segunda-feira, 16 de abril de 2012

A TRETA DO ENVELHECIMENTO ATIVO




Fernando Santos – Jornal de Notícias, opinião

Está a chegar ao fim a ilusão (ou a patranha?) da existência de uma Europa vanguardista no modelo social. A legitimação de um mercado global construído na base de concorrência desigual, sem escrúpulos na exploração do trabalho a partir dos chamados países emergentes, está a destruir a grande vantagem do projeto europeu. O mingar do crescimento económico dita cada vez maiores taxas de desemprego, menor fixação de horizontes risonhos, contendo todos os ingredientes para uma explosão social de consequências incalculáveis, um dia destes....

O Mundo mudou, de facto - e Portugal não foge à regra.

Não é tão distante assim: no início dos anos 80 do século passado as previsões e a oratória oficialista para onde apontavam? Para uma sociedade talhada ao encurtamento dos horários de trabalho, sem perda - ou mesmo ganho - nas retribuições. Filosofava-se sobre as profissões do futuro e nelas cabiam todas as relacionadas com as indústrias do lazer. A par de outras vertentes ligadas ao turismo, jurava-se estar mais perto do sucesso profissional quem optasse por especializar-se nas chamadas atividades de tempos livres, lúdicas ou não. Os "clowns" poderiam dormir descansados. E afinal......

O modelo social europeu parece-se cada vez mais com um caranguejo: regride, regride.

Os cortes orçamentais impostos às políticas de bem-estar para contrabalançar a retração económica e a subida em flecha do número de desempregados a que é preciso garantir mínimos de sobrevivência resulta em todo o contrário do prognosticado. Tenta-se travar os danos provocados pela abertura de autênticas crateras financeiras e o modelo social degrada-se a cada dia, não obstante a artilharia semântica usada pelos governantes. O paradigma de uma reforma digna em idade ainda capaz de proporcionar viagens feitas de conhecimento e de proporcionar futuro a profissões ligadas às tais atividades de tempos livres projetadas como el dorado há duas décadas, já era. A semântica dos governantes passou a ser a de engana-tolos. Os cortes nas pensões, ou até o cenário de aumento da idade mínima para a reforma, baseiam-se, agora, no pseudo virtuosismo do chamado envelhecimento ativo. Como se um tranquilo e convincente namoro na terceira idade ou uma mais frequente passagem pelos ginásios seja pior do que ter de picar e voltar a picar o ponto na empresa em dificuldades.... Como se não valesse a pena fazer contas e perceber se uma das saídas para as novas gerações, mais bem preparadas, não passa pela sua introdução no mercado de trabalho trocando os seus subsídios de desemprego pelo pagamento de reformas a quem para elas já descontou e as almeja....

Pois.

Enquanto a Europa não tiver a coragem de colocar travão a um mercado global sem regras nos seus principais concorrentes, a alternativa é o desmantelamento dos apoios sociais e o crescimento explosivo do desemprego. Dando-se por cá a originalidade de quem é obrigado a estar ao alto não ter dinheiro para comer mas poder frequentar museus à borla. Toda uma inversão na atividade de tempos livres projetada no final do século passado.


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