terça-feira, 29 de maio de 2012

A CIMEIRA INFORMAL





1 A cimeira informal que se realizou há oito dias, em Bruxelas, teve a novidade de alguém que teve a coragem de proferir um discurso diferente: o novo Presidente da França, François Hollande. Mas resultados práticos não houve. Tudo ficou em suspenso, como de costume. Embora a Senhora Merkel tivesse ficado, pela primeira vez, politicamente isolada - o que é significativo - e averbasse ao seu currículo mais uma das suas derrotas, no plano interno, desta vez num Estado muito importante: a Renânia do Norte-Westefália. Além disso, os sociais-democratas alemães (SPD) juntaram-se, mais ou menos à orientação europeia preconizada por Hollande e os Verdes também, dadas as preocupações ambientalistas (esquecidas na União há vários meses), de que Hollande tem vindo a falar como uma prioridade. Joschka Fischer, antigo ministro dos Estrangeiros, do Governo Schröder, era então líder dos Verdes, tem-na responsabilizado por estar a destruir a Europa, pela terceira vez. As duas primeiras foram as Guerras Mundiais. Com razão.

A verdade é que François Hollande sonha com um outro New Deal, à semelhança de Franklin Roosevelt, e no encontro que teve com Barack Obama tornaram-se mais do que aliados, amigos. E ao propor menos austeridade e mais desenvolvimento e luta contra o desemprego - um verdadeiro flagelo europeu e, direi mesmo mundial - ganhou simpatizantes por toda a União, da Itália à Espanha (apesar de ser um Governo PP, mas a necessidade obriga), a países como a Áustria, a Holanda, a Bélgica, a República Checa, a Eslovénia, a Polónia, o próprio Reino Unido (apesar de não pertencer à Zona Euro) e a vários outros Estados da Zona Euro, sem esquecer Portugal.

O nosso primeiro-ministro, Passos Coelho, neoliberal convicto e discípulo da Senhora Merkel, encontrou-se com François Hollande, salvo erro, em Chicago, e saiu da entrevista a defender a necessidade do crescimento económico e da luta contra o desemprego. Quem tal diria, há poucas semanas...? Mas mais vale tarde do que nunca. Embora na cimeira informal tenha sido dos raros dirigentes dos Estados membros a alinhar de novo com a isolada chanceler alemã.

Houve, contudo, um avanço importante: é que a Senhora Merkel e o Presidente francês puseram-se de acordo para não deixar cair a Grécia, sejam quais forem os resultados eleitorais. Foi um progresso importante. Porque a saída da Grécia do euro - e em consequência da União - teria um efeito de contágio imediato e arrastaria a União para uma desagregação muito perigosa.

Ora é isso que é preciso evitar. Recomendo aos meus eventuais leitores um manifesto-apelo, subscrito por Jacques Attali, ex-assessor de François Mitterand, e Pascal Lamy, diretor-geral da Organização Mundial do Comércio, publicado no Courrier Internacional, muito recente. É interessante porque reconhece - cito - que "o federalismo é a única via para evitar uma crise de grandes proporções que poderia vitimar toda uma geração". E acrescenta: "O euro não sobrevive sem um avanço político... O que implica uma governação económica e um orçamento europeu de crescimento."

De qualquer modo, é nisso que é preciso pensar: "Para sairmos da crise precisamos de ter em vista um novo paradigma de desenvolvimento." É urgente que o adotemos e que acabemos com estas repetidas cimeiras-jantares, em que os dirigentes europeus, por incapacidade ou falta de coragem, nunca resolvem nada...

2 Um livro muito original Tenho estado a ler um livro publicado em francês com um título muito original: Le monde n'a plus de temps à perdre. Em português: O Mundo não Tem Tempo a Perder. O mundo, repare-se! Trata-se de um apelo, subscrito por uma dezena de personalidades não só europeias. Cito algumas mais conhecidas: Edgar Morin, grande filósofo e sociólogo francês; Stéphane Hessel, diplomata de França e autor do livro Indignai-Vos!, publicado também em português e numa dezena de outras línguas; Richard von Weizsäcker, um humanista, antigo Presidente da Alemanha; Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente do Brasil; René Passet, economista francês; Michel Rocard, ex-primeiro-ministro francês; Peter Sloterdijk, filósofo alemão; Ricardo Lagos, ex-presidente do Chile; William vanden Henvel, diplomata americano; e alguns outros. Constitui "um apelo em favor de uma governação mundial solidária e responsável". E a razão do apelo é simples (cito): "As derivas financeiras, o desregulamento climático, o aumento da pobreza, os perigos nucleares, a degradação do ambiente... São ameaças do nosso século, por excelência planetárias. Nenhum Estado pode pretender responder só por si a tais desafios. Pior ainda: agarrar-se à ilusão de uma soberania nacional, obstinada e absoluta, representa escolher a impotência e mentir aos cidadãos. O futuro deste mundo, mais do que nunca, depende de haver uma ordem democrática global". Isto é: para além da policrise europeia, causada por uma globalização económica desregulada, vinda dos Estados Unidos, estamos a viver uma crise global, que envolve, de uma maneira ou de outra, o universo no seu conjunto. Daí a frase tão significativa do livro em questão: O Mundo não Tem Tempo a Perder. É verdade!

Não são hoje só a União Europeia e os Estados Unidos que se encontram perante a crise, com as várias dimensões com que estão confrontados. Por todo o mundo se sentem dificuldades crescentes. Por exemplo, a China - que surge agora como "um Estado crítico" -, a Índia, o Japão, o universo muçulmano, o Irão, Israel, certos países ibero-americanos, como o México, a Argentina, o próprio Brasil, apesar de ser um dos poucos Estados emergentes, para não falar de organizações internacionais, como a ONU. A globalização financeira e económica, desregulada - note-se -, trouxe-nos isso tudo, legando-nos, em contrapartida, um capitalismo de casino, que só serve os grandes magnatas e os mercados usurários. É contra isso que temos de provocar uma rutura, se quisermos deixar, aos humanos de todos os continentes, uma nova esperança e um futuro melhor.

3 Um dia em Castelo Branc. Há algum tempo que não ia, com olhos de ver, a Castelo Branco, a capital da Beira Baixa. Passei algumas vezes apressadas, a caminho da Guarda ou de Espanha. Fui na última sexta-feira - passei lá um dia inteiro - e fiquei encantado com o desenvolvimento da cidade. Está a ser gerida por um presidente de câmara de exceção, de quem sou amigo, há muitos anos, Joaquim Morão, que transformou a cidade e a fez crescer, com gosto, inteligência e bom senso. Foi ele, aliás, uma das pessoas que me convidaram para visitar Castelo Branco. Mas não só. Também Fernando Paulouro, diretor do Jornal do Fundão - que é um dos jornais regionais mais conhecido e lido em Portugal -, que teve a gentileza de me ter convidado para o lançamento de um livro seu, intitulado Crónicas do País Relativo, Portugal Minha Questão. Um livro que dedicou à memória do seu tio, o fundador do jornal, António Paulouro, de quem fui amigo, nos ominosos tempos da ditadura e que teve, depois do meu regresso da deportação, em São Tomé, a coragem de editar, em 1969, um livro meu a que chamei Escritos Políticos, que teve quatro edições. Fiquei-lhe sempre muito grato.

O livro ora publicado por Fernando Paulouro compila artigos publicados no Jornal do Fundão e outros textos de grande oportunidade, desde 2000. É um livro de extremo interesse que cobre bastantes anos desde 2000 a 2012, com fina inteligência. Como disse em Castelo Branco, no Salão Nobre, apinhado de gente, da Câmara Municipal, vale a pena lê-lo e meditá-lo. Como salientou igualmente, com grande lucidez e humor, outro dos apresentadores, António Valdemar.

Também visitei, a convite do doador, o Museu, que tem o nome do artista Manuel Cargaleiro, acabado de inaugurar. É um Museu de grande beleza e que muito me impressionou sobretudo porque fui acompanhado e elucidado, peça a peça, pelo doador.

Sou amigo há muitos anos de Manuel Cargaleiro. Foi ele que me apresentou, quando estava exilado em Paris, a Maria Helena Vieira da Silva e ao seu marido, Arpad Szenes. Devo-lhe isso e não me esqueço nunca. Possuo também algumas peças de Cargaleiro que lhe comprei em bom tempo e outras que teve a amabilidade de me oferecer. Mas, apesar de conhecer razoavelmente a sua obra, fiquei encantado com a qualidade do que está exposto no Museu - pintura, azulejaria, cerâmica e tapeçaria -, da sua autoria e também obras de amigos seus, grandes artistas de várias nacionalidades e de populares e anónimos. De sala em sala e de andar em andar - passando pela biblioteca, igualmente doada por Cargaleiro, o Museu tem dois edifícios e um enorme Arquivo, tendo sido um palácio do século XVIII que se transformou num moderno e belíssimo Museu, encostado às muralhas do Castelo e com uma vista surpreendente sobre a cidade e o seu termo.

O Museu Cargaleiro é hoje uma das grandes atrações de Castelo Branco. Quando na sexta-feira o visitei estava imensa gente, incluindo turistas estrangeiros. Além do doador e sua mulher estava o presidente da Câmara, Joaquim Morão, e ainda o Dr. Tomaz Correia, da região, que é um dos diretores do Museu. Além da jornalista Fernanda Gabriel, que cobre o Parlamento Europeu para a televisão portuguesa e que é natural de Monsanto, a aldeia considerada a mais portuguesa de Portugal, onde tem, com o seu marido, jornalista britânico, Jack de seu nome, uma bela casa em construção.

Castelo Branco proporcionou-me um dia inesquecível, rodeado de bons amigos, alguns que não via há muitos anos. Recebi ainda a dádiva de dois belíssimos catálogos do Museu Cargaleiro, da autoria do meu amigo Henrique Cayatte.

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