sábado, 26 de maio de 2012

PELAS RUAS DA AMARGURA




Manuel Tavares – Jornal de Notícias, opinião

A velocidade de circulação do capital, ou seja, da tomada de decisão sobre negócio, tornou-se supersónica. Sobretudo quando comparada com a tomada de decisão política. Por muito que devamos exigir aos decisores políticos, mesmo os de maior peso internacional, vamos ter de tomar consciência de que o mundo da política, tal qual o conhecemos, mexe-se a passo de caracol. E que este passo torna a oportunidade das decisões políticas por vezes irrelevante. Não é inimaginável que a senhora Merckel e o senhor Holande tomem um determinada decisão sobre eurofinanças e no justo e retemperado sono da noite do mesmo dia algures um, dois, três "players", em "on line", inutilizem, ou utilizem indevidamente, a bondosa solução política, seja ela do mais alto nível.

O problema da inadequação do passo de caracol da política à velocidade supersonica a que viajam os capitais vai ter de ser encarado muito rapidamente, sob pena de se casar em comunhão de bens com o problema do comércio mundial dominado pelas máfias e colocar os regimes democráticos em ponto de crise tamanha que a ideia de ditadura ganhe a força de um mal menor.

Com os regimes democráticos do mundo capitalista nesta encruzilhada, pequenos países como o nosso, pequeno em população e em território, tornam-se palco de todos os piores sinais deste descontrolo. Não porque sejamos piores que os outros, mas porque é mais fácil o contágio. E, é claro, muito mais fácil quando, anos e anos de história, primeiro fascista, depois democrática, criaram um Estado tentacular e asfixiante, do qual se esperam todos os favores e benesses para uns quantos primos mais próximos, à custa dos primos mais afastados. Sim, porque quem é que não é primo de alguém num país tão pequeno quanto o nosso?

A manchete desta edição do JN não podia ser mais significativa da confrangedora fragilidade a que chegaram alguns setores do aparelho de Estado, que, denegando a função de zelarem pelos interesses da Nação, trabalham afincada mente a favor dos interesses de alguns.

Com um Estado frágil, o pior que pode acontecer é que idêntica fragilização ocorra no aparelho mediático. Ou seja que a comunicação social possa ser associada às batalhas que os interesses privados travam no interior do aparelho de Estado.

A rede internacional de lavagem de capitais com fuga ao fisco, identificada na operação Monte Branco, é tipicamente o caso em que as fragilidades do aparelho de Estado se podem tomar de amor à primeira vista pelas fragilidades do aparelho mediático. E já há um enorme sinal desse romance: a velocidade de circulação das notícias tornou-se superior à velocidade das investigações policiais.

O JN tudo fará para preservar os seus leitores desses amores de conveniência.

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