terça-feira, 8 de maio de 2012

Moçambique: Ignorância e salários “miseráveis” limitam a liberdade de Imprensa



Verdade (mz)

Jornalistas ouvidos pelo @Verdade denunciam como “ameaças” à liberdade e ao pluralismo da Imprensa a debilidade financeira dos media, a ausência de uma lei de acesso à informação e os salários “míseros” que são a regra na classe.

Borges Nhamirre, chefe de Redacção do Canal de Moçambique, afirma que “a lei diz que temos liberdade. Porém, a ausência de lei de acesso à informação limita a liberdade de Imprensa”. Contudo, “os relatórios de avaliação internacional equiparam Moçambique ao Brasil e ainda assim é complicado falar de uma liberdade efectiva”. Emídio Beúla, jornalista do Savana, tem uma opinião diferente. Ou seja, “o problema não é da liberdade, mas dos constrangimentos que ela encerra”.

Beúla fala de um dilema que os media vivem. “Se, por um lado, as empresas jornalísticas denunciam certos males, por outro, têm de proteger os seus negócios”. Matias Guente, repórter e do Canal de Moçambique, afirma que a liberdade de Imprensa através do seu quadro legal é “manifestamente tolerante” pese embora “os órgãos que deviam garantir o exercício dessa liberdade sejam liderados por pessoas indicadas pelo chefe do Estado”. O que coloca uma questão: “como é que este indivíduo garante a liberdade sendo ele subordinado do chefe do Governo que os jornalistas devem questionar?”

Por outro lado, Guente compreende que é difícil estabelecer uma fronteira discursiva entre o Conselho Superior da Comunicação Social e o Sindicato Nacional de Jornalistas.

O que, de alguma forma, condiciona o exercício da liberdade de imprensa, “ainda que o nosso quadro legal seja o melhor de toda África Austral”.

Sustentabilidade

No que diz respeito à sustentabilidade dos órgãos de informação, sobretudo os privados, os jornalistas denunciam a ausência de uma lei de publicidade clara. “O país não tem nenhuma lei. Rege-se por regulamentos que nem o próprio Estado cumpre”.

Beúla questiona o critério de atribuição de publicidade aos órgãos de informação. “O que determina a distribuição da publicidade?”. Guente vai mais longe: “o único critério não é o nível de alcance ou circulação de um órgão, mas a linha editorial dos órgãos de informação”.

Borges Nhamirre afirma que “não há meios por culpa do Estado”. Ou seja, “em Moçambique tudo está falido. Até o próprio Estado cujo orçamento tem como base o apoio de doadores”. Porém, “a única área onde é legalmente proibida a entrada de investimento estrangeiro é a Imprensa”. Isso não só, diz, limita a sustentabilidade dos meios de informação como reduz ao máximo a possibilidade que estes têm de monitorar e fiscalizar o trabalho do Governo.

Ignorância vs vulnerabilidade

Os jornalistas ouvidos pelo @Verdade são unânimes em afirmar que os salários condicionam o trabalho da Imprensa e que os mesmos são muito baixos. Porém, reconhecem que o carácter e a ignorância limitam a capacidade de questionar dos profissionais de comunicação social.

“Se é verdade que os salários geram vulnerabilidade e reduzem a qualidade,não é menos verídico que a autocensura nasce da ignorância”, diz Beúla.

Há, diz, reportagens baseadas numa análise crítica que eu vejo publicadas na Televisão de Moçambique. Por outro lado, “vejo outras que têm como pano central a figura do chefe de Estado. Os colegas afirmam que fazem isso por ordens superiores, mas eu não acredito que circulou um aviso proibindo o raciocínio. Julgo que a sua ausência deriva da incompetência, mas as pessoas escudam-se nela para justificar a sua letargia. Se isso fosse verdade todas as reportagens da TVM seriam um deserto no que diz respeito ao acto de questionar. O que, diga-se, não é verdade”.

Ou seja, “o jornalista Brito Simango não teria espaço na TVM se existisse um regulamento extirpando a crítica. Ele é a prova inequívoca de que sempre é possível encontrar formas de questionar quando há inteligência para tal. Talvez seja isso que falta ao SNJ e ao CSCS.”

Por outro lado, Beúla diz que “há um fronteira muito ténue entre ofender e questionar” que muitas vezes é confundida pelos órgãos que se dizem independentes. Ou seja, “a calúnia e a difamação andam de braços dados com alguns órgãos de informação”.

Guente pensa que a ausência de pessoas que dominam o direito e a economia também enfraquecem o jornalismo. Isso, diz, deriva do facto de os salários serem baixos. Ou seja, um pessoa com competências em direito abraça, regra geral, uma área que oferece salários mais atractivos.

“Qual é o jornalista que tem competência para ler com profundidade o Orçamento do Estado? Quem pode fazer uma entrevista séria ao ministro das Finanças? Ninguém,” diz. A razão é simples: “uma área que oferece salários míseros vive uma grande mobilidade de mão-de-obra”.

Na percepção de Guente tal deriva do facto de grande parte dos proprietários dos órgãos de informação ter partilhado os mesmos locais de trabalho. “Pensam da mesma forma por terem trabalhado juntos.

Isso é que cria resistência à mudança e até ao acesso às novas tecnologias de informação”. Victor Bulande, chefe de Redacção do @Verdade, chamou ainda a atenção para a ameaça ao emprego dos jornalistas e ao número de jornalistas despedidos nos últimos anos. “Isto significa que as empresas estão a fazer informação com menos profissionais, ou seja, menos olhos, menos ouvidos”, disse.

Na opinião de Bulande, as empresas tendem a utilizar a mesma informação feita pelo mesmo jornalista em vários órgãos de informação e “isso reduz a diversidade informativa”.

“É preciso convencer as empresas de que o seu futuro, o futuro da sua credibilidade depende também da capacidade de produzir informação diversificada, plural e de qualidade e isso faz-se contratando mais jornalistas e não despedindo jornalistas com memória e experiência como tem acontecido”, disse.

Segundo Bulande, a conjuntura exige uma “informação qualificada que explique aos cidadãos o que está a acontecer, que mostre aos cidadãos que continua a valer a pena ler jornais, ouvir rádio e ver televisão”.

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