Mair Pena Neto* – Direto da Redação
A necessidade de ampliar a rede hoteleira do Rio de Janeiro com vistas à Copa do Mundo de 2014 e às Olimpíadas de 2016 pode trazer sérios prejuízos à cidade e à forma de viver de seus moradores. A febre de construções leva a prefeitura a afrouxar os critérios e a permitir obras que agridem a paisagem, o bem mais precioso da cidade maravilhosa.
Agora mesmo, o Ministério Público Estadual conseguiu suspender, por medida liminar, a construção de dois hotéis, um de nove andares e outro de 15 andares, na Avenida do Pepê, na Barra da Tijuca. Para quem não conhece bem o Rio e pode ficar surpreso com a polêmica em um bairro caracterizado por prédios muito mais altos do que esses, a Avenida do Pepê fica no início da praia da Barra, numa região conhecida como Jardim Oceânico, caracterizada por edifícios baixos.
Pelo plano original da Barra, feito por Lúcio Costa, as construções neste trecho da orla deveriam ter no máximo cinco andares. Esta determinação transformou o local no espaço mais humano do bairro, embora o projeto urbanístico de Lúcio Costa tenha sido desrespeitado com a permissão para a construção de hotéis acima do gabarito estabelecido.
A ânsia de plantar hotéis à beira-mar já causou danos irreparáveis à cidade, como é o caso do Meridien, na gloriosa Avenida Atlântica, cuja altura exagerada projeta sua sombra na areia da praia do Leme. O sombreamento, aliás, é uma das preocupações que cercam a construção dos dois novos empreendimentos na Barra.
Assim como o Meridien, os novos hotéis também irão afetar definitivamente a paisagem carioca. Quem estiver na praia do Pepê, irá perder a visão da Pedra da Gávea, um dos mais belos monumentos naturais da cidade, que se ergue a 842 metros acima do nível do mar. E quem chegar à Barra pelo Túnel do Joá deixará de avistar o quebra-mar. Estas duas brutais interferências deveriam ser suficientes para inviabilizar os empreendimentos que a prefeitura e até o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) autorizaram.
O Rio de Janeiro deveria ter uma cláusula pétrea referente às edificações urbanas: nenhuma construção poderia, independente do fim a que se propõe e aos diferentes gabaritos da cidade, impedir a vista do carioca às montanhas e monumentos naturais. O Ministério Público mostrou sensibilidade, bem indispensável a quem lida com uma cidade com as características singulares do Rio de Janeiro, e fundamentou sua decisão de suspender as obras dos dois hotéis em um parágrafo do novo Plano Diretor, que estabelece que “a paisagem do Rio de Janeiro representa o mais valioso bem da cidade, responsável pela sua consagração como um ícone mundial e por sua inserção na economia turística do país, gerando emprego e renda”.
Não se pode, em nome de uma necessidade imediata, danificar irremediavelmente este patrimônio. A cidade é, em primeiro lugar, de quem nela vive. Não se trata de estagná-la, mas de condicionar o seu crescimento ao bem estar de sua população.
*Jornalista carioca. Trabalhou em O Globo, Jornal do Brasil, Agência Estado e Agência Reuters. No JB foi editor de política e repórter especial de economia.
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