terça-feira, 22 de maio de 2012

GRÉCIA: UMA CRISE TERMINAL



Luiz Gonzaga Belluzzo - Carta Capital – Opera Mundi

É provável que a crise não atingisse tais culminâncias se as autoridades europeias tivessem admitido a reestruturação ordenada da dívida

Diante dos riscos de o país abandonar o euro, os capitais escapam da Grécia. Assustados com o possível retorno do dracma e no afã de proteger o valor de suas reservas líquidas e de seu patrimônio, os investidores – cidadãos e empresas – sacam dos bancos locais os depósitos e transferem as aplicações ainda denominadas na moeda única.

Na maioria dos casos, a grana corre para a Alemanha. Aí o dinheiro dos gregos dá impulso à valorização dos títulos alemães – os bunds – e engorda os depósitos dos bancos. Em 2011, o balanço de capitais da Grécia fechou o ano com saldo negativo de 35,4 bilhões de euros. Só na segunda-feira 14 escaparam 800 milhões. Os bancos gregos, sôfregos de liquidez, buscam amparo na ajuda financeira do Banco Central Europeu, que não parece disposto a dar mais fôlego para os trôpegos. O argumento é o de sempre: numa situação de desconfiança sem remissão, o salva-vidas vai funcionar como salvo-conduto para a fuga de capitais. Por isso radicaliza-se o debate sobre a conveniência de se permanecer na moeda única ou cair fora da “prisão” que, na opinião de muitos, impede a “liberdade” das desvalorizações cambiais.

Na introdução do euro, poucos economistas – europeus ou não – alertaram para as dificuldades da construção de um espaço monetário comum na ausência de um pacto federativo e da criação de um sistema de transferências fiscais. Desde os mercantilistas até os fundadores da moderna economia política, os sistemas monetários se desenvolveram (aos trancos e barrancos) entre as duas dimensões incontornáveis da vida econômica moderna: 1. A universalização mercantil que impõe o dinheiro como forma abstrata do valor e da riqueza. 2. O âmbito jurídico-político onde se abrigam a cidadania e seus direitos definidos pela soberania dos Estados Nacionais. A concomitância entre a expansão do mercado e a soberania dos Estados Nacionais acentua as contradições entre o poder do príncipe, o exercício do poder fiscal e monetário em seu território e as exigências mercantis e capitalistas de uma ordem econômica dominada pela produção de riqueza abstrata.

Philip Stephens, colunista do Financial Times, pegou o espírito da coisa: “A Grécia navega entre Sila, a depressão imposta pelos credores, e o caos de Caríbdis, o repúdio da dívida, o caos da saída do euro”. Nesse momento, entre as duas instâncias da vida econômica e social (a produção de riqueza abstrata e as regras da convivência cidadã e civilizada) não há mediações, mas apenas o calor produzido pelo atrito.

A direita europeia nacionalista não tem dúvida: pretende voltar atrás e retornar imediatamente às moedas nacionais enquanto expressão da soberania. Já os universalistas, defensores do euro, consideram a proposta de saída da moeda única um recuo imperdoável que levará a consequências nefastas, tal como a guerra de desvalorizações competitivas e o mergulho no caos monetário e fiscal.

Como escrevi tempos atrás, as correntes radicais do sindicalismo sugerem chutar o pau da barraca: 1. Anunciar o default e propor a reestruturação da dívida. 2. Nacionalizar os bancos e as companhias de seguros. 3. Desmantelar os mercados de securities e de derivativos. 4. Controlar duramente os movimentos de capitais.

A Hélade vive os tormentos de uma crise terminal. A crueldade que atormenta há quatro anos os assalariados dos setores privado e público, submetidos à tirania de uma austeridade que só agravou o problema, ameaça agora se transmutar numa colossal desvalorização da riqueza. A evolução da crise demonstra seu caráter impessoal: as tentativas individuais de proteção e a “fuga para qualidade” jogam o jogo da destruição da riqueza coletiva.

Por isso, na área monetária unificada, a Grécia não estará só em suas desventuras. Espanha, Itália, Portugal, vulneráveis, também sofrerão de maneira aguda os efeitos da derrocada grega. Na quarta-feira (16), o prêmio de risco da Espanha, por exemplo, calculado sobre os rendimentos dos títulos alemães de dez anos, chegou a 500 pontos. Para juntar desgraças ao infortúnio, a corrida bancária e a fuga de capitais chegaram à Ibéria, ameaçando a solvência das instituições grandes, médias e pequenas.

É provável que a crise não atingisse tais culminâncias se as autoridades europeias tivessem admitido a inevitabilidade de uma reestruturação ordenada da dívida e do controle público do sistema bancário. Teriam, assim, mitigado as agruras da recessão e bloqueado o avanço contagioso da crise financeira. Trata-se de um caso de psiquiatria política: a opção mesquinha por fazer pouco e devagar – too little, too late – transformou-se numa reação avassaladora do tipo too much forever.

*Artigo originalmente publicado no site da Carta Capital

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