domingo, 20 de maio de 2012

“GOSTO DE TI`MOR. E POR TI FAÇO TUDO”




Selecionar um texto que não nos pertence para integrar na singela atitude de regozijo e comemoração do 10º aniversário de independência de Timor-Leste parece fácil, é cómodo, não dá trabalho. É verdade.

Mas também é verdade que para além de Timor-Leste e dos timorenses mais humildes e que resistiram às forças ocupantes, muitos outros, apesar de estrangeiros, merecem que aqui rendamos homenagem recordando-os como uma mole imensa de cooperantes solidários pela reconstrução do país. Acreditamos que a maioria são portugueses. Desde professores até aos que asseguraram e asseguram a consolidação da segurança daquele povo tão vilipendiado durante quase três décadas, os militares da GNR, os “Bravo” da força portuguesa da paz e da ordem integrada na missão da ONU.

Para além disso há os jornalistas e o coletivo das equipas de televisão, principalmente, que desde a primeira hora consentida, desde 1999 para o referendo, se instalaram em Timor-Leste e por lá ainda estão numa delegação de missão da RTP. E há a Agência Lusa que partilha com a RTP instalações em Díli e que ao longo de todos estes anos tem enviado para Portugal e para o mundo noticiário sobre Timor-Leste. Têm sido muitos os profissionais que por lá têm passado e levado para Portugal Timor-Leste no coração, pelas alegrias e pelas mágoas… e pelo amor.

Precisamente de amores e desamores, de pessoas agradavelmente perdidas nos novos aromas, sabores, luz, cores, clima, fauna e flora, também a Agência Lusa tratou e com os leitores partilhou. É exatamente esse texto que aqui trazemos dez anos passados, da autoria de António Sampaio, jornalista da Agência Lusa. Explicava ele há dias no Facebook, de onde “desenterrámos” a lauda, que tinha escrito “muitas coisas sobre Timor. Muitas mesmo. Mas nenhuma suscitou tanto interesse como esta. Que chegou a ter incluídas propostas de alguns senhores fardados estilo... "vou-te aviar a marmita". Deixo-vos uma prosa de 2000. A poucos dias do 10 de Junho. Que o então comandante do contingente português em Díli decidiu imprimir, ampliada, e colocar num cartaz ao lado dos das celebrações do 10 de junho, sob o título, "Amor É"....”

Depois desta nossa caça no fundo do baú é tempo de ler o artigo com dez anos que consideramos um hino às profundezas de atitudes e dos sentimentos daqueles que em Timor-Leste despertaram para coisas novas, quase que renascendo, que viraram as suas vidas rumo aos antípodas não só geograficamente mas em muitos outros aspetos. Que se apaixonaram… Olhem, leiam o texto. Pela nossa parte só resta agradecer aos que têm participado na reconstrução de Timor-Leste, reconstruindo-se a eles próprios, não se livrando do amor em Timor nem do amor a Timor. É de amor, de muito amor, que Timor-Leste precisa. (AV-ALM)

Timor-Leste: “Gosto de ti ‘mor. E por ti ‘mor faço tudo”

Por António Sampaio, da Agência Lusa

Díli, 06 Jun (Lusa) – Oito meses depois da violência que destruiu Timor-Leste, o território é agora um turbilhão de emoções com dezenas de amoricos, paixões e grande amores quer entre as comunidades estrangeiras quer entre estes e os timorenses.

São dezenas de casos, debatidos diariamente quer pelos próprios quer pelos amigos e colegas que na ‘aldeia’ que é Díli, de óculos escuros na cara, vêm passear os casais.

E eles lá vão, de mão dada, passeando com o prateado do mar de fim de tarde e o pôr do sol a brincar com sombras nas colinas.

Ele de camuflado, ela de t-shirt branca com um qualquer símbolo de uma organização não-governamental na lapela.

Casados, talvez. Divorciados, ainda não. Solteiros, porventura. Seja como for estão juntos. Conheceram-se em Timor e se não houvesse mais nada, se pudessem esticar as missões por tempo indefinido, se calhar continuariam assim. De mão dada a caminhar para a Praia da Areia Branca.

Caminhando e sorrindo, param numa placa onde um soldado deixou uma declaração de amor. Um pedido de casamento feito à colega de tropa a quem não teve coragem de pedir senão aqui.

Timor-Leste tem destas coisas. Na aldeia estrangeira em que todo o território se tornou, onde as cuscuvilhices e as conversas de esquina e de café se multiplicam e onde todos se conhecem, o maior tema de debate é o amor.

O cupido das florestas do Ramelau aproveitou o caos da guerra e da confusão para distribuir flechas por tudo quanto é sítio. Diariamente caiem mais, sucumbidos à precisão de quem por certo treinou com as Falintil.

Amores que atravessam ruas – vizinhos que se encontram aqui – países ou continentes. Que ultrapassam as pressões religiosas, aqui bastante mais ténues, ou que ignoram nacionalidades, fazendo vingar a paixão.

Aqui há uns meses nada disto era assim. As equipas que aqui estavam eram quase famílias, comungando de tudo desde a comida às camaratas. Mas as missões alongam-se. O que ficou, fica mais distante. Os espaços de convívio multiplicam-se. As refeições passam a ser menos em grupo e mais a dois.

O calor, as praias, a saudade, o pouco para fazer, a insularidade, as necessidades físicas e as carências emocionais.

Tudo se funde num turbilhão tropical, entre as paredes destruídas, a falta de privacidade e os mosquitos – ou a problemática de desprender a rede mosquiteira dos colchões, na fúria do momento.

Sem psicólogos, cientistas sociais ou especialistas à mão, explicações sobre os motivos de tanto amor não passam de suposições e ilações tiradas à desportiva na mesma mesa do café onde se acabou de confirmar que o outro anda com a outra. E que o coiso ainda anda com a coisa.

Uma das explicações será porventura a natureza do terreno. Apesar de muitas melhorias, Timor-Leste continua a ser um local adverso, marcado por condições difíceis, especialmente no campo do lazer e da vida privada.

Dizem os livros que a adversidade une as pessoas e se tal for verdade, está explicada a grande quantidade de uniões que por aqui abundam.

Igualmente influente, consideram os licenciados em bicas, é o drama pessoal de muitos que escolhem este tipo de missão. A fugir das suas vidas privadas ou profissionais, partem para o estrangeiro. Missões humanitárias em que se esperavam salvar também a si próprios.

Depois surge o argumento da distância. O das carências afectivas e das necessidades de se ser mais ou menos jovem. O da aventura.

A explicação final pode ser simplesmente cultural. É que Timor-Leste, contam alguns timorenses, sempre foi um lugar de grandes amores. Talvez aí se explique as grandes famílias.

Havia nudismo, em pelo menos duas praias em Díli e numa terceira nas costas da ilha de Ataúro.

Os casais passeavam de mãos dadas. As zonas mais concorridas para os namoricos era as duas praias nos extremos da cidade: Areia Branca e os Coqueiros. Hoje o percurso à beira mar que as liga é interrompido por períodos ainda fechados com arame farpado, mas a influência do passado ainda sente.

E as histórias são de facto muitas.

Como a do apaixonado de Lospalos que caiu de bruços por uma timorense local. A coisa tornou-se séria e o jovem apaixonado, qual Romeu da Ponta Leste, vá de pedir a mão da donzela ao pai da dita cuja.

Aceita-se um preço – 75 búfalos – e o jovens aceitam viver felizes para sempre.

Há a história do militar português que se apaixonou pela funcionária humanitária australiana. Quem os via julgaria terem sempre sido um casal. Era impossível pensar num sem ver o outro.

Depois ela disse que daqui a uns meses ia à Europa, passar férias. Quer ficar um mês em Lisboa. Onde vive o militar. E a sua mulher.

Ele são bancários e médicas, mais bancários e enfermeiras. Ele é paraquedistas a cair em queda livre por militares de pernas grossas da vizinha Austrália. Ele são fuzileiros a quem o amor atinge intensamente.

Ele são funcionários da ONU a colaborarem para estabelecer melhores laços entre os vários departamentos que profissionalmente mal se conhecem. Empresários e empregadas.

Amores construídos depois de muitas horas de conversa ou após uns saltos ao som do samba que tocam às vezes na discoteca do Olympia, o barco ancorado em Díli que serve de casa a muitos da ONU.

Os ventos da paixão até levam jornalistas.

Jornalistas que se apaixonam por GNRs e estes que dizem “saudades” das jornalistas. Outros que preferem outras fardas, as dos PSP, talvez por o azul claro ser mais condizente com a beleza natural destas costas.

Ou os jornalistas que se apaixonam entre si. Que dão as mãos secretamente quando pensam que os restantes colegas estão mais distraídos ou que só reparam nas ‘notícias’.

Romances que começam com um espinho no dedo do pé, que é preciso tirar com jeitinho e massagens para que não se faça cócegas.

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