.

“Muitas vezes, são anunciadas temporárias medidas que visam, no essencial, vir a tornar-se permanentes. Esperemos que este não seja o caso. Mas de qualquer forma são declarações absolutamente inaceitáveis que denunciam uma tentativa de abrir portas à permanência da supressão dos subsídios de Natal e férias dos portugueses, abrindo também as portas ao alargamento da aplicação desta medida ao setor privado”, denunciou o parlamentar comunista.

“Claramente ilegal”

Desavindas na Concertação Social, as centrais sindicais convergiram ontem nas críticas ao cenário comentado por Bruxelas. Enquanto o secretário-geral da UGT, João Proença, chamou a atenção para o facto de um corte definitivo dos subsídios de férias e de Natal ser “claramente ilegal”, por colidir com a Lei Fundamental, o homólogo da CGTP, Arménio Carlos, concluiu que a posição de Peter Weiss “só demonstra” que a austeridade está a fracassar.

“Achamos que esse corte, no quadro da Constituição portuguesa, é claramente ilegal e que em Portugal a Constituição tem de ser respeitada e, portanto, os cortes têm de ser claramente transitórios para serem constitucionais”, frisou João Proença à saída de uma audição na comissão parlamentar de Trabalho.

“Não tenho dúvidas de que muita gente, neste país, queria tornar esses cortes definitivos, mas tornar esses cortes definitivos é inconstitucional, a não ser que estivéssemos em crise toda a vida”, acentuou.

Diante das declarações do responsável da Comissão Europeia, Arménio Carlos apontou o dedo à troika: “Ao contrário do que todos eles fazem crer à opinião pública, que as medidas em Portugal e na Grécia estão a resultar, só demonstram que as medidas não estão a resultar. Estão a falhar. Porque se estivessem a resultar eles não precisavam de dizer que até admitem retirar para sempre a atribuição dos subsídios de Natal e dos subsídios de férias”.

Já o presidente da Confederação Empresarial de Portugal admitiu como crível que os cortes de subsídios possam converter-se numa medida permanente. Mas sempre acautelando uma “correta política salarial”. O que, no léxico da CIP, se traduz por “moderação”.

“Os cortes que foram mencionados não os desejamos, mas o que é facto é que, se não alterarmos o rumo do país, se não colocarmos o país a crescer, se não removermos os obstáculos para o desenvolvimento do país, receio que a austeridade continue e que outros cortes possam vir a ser anunciados”, reagiu António Saraiva, que foi igualmente ouvido, na tarde de terça-feira, pela
comissão de Trabalho.
"Transitório"

No momento da apresentação do Orçamento do Estado para 2012, o ministro das Finanças assegurou que o corte dos subsídios de Natal e de férias só poderia ser “transitório”.

Entrevistado, então, na RTP, o governante afirmava: “O corte é temporário, durante a vigência do programa de ajustamento. Esse período acaba em 2013”.

O Orçamento para este ano prevê uma poupança líquida de 1065 milhões de euros com o corte dos subsídios.

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