Orlando Castro*, jornalista – Alto Hama*
O bastonário da Ordem dos Advogados de Portugal considera que a alegada investigação da vida privada de Francisco Pinto Balsemão, presidente da Impresa, por Jorge Silva Carvalho é “um atentado gravíssimo” à democracia, que deve ser “investigado até às últimas consequências”.
A despropósito, ou talvez não, deixem-me tomar como análise o texto de opinião (“A bufaria”) que Marinho e Pinto publicou em Fevereiro de 2010 no JN.
“O caso Mário Crespo não é um problema de liberdade de informação, mas (mais) um sintoma da degradação a que chegou a comunicação social”.
Ao contrário do que afirma Marinho e Pinto, o caso Mário Crespo (um dos muitos da praça portuguesa) é mesmo um exemplo de falta de liberdade de opinião, embora o autor lhe chame de informação em abono da tese que pretende levar a cabo.
E essa tese é a da degradação da comunicação social que, reconheça-se, existe. É claro que quando a degradação serve para as causas de alguns advogados, chama-se informação. E é pena que as coisas mudem de nome consoante os interesses em jogo.
“Uma conversa privada do primeiro-ministro, num restaurante, sobre um jornalista que há anos o critica publicamente, é prontamente denunciada ao visado que logo tenta criar um escândalo político.”
Essa de as figuras públicas terem em locais públicos conversas privadas só lembraria ao advogado Marinho e Pinto, embora não lembrassem ao jornalista (que foi) Marinho e Pinto.
É mais ou menos como os políticos que se deslocam pelo país com a mordomias da função mas que, quando apanhados em alguma situação menos regular, se apressam a dizer que ali estão como cidadãos e não como políticos.
“Sublinhe-se que ambos são figuras públicas com direito a terem, uma da outra, as opiniões que entenderem. Apenas com um senão: nem José Sócrates poderá usar os seus poderes de primeiro-ministro para perseguir o jornalista Mário Crespo, nem este deverá usar os meios de que dispõe como jornalista para perseguir o primeiro-ministro.”
Ao contrário do que agora defende Marinho e Pinto, qualquer primeiro-ministro tem compromissos diferentes dos jornalistas. A estes o mais sagrado dos seus compromissos é com o que pensam ser a verdade, sobretudo (mas não só) quando em questão estão figuras públicas que devem ser paradigmas de honorabilidade.
Eu sei que quando um jornalista revela algo que desagrada ao poder isso é perseguição. Quando é o poder que revela algo contra o jornalista, isso é moralização da vida pública. Mas mesmo assim…
“Porém, os jornalistas, em geral, julgam-se no direito de publicar as opiniões que quiserem (por mais ofensivas que sejam) sobre os governantes (mesmo violando as regras éticas do jornalismo), porque entendem que isso é direito de informar. Mas se os visados emitirem a mais leve opinião sobre esses jornalistas isso é um ataque à liberdade de informação.”
Tirando a linguagem panfletária de Marinho e Pinto (é o seu estilo e, por isso, respeitável), importa dizer que as opiniões, sejam do bastonário da Ordem dos Advogados, do jornalista ou do arrumador de carros, não se regem por regras éticas inerentes a cada uma das profissões. São opiniões pessoais e ponto final.
“O jornalismo português tem vindo a degradar-se por falta de referências éticas. Hoje, tudo vale para obter informações, incluindo o recurso a “bufos”. Nos tempos do Estado Novo usava-se esse termo para designar as pessoas que davam informações à polícia política sem que ninguém desconfiasse delas. Geralmente eram até da confiança das vítimas. Faziam delação às escondidas, por dinheiro ou simplesmente para tramar os visados. Agora continua-se a denunciar pessoas a quem as possa tramar. Os “bufos” são os informadores privilegiados dessa nova polícia de costumes em que se transformaram certos órgãos de informação de Lisboa.”
Aqui fiquei mais descansado. Ao que parece, segundo Marinho e Pinto, os “bufos” (mesmo que entre aspas) só trabalham com certos órgãos de informação de Lisboa. Presumo que todos os outros estejam fora desse saco.
É verdade que ao jornalismo faltam referências éticas. Mas se os jornalistas (neste caso não só os de Lisboa) vivem e trabalham numa sociedade sem referências éticas, sejam políticas, empresariais, judiciais ou outras, não é justo que se lhes exija o que não encontram noutras profissões.
“Há alguns anos, um político e professor universitário (Sousa Franco), por sinal meio surdo, conversava tranquilamente num restaurante. Numa mesa ao lado, uma jornalista (talvez disfarçada de costeleta de borrego) tomava notas da conversa, sem que os visados se apercebessem. Dias depois o teor da conversa era manchete num semanário de Lisboa”.
Marinho e Pinto esquece-se (desde logo porque é matéria de facto capaz de abalar as suas teses) que se um jornalista (seja num restaurante, num jardim, num prostíbulo) não procura saber o que se passa é um imbecil. Tal como se esquece que se esse jornalista consegue saber o que se passa (seja num restaurante, num jardim, num prostíbulo) e se cala passa a ser um criminoso.
“Também há alguns anos, um professor do ensino secundário (Fernando Charrua), conversando com um colega no gabinete deste, emitiu sobre o primeiro-ministro uma daquelas opiniões que só se expressam em conversas privadas. Pois, logo o colega o foi denunciar aos superiores hierárquicos.”
Afinal, ao que parece, não são só os jornalistas que não têm referências éticas…
“O mesmo aconteceu com um juiz conselheiro, que, numa conversa a dois com um colega, emitira o mesmo tipo de opinião sobre o Conselho Superior da Magistratura. Logo o colega o foi denunciar ao CSM. Mais recentemente, um magistrado do Ministério Público que, durante um almoço com dois colegas, opinara sobre um processo de que estes eram titulares foi de imediato denunciado por os ter “pressionado”.
Afinal, ao que parece, não são só os jornalistas que não têm referências éticas…
“Hoje não se pode estar à vontade num restaurante, porque ao lado pode estar um “bufo” a ouvir a conversa para a ir relatar ao seu tablóide preferido. Até a factura da refeição pode ser útil para o mesmo fim. A privacidade deixou de ter qualquer respeito ou protecção”.
Marinho e Pinto sabe que por muito que uma mentira seja dita nunca chega a ser verdade. Mesmo assim vai tentando. Quem sabe se não pega. É pena. A privacidade de figuras públicas não tem lugar em lugares públicos. Se calhar é por isso que o Conselho de Ministro não é feito num restaurante.
“Os meus rendimentos, constantes da minha declaração de IRS, foram obtidos ilicitamente nas finanças e andaram a ser oferecidos a alguns jornais de Lisboa até que um deles os publicou. Tudo para tentar desqualificar-me como advogado, mostrando que, supostamente, eu ganhava mais como jornalista.”
Obtidos ilicitamente por quem? Afinal, ao que parece, não são só os jornalistas que não têm referências éticas…
“A sordidez desse tipo de jornalismo traz-me à memória um episódio ocorrido há cerca de 20 anos em que se chegou ao ponto de tentar fazer uma notícia sobre uma consulta de ginecologia de uma dirigente política, que na altura desempenhava funções governamentais”.
É sórdido. É sim senhor. Mas como os jornalistas, segundo Marinho e Pinto, carecem de referências éticas, não seria de revelar quem foram os protagonistas (com excepção da dirigente política) desse caso? Quem foram os jornalistas envolvidos? O que é feito deles?
“Tudo isso só é possível porque o jornalismo está em roda livre, sem qualquer regulação e a própria justiça, em vez de corrigir esses desvarios, coonesta-os e acaba por também recorrer a eles.”
Ora aí está. Afinal, ao que parece, não são só os jornalistas que não têm referências éticas…
“Por mim tomei já vários cuidados. Evito conversas em restaurantes, já não falo ao telefone e mesmo no meu escritório já tomei as devidas precauções. Perdi toda a confiança nas comunicações em Portugal porque a deriva fundamentalista e justiceira de muitos dos nossos magistrados mostra que qualquer pessoa pode estar sob escuta, incluindo as mais altas figuras do Estado.”
Ou seja…Afinal, ao que parece, não são só os jornalistas que não têm referências éticas…
“Por isso, não falar ao telefone é hoje um gesto tão prudente como o era no tempo da ditadura. E mesmo como advogado, já retirei do meu escritório quaisquer elementos que possam ser usados contra alguns dos meus clientes, pois é normal em Portugal fazerem-se buscas a escritórios de advogados, com mandados em branco, ou seja, com ordem para apreender tudo o que possa ajudar a incriminar os seus constituintes.”
Bem vistas as coisas, o próprio Marinho e Pinto reconhece que no pódio dos maus da fita os jornalistas nem sequer têm lugar.
* Orlando Castro, jornalista angolano-português - O poder das ideias acima das ideias de poder, porque não se é Jornalista (digo eu) seis ou sete horas por dia a uns tantos euros por mês, mas sim 24 horas por dia, mesmo estando (des)empregado.
Título anterior do autor, compilado em Página Global: SER CORRUPTO É FÁCIL, BARATO E DÁ MILHÕES
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