Manuel Maria Carrilho – Diário de Notícias, opinião
Desde 1974 que a semana entre o 25 de Abril e o 1.º de Maio se tornou particularmente reveladora do estado da Nação. Como se concentrassem nela expetativas e dificuldades, tensões e esperanças que andam dispersas durante o ano, e sobretudo como se se esperasse sempre dela uma qualquer palavra mais decisiva, uma qualquer ideia mais inspiradora.
No 25 de Abril é o Presidente que costuma suscitar maior atenção, no 1.º de Maio ela dispersa-se pela esquerda, com destaque para o PCP e a CGTP. Mas o que desta vez marcou a semana foi, contudo, a confirmação do carregado horizonte de chumbo que se abate sobre o País. Trinta e oito anos depois da consagração dos três "d" - a democracia, a descolonização e o desenvolvimento -, o que caracteriza hoje a situação do País são três "d" muito diferentes: a descredibilização dos partidos políticos, a desvitalização da democracia e a desqualificação dos portugueses.
Descredibilização dos partidos que se concentram na reprodução do seu poder e dos seus eleitos, desvitalização da democracia reduzida aos seus mínimos formais, desqualificação dos portugueses que continuam na cauda da Europa com níveis de educação que continuam a ser a nossa maior condenação: em 2010, só quatro em cada dez trabalhadores, e dois em cada dez empresários, tinham o secundário completo, quando a média europeia é de oito e sete, respetivamente.
E os protagonistas mostraram não estar à altura das circunstâncias. Os "militares de Abril" deram o sinal, com um manifesto inepto e um comportamento impróprio, a revelarem inesperadas dificuldades de compreensão do que é a legitimidade democrática. Em vez de funcionar, como certamente esperavam os seus promotores, como um incentivo à mobilização dos cidadãos, o "manifesto" foi apenas mais um sintoma de perturbação, que se veio juntar à multidão dos que já conhecemos.
Por sua vez, na habitual sessão parlamentar evocativa do 25 de Abril, os partidos políticos revelaram-se incapazes de se libertarem da lengalenga dos rituais há muito desagastados, enquanto o Presidente da República confirmou o seu perfil cada vez mais ziguezagueante, incapaz de recuperar o registo de uma magistratura mobilizadora.
Assim, no ano em que o País vive a maior e a mais intensa crise desde 1974, na verdade acabou por não haver qualquer "discurso de 25 de Abril", porque ninguém foi capaz de o fazer. Foi esta a novidade do ano: o silêncio mais ou menos embatucado da nossa elite política.
O Presidente optou por fazer, ao contrário do que o País sente, e sobretudo precisa, um inesperado discurso de deslumbramento otimista sobre o estado da Nação, a revelar não só um preocupante desajuste da realidade, mas também uma evidente incoerência relativamente a outros diagnósticos seus, feitos há não muito tempo e que - até pelas consequências que tiveram! - os Portugueses ainda têm bem presentes. Sem falar da incómoda mescla de provincianismo e de oportunismo com que destacou muitos dos exemplos escolhidos.
Esperança foi pois portanto um tópico que nestes dias só se ouviu a quem tenha os olhos postos em França e nos resultados das eleições presidenciais do próximo domingo. Mas a haver - como tudo indica - mudança, essa esperança vai exigir uma talentosa combinação de utopia e de realismo, de audácia e de competência.
Só assim será possível enfrentar os desafios tremendos que aguardam o novo Presidente e a sua equipa. Destaco apenas dois: em primeiro lugar, o do esgotamento do modelo "ocidental" de crescimento a crédito que marcou as últimas décadas. Modelo para o qual, contudo, não se dispõe de momento de nenhuma alternativa estruturada e credível. Basta olhar com um mínimo de lucidez para a súbita - "et pour cause!"- conversa dos últimos dias sobre crescimento euro- peu, para se perceber que tudo não passa de tagarelice à procura de mais crédito!...
Em segundo lugar, o da exaustão do modelo político da "fuga em frente", que conduziu a Europa ao atual estado de inação e de impasse face à crise. E, também aqui, não se dispõe de alternativas que pareçam viáveis, uma vez que todas as "saídas" de que se vai falando relevam, justamente, do mesmo mal. A começar pelo federalismo, de que todos falam mas que ninguém define, como era vital que se fizesse, enquanto a generalidade dos povos o rejeita cada vez mais, preferindo-lhe soluções nacionais.
Tudo isto permite um vislumbre de esperança, não mais. Pode parecer cético, mas não é - e vamos todos perceber melhor porquê, a partir da próxima 2.ª-feira.
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