domingo, 17 de junho de 2012

A AMPLA CIDADE



Rui Peralta

Pilhagens

Em 1943, na Suécia, foi fundada uma empresa chamada IKEA, que é hoje uma multinacional no sector de mobílias, com mais de 300 pontos de venda espalhados pelo mundo. O slogan da IKEA é: “Amamos a madeira” e de facto 60% dos seus produtos contêm madeira. Vinda de onde vem, da Suécia, é claro que a IKEA é uma empresa preocupada com o meio ambiente, a responsabilidade social, essas coisas todas do politicamente correcto e responsável, que não passa de uma real hipocrisia, mas que é, actualmente, a cultura dominante. A IKEA tem uma subsidiária, a Swedwood, que é a fornecedora da matéria-prima que a IKEA ama: a madeira.

Recentemente a televisão pública sueca apresentou uma reportagem onde demonstra que a Swedwood (a subsidiária da amiga do ambiente, IKEA) corta cerca de 600 hectares de bosques por ano no norte da Carélia russa. Como resultado desta práctica depredatória apenas 10% dos bosques primários sobreviveram nesta região russa. Estamos a falar de uma região que tem árvores com 600 anos, afectando de forma irremediável os ecossistemas florestais desta vasta região, que se estende pela Finlândia. A cintura dos bosques virgens da Carélia cumpre funções fundamentais na captura de enormes quantidades de dióxido de carbono e aloja milhares de espécies únicas de fauna e flora.

Mas toda esta operação de rapina dos recursos naturais tem a certificação internacional da FSC (Conselho de Administração Florestal) identidade responsável pela gestão dos bosques. Perante a perplexidade dos repórteres da televisão pública sueca, o responsável da FSC na Rússia, Andrei Ptichnikov, declarou que não seria realista levar á letra todas as normas impostas pela FSC, pois isso implicaria que nenhuma empresa estaria em condições para operar nos bosques virgens. “A Swedwood foi, em 2006, a primeira empresa certificada pela FSC na Carélia” continuou o responsável russo da FSC, “e a Swedwood opera melhor que qualquer outra empresa”.

Pois…só que o responsável russo da FSC esqueceu-se de referir o resto. De 2000 a 2006 os lucros brutos da IKEA foram de 30 mil milhões de dólares e de 2007 a 2010 foram de outros tantos 30 mil milhões de dólares, ou seja, duplicaram, mesmo num mercado internacional em crise grave. Foram para isso que serviam os bosques da Carélia.

Bem, chegou a altura de voltar ao pergaminho que encontrei dentro de uma garrafa, na praia. É assim:

“Esta manhã o sol abriu entre murmúrios quentes. (Não sentes? São beijos meus nos lábios teus!) E Cupido sorriu...

Ver o brilho das águas do rio. Sonhar com os beijos e acordar com a serenidade do rio, a tranquilidade das águas brilhantes, os peixes que saltitam, os pássaros, os lagartos, as aves, os barcos...Todo o sabor do rio nos lábios... Amanhece e o rio desperta o brilho na água. O sol aquece a minha alma encoberta pela bruma da mágoa.

Despertar no rio e ver o rio despertar...E subir o rio...Acordar melancolicamente saudoso de corpo, de pele castanha, de lábios que sabem a mel e morango. Remar, navegar o rio sem regressar. Aquela tranquilidade...A ausência infinita… A serena inquietude...”

A tranquilidade e a inquietude… O tema seguinte chama-se REPSOL. Esta é outra empresa que pratica a responsabilidade social, amiga do ambiente, dos povos, dos trabalhadores, dos consumidores, da excelência e um nunca mais acabar de virtudes, que deixariam qualquer filósofo grego clássico envergonhado por não terem levado em conta tantos pressupostos virtuosos. Aliás o cuidado da imagem corporativa das grandes empresas energéticas é um assunto de relevo que permite manter tanto os consumidores, como os seus accionistas, numa postura pouco critica no que toca às actividades destas empresas.

A desinformação - feita através de informes, publicidade, instrumentalização politica e ambiental – é uma práctica em que a REPSOL é exímia. Esta empresa goza de uma grande impunidade nos mercados em que opera, podendo as suas especialidades serem descriminadas da seguinte forma:

- Privatizações irregulares. Exemplos: 1) Bolívia. Privatização da Andina, adquirida gratuitamente pela REPSOL. 2) Argentina. Privatização da YPF, cujas reservas foram rebaixadas para reduzir o preço por accão. Adquirida, por esse motivo, por um valor bastante abaixo do valor de mercado.

- Politica de preços. Utilização de prácticas monopolistas na Argentina e Peru, para aplicar preços sobrevalorizados nos combustíveis.

- Passivos ambientais. Derrames em Espanha, Argentina, Brasil, Bolívia, Equador, Peru e Colômbia. Contaminação atmosférica nas refinarias de Tarragona, Cartagena, Muskiz e Luján de Cuyo (Argentina).

- Danos causados á saúde pública. Argentina, contaminação de águas em Loma de la Lata, afectando de forma grave as comunidades mapuches de Kaxipayin e Paynemil. O caso foi levado á Corte Interamericana de Direitos Humanos, sendo a REPSOL condenada. Foram revelados casos similares de contaminação das águas no Peru, Equador e Espanha.

- Invasão territorial. A REPSOL está presente em numerosos territórios indígenas sem consultas prévias adequadas, na Bolívia, Argentina, Peru, Equador e Colômbia.

- Presença não controlada em áreas protegidas. Exemplos: Reserva da Biosfera Norpatagónica, Argentina; Reserva da Biosfera de Pilon Lajas, Bolívia, Reserva Comunal de Ashaninka, Peru; Parque Nacional Yasuní, Equador e Parque Nacional da Sierra Nevada del Cocuy, Colômbia.

Este quadro justifica o restante historial da REPSOL. Presente, para além dos países atrás referidos, também na Líbia, Argélia, Egipto, Nigéria, Cazaquistão, Guiné Equatorial e Serra Leoa, para além dos mercados europeus, canadiano e norte-americano, asiático e do Pacifico, pioneira nas areias betuminosas e técnicas não convencionais de petróleo e gás, perfuração de poços em águas profundas no Brasil, Canárias e Tarragona, tendo em 2011 uma produção diária de perto de 300 mil barris, o que equivale a uma emissão diária de aproximadamente 133 mil toneladas de dióxido de carbono. Tem a sua sede em Espanha, embora esta não seja a nacionalidade da grande maioria dos seus accionistas e conta com 13 filiais, todas elas localizadas em paraísos fiscais. O CEO da companhia auferiu de um vencimento, em 2011, de 7 milhões de euros e o conselho directivo auferiu um total de salários, no mesmo ano, na ordem dos 16 milhões de euros, contra 11 milhões em 2010 e 10 dos seus principais executivos receberam um total de 18 milhões de euros em salários, gozando de um aumento de 44% em relação a 2010.Mas estes números são só para os altos quadros dirigentes. No que respeita aos trabalhadores a REPSOL está a diminuir salários e postos de trabalho (é a crise mundial).

Lambendo as feridas sofridas na Argentina, a REPSOL foi recebida no México, de braços abertos e com lágrimas de indignação pelos maus tratos sofridos na Argentina. O México é um velho amigo da REPSOL. Em 2003 esta obteve uma concessão de exploração e perfuração de uma estação de gás em Cuenca de Burgos. O concurso foi convocado pela estatal Petróleos Mexicanos (PEMEX), possuidora, actualmente, de 9,49% das acções da REPSOL. O outro contracto foi acordado em 2007 com a empresa estatal CFE, sobre os reservatórios de gás natural no centro e no oeste mexicano.

Cuenca de Burgos é o maior reservatório de gás mexicano. Envolve uma cadeia de municípios nos estados de Nuevo León, Tamaulipas e Coahuila, com 2879 poços de gás, operativos, e uma produção média de 1344 milhões de pés cúbicos dia, em 2011. A zona entregue á REPSOL tem uma área de 3500 km quadrados e uma reserva de 57 mil milhões de pés cúbicos de gás. Já o contracto de 2007 com a CFE, num valor de 15 mil milhões de USD por um período de 15 anos consiste na produção e processamento de mais de 67 500 milhões de metros cúbicos de gás. O presidente Calderón, foi dos primeiros a apoiar a dura declaração do governo espanhol sobre a decisão da Argentina em expropriar 51% das acções da YPF em posse da REPSOL e anunciou de imediato novas formas de negocio no México para a REPSOL.

Para quem não se recorda a REPSOL era uma empresa publica que foi privatizada, num processo cheio de irregularidades, por um valor muito abaixo do real. O seu caracter de ex-empresa pública cria, no mercado espanhol, condições de quase monopólio com milhões de consumidores cativos. Movimenta, em Espanha, 10 milhões de euros por dia (4mil 150 milhões de euros durante o ano de 2010).

É fácil enriquecer. É só viver á custa dos recursos alheios.

Fontes
Ida Karlsson; Los ambientalistas denuncian que IKEA tala bosques vírgenes; http://www.ipsnoticias.net/
Emilio Godoy; Repsol, explotadora privilegiada del gas mexicano; http://periodismohumano.com

Sem comentários:

Mais lidas da semana