Orlando Castro*, jornalista – Alto Hama*
Um dia depois de uma freira budista se ter imolado pelo fogo, e morrido, um activista tibetano recorreu no dia 4 de Novembro de 2011 à mesma forma de protesto em frente à embaixada da China em Nova Deli.
Este método de alerta para um mundo cego, mudo e surdo a tudo quanto não lhe interessa, mesmo que envolva seres humanos.
No dia 16 de Julho do ano passado, o presidente norte-americano, Barack Obama, manifestou uma "preocupação sincera" sobre os direitos humanos no Tibete.
Pois é. Não sei quantos pesos, não sei quantas medidas. Saberá Barack Obama o que é Cabinda? Não sabe, com certeza. Se até o presidente do país que assinou um acordo de protectorado com Cabinda não sabe…
Barack Obama é "o presidente da maior democracia e, naturalmente, manifestou a sua preocupação com os valores humanos fundamentais, com os direitos humanos e com a liberdade religiosa", disse o líder espiritual dos tibetanos.
Recorde-se que, segundo o conselheiro jurídico e político do líder tibetano, Michael Van Walt, a proposta de autonomia apresentada pelo Dalai Lama à China "é muito parecida à que José Ramos-Horta propôs à Indonésia" em 1995-96.
Michael Van Walt considera também que o que aconteceu na última década em Timor-Leste e no Kosovo "tornou as coisas mais difíceis para o Tibete".
Segundo o conselheiro do Dalai Lama, que tem uma larga experiência internacional e foi também assessor jurídico do Ministério dos Negócios Estrangeiros timorense, a proposta de autonomia da chamada "frente diplomática" foi apresentada a Jacarta "cerca de dois anos antes da grande crise na Indonésia" (em 1997).
No que a Cabinda respeita, Portugal não se lembra dos compromissos que assinou ontem (a não ser os da troika) e, por isso, muito menos se recordará dos assinados há 127 anos. E, tanto quanto me parece, mesmo os assinados ontem já estarão hoje fora de validade.
Portugal não só violou o Tratado de Simulambuco de 1 de Fevereiro 1885 como, pelos Acordos de Alvor, ultrajou o povo de Cabinda, sendo por isso responsável, pelo menos moral (se é que isso tem algum significado), por tudo quanto se passa no território, seu protectorado, ocupado por Angola.
Quando o presidente da República de Portugal, Aníbal Cavaco Silva, diz que Angola vai de Cabinda ao Cunene está, desde logo, a dar cobertura e a ser conivente, como acontece com a China em relação ao Tibete, com as violações que o regime angolano leva a efeito contra um povo que apenas quer ter o direito de escolher o seu futuro.
Para além do Tibete, não seria mau que Portugal olhasse para Espanha e Angola para Marrocos. Ou seja, para a questão do Saara Ocidental, antiga colónia espanhola anexada em 1975 após a saída dos espanhóis, como parte integrante do reino de Marrocos que, entretanto, propõe uma ampla autonomia sob a sua soberania, embora excluindo a independência.
Recorde-se que o governo espanhol, na altura liderado por José Luís Zapatero, mostrou – ao contrário de Portugal - coragem política não só ao reconhecer o direito do povo saharaui à autodeterminação como ao levar a questão às Nações Unidas.
Mas terá Cabinda similitudes com Timor-Leste? E com o Kosovo? E com o Saara Ocidental?
Embora a comunidade internacional (CPLP, União Europeia, ONU, União Africana e similares elefantes brancos) assobie para o lado, o problema de Cabinda existe e não é por não se falar dele que ele deixa de existir.
Cabinda é um território ocupado por Angola e nem o potência ocupante como a que o administrou pensaram, ou pensam, em fazer um referendo para saber o que os cabindas querem. Seja como for, o direito de escolha do povo não prescreve, não pode prescrever, mesmo quando o importante é apenas o petróleo.
Quando o governo português reconheceu formalmente a independência do Kosovo, o seu então ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, disse que "é do interesse do Estado português proceder ao reconhecimento do Kosovo".
E apontou quatro razões que levaram à tomada de decisão sobre o Kosovo: a primeira das quais é "a situação de facto", uma vez que, depois da independência ter sido reconhecida por um total de 47 países, 21 deles membros da União Europeia e 21 membros da NATO, "é convicção do governo português que a independência do Kosovo se tornou um facto irreversível e não se vislumbra qualquer outro tipo de solução realista".
Deve ter sido o mesmo princípio que, em 1975, levou o Governo de Lisboa a reconhecer o MPLA como legítimo e único governo de Angola, embora tenha assinado acordos com a FNLA e a UNITA. O resultado ficou à vista nos milhares e milhares de mortos da guerra civil.
Como segunda razão, Luís Amado referiu que "o problema é político e não jurídico", afirmando que "o direito não pode por si só resolver uma questão com a densidade histórica e política desta". Amado sublinhou, no entanto, que "não sendo um problema jurídico tem uma dimensão jurídica de enorme complexidade", pelo que "o governo português sempre apoiou a intenção sérvia de apresentar a questão ao Tribunal Internacional de Justiça das Nações Unidas".
Ora aí está. Cabinda (se é que os governantes portugueses, sejam eles quais forem, sabem alguma coisa sobre o assunto) também é um problema político e não jurídico, “embora tenha uma dimensão jurídica de enorme complexidade”.
"O reforço da responsabilidade da União Europeia", foi a terceira razão apontada pelo então chefe da diplomacia portuguesa. Amado considerou que a situação nos Balcãs "é um problema europeu e a UE tem de assumir um papel muito destacado", referindo igualmente que a assinatura de acordos de associação com a Bósnia, o Montenegro e a Sérvia "acentuou muito nos últimos meses a perspectiva europeia de toda a região".
No caso de Cabinda, a União Europeia nada tem a ver. Tem, no entanto, a CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa) onde – desculpem se me engano – Portugal desempenha um papel importante.
Luís Amado frisou ainda que Portugal, ao contrário dos restantes países da UE que não reconheceram o Kosovo, não tem problemas internos que justificassem as reticências. Pois. Os que tinha (Cabinda é, pelo menos de jure, um problema português) varreu-os para debaixo do tapete.
Como última razão, indicou a "mudança de contexto geopolítico que entretanto se verificou" com o conflito entre a Rússia e a Geórgia e a declaração de independência das regiões georgianas separatistas da Abkházia e da Ossétia do Sul que Moscovo reconheceu entretanto.
Isto quer dizer que, segundo o anterior governo de Lisboa, no actual contexto geopolítico, Cabinda é Angola. Amanhã, mudando o contexto geopolítico, Portugal pensará de forma diferente. Ou seja, a coerência é feita – à boa maneira portuguesa - ao sabor do acaso, dos interesses unilaterais.
* Orlando Castro, jornalista angolano-português - O poder das ideias acima das ideias de poder, porque não se é Jornalista (digo eu) seis ou sete horas por dia a uns tantos euros por mês, mas sim 24 horas por dia, mesmo estando (des)empregado.
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