Rui Peralta
Israel
No ano de 1938, em Berlim, os nazis marcharam nas ruas aterrorizando os judeus, partindo os vidros das lojas, queimando livros e incendiando sinagogas. 74 anos depois, em Hatikva (Esperança), um bairro pobre de Telavive, bando sionistas de extrema-direita aterrorizaram os trabalhadores estrangeiros, com a violência características das multidões inebriadas, como nos tempos dos pogrom contra as aldeias judias. Centenas de manifestantes concentraram-se no bairro de Hatikva exigindo a expulsão dos trabalhadores africanos, agredindo os transeuntes, atacando lojas, detendo transportes públicos e carros particulares, procurando por trabalhadores migrantes.
Os protestos contra os sudaneses foram organizados pela União Nacional, um partido sionista de extrema-direita com representação parlamentar e a eles aderiram outros grupos da extrema-direita israelita. Estas movimentações já vêm de longe. Uma deputada da União Nacional já tinha afirmado, no início deste ano, que os sudaneses eram um cancro para a sociedade israelita e o secretário-geral da União Nacional já por várias vezes referiu o tema em comícios, apelando á criação de um frente anti-imigração. Por sua vez o Ministro do Interior, Eli Yshai, pronunciou-se no início do mês pela expulsão dos estrangeiros que tenham solicitado asilo.
Mas quem são estes refugiados? É uma ampla comunidade proveniente do Sul do Sudão, nação que está em guerra com o Sudão. Outros são refugiados fugidos da região do Darfur. Vítimas do ódio e da violência nas suas terras, procuraram refazer as suas vidas em Israel, onde arranjam com relativa facilidade trabalho nas pequenas indústrias, no comércio e mesmo na agricultura. Mas também aqui o ódio bateu-lhes á porta. A violência racista não escolhe fronteiras nem culturas e é um veneno que está á solta, em paralelo com a crise mundial. A extrema-direita israelita não é diferente da extrema-direita europeia, norte-americana, africana da Ásia ou da Oceânia. Claro que os bem pensantes ficam chocados por estes factos terem ocorrido em Israel, o estado criado pelas vítimas dos pogrom, das Cruzadas, da Inquisição, do Holocausto… Mas não é isto que passa-se diariamente com os palestinianos? Não é toda a estrutura sionista um estado de apartheid, portador dos mitos do povo eleito (que se sobrepuseram á figura rebelde do judeu errante), cujos cidadãos vivem manipulados pelo mito do terror árabe, num ambiente de xenofobia que prevalece através das gerações?
Ausência
Manhã de sol ausente, de céu cinzento, encoberto. Desperto com uma ideia assente: O teu corpo no pensamento, o teu ser no meu afeto.
São melancólicas as cinzentas manhãs, reconfortantes, limpam a pele, a carne e a alma...
Palestina
Existe, em toda a Palestina, um enorme cepticismo quanto á possibilidade de um entendimento entre a Autoridade Palestiniana (AP), na Cisjordânia, e o Hamas, na Faixa de Gaza. A criação de um governo de consenso nacional, no seguimento da Declaração de Doha, continua em negociação.
As divergências são de diversa ordem. Desde os desacordos na composição do gabinete, até a questões de procedimentos e de regime. O Hamas defende a figura de um vice-primeiro-ministro e a Fatah recusa. A cláusula que gera mais conflitos é sobre o tempo de permanência do governo de consenso no poder. O ultimo acordo afirmava qua o governo nascido destas negociações teria um limite de 6 meses, após os quais teriam lugar eleições legislativas e presidenciais. No entanto uma das cláusulas do acordo prevê que, por razões de segurança, as eleições possam ser adiadas.
Ora as detenções de dirigentes e activistas do Hamas efectuadas pela AP na Cisjordânia e pelo exército israelita são utilizados pelo Hamas como pretexto para adiar as eleições. Isto significaria que o próximo governo ficaria no poder por tempo ilimitado. Outro pretexto para adiar as eleições prende-se com a diáspora palestiniana. Os estados árabes onde existem palestinianos não permitem que estes possam exercer o seu direito de voto nas representações exteriores da Palestina.
Outro ponto de discórdia diz respeito á disputa interna pela liderança da OLP entre a Fatah e o Hamas. Para a Fatah esta liderança não deveria julgar qualquer papel nas decisões palestinianas e que apenas deveria reunir-se quando fosse solicitado pelo presidente. Mas para o Hamas a liderança da OLP deveria ser fundamental na tomada de decisões. Por outro lado o Hamas adverte que não vê com bons olhos a influencia norte-americana na Fatah e é pessimista quanto á próxima visita do enviado dos USA, David Hale. Para o Hamas o objectivo desta visita é arruinar a reconciliação alcançada no Acordo do Cairo. O Hamas denuncia que o presidente Obama pretende manter a divisão entre os palestinianos e que os norte-americanos tudo farão para destruir qualquer acordo alcançado.
Um facto é que existe uma profunda crise de confiança entre ambas as partes. Por outro lado um acordo que sirva apenas para satisfazer as duas faccões e que afaste a democracia é algo que não faz qualquer sentido para o povo palestiniano, que há medida que o tempo passa, sente-se enganado e manipulado.
Ausência
Manhã alegre...Vou voar, pelo amanhecer, do Cabo ao Magrebe para no teu corpo buscar
o meu ser. Pairarei sobre as águas núbias do Nilo Azul, sobre as mascaras dúbias, em busca do Sul da tua pele, do teu ser…Quero iludir a morte e no teu corpo entender o meu Norte.
União Indiana
Em 2009 o primeiro-ministro indiano advertia o parlamento sobre o crescimento da rebelião maoista nas regiões ricas em recursos naturais. Os rebeldes referidos pelo PM indiano são os do CPI (M), o Partido Comunista da India (Maoista), descendentes do CPI (ML), o Partido Comunista da India (Marxista-Leninista), que liderou a insurreição Naxalita em 1969, reprimida e liquidada, rapidamente, pelo governo indiano da época.
Os maoistas acreditam na luta armada e na tomada violenta do poder. As suas organizações em Jharkland e Bihar, o Centro Comunista Maoista (MCC) e no Andhra Pradesh, o Grupo de Guerra Popular (PWG), tiveram grande suporte popular. Pouco antes de serem banidos, em 2004, meio milhão de pessoas foram a um comício em Warangal. Mas as coisas em Andhra Pradesh acabaram mal. Na espiral de violência entre a policia e o PWG este acabou por sofrer rudes golpes e foi dizimado. Os sobreviventes conseguiram passar para o estado vizinho do Chhattisgarh, onde as densas florestas permitiram reunir forças.
A propaganda governamental resumiu a luta antiterrorista a um simplório “quem não está por nós, está com os maoistas”. E o movimento reorganizou-se, por uma razão muito simples: são a única força politica organizada que combate efectivamente o sistema de castas que predomina na sociedade indiana. É claro que a sua visão totalitária não é esquecida, tal como não é esquecida a sua ligação ao Liberation Tigers of Tamil Eelam (LTTE) do Sri Lanka, conhecido pelos meios brutais com que conduzia a sua guerra, mas essencialmente pela forma trágica como tudo terminou para a comunidade Tamil neste país. Nada disso é esquecido de facto, mas também é reconhecido que na India central a guerrilha maoista fez mais do que qualquer governo indiano, ou ONG, pelas tribos locais, miseráveis, vivendo em condições deploráveis, numa situação de fome crónica. Existem populações inteiras, de milhões de pessoas, às quais o sistema de castas nunca permitiu o acesso á educação, ao sistema de saúde ou ao apoio legal. São milhões de pessoas exploradas através de gerações por pequenos empresários e comerciantes, de mulheres raptadas pela policia e pelo departamento florestal, que são colocadas a trabalhar em fabriquetas ou em casa de grandes proprietários, muitas vezes para as grandes marcas internacionais, escravizadas pelo milagre indiano, pela economia emergente, pelo capitalismo Brics que aproveita a mão-de-obra barata, fazendo passar uma mensagem de progresso e libertação (para as burguesias nacionais claro, que progridem nos seus lucros e libertam-se do peso da burguesia estrangeira).
Estas largas camadas da população indiana conquistam pela primeira vez a dignidade, graças aos guerrilheiros maoistas que vivem ao seu lado, no seu seio e que com elas trabalham desde há décadas. Se as tribos e as castas miseráveis, os espoliados, os que não têm direito ao mais elementar da humanidade, pegaram em armas, não foi pela sua simpatia para com o ideal maoista. Foi porque os governos indianos nunca lhes deram nada que não fosse violência, humilhação e exploração e querem agora ficar-lhe com o ultimo que lhes resta – a sua terra.
É claro que acreditam nas promessas de desenvolvimento das regiões feitas pelo governo, quando as suas terras são usadas para construir autoestradas, tomadas pelas empresas mineiras ou pelas multinacionais indianas do agro-negócio. Nada de escolas, nada de hospitais ou centros clínicos, nada de empregos, nada de nada. Apenas espoliação e exploração. Só lhes resta lutar pelas suas terras, pelas suas florestas, para não serem aniquilados. Por isso pegaram em armas. Mesmo que os ideólogos do movimento maoista lutem pela tomada do poder, a sua base de suporte, os seus guerrilheiros, malnutridos, que nunca viram um comboio, um autocarro, uma pequena cidade, lutam pelos seus direitos a uma vida melhor, pela sua dignidade e por aquilo que lhes resta: a sua sobrevivência.
Fontes
Richard Silverstein; Tel Aviv 2012-Berlin 1938; http://www.richardsilverstein.com
Saleh Al-Naami; Crisis de confianza; http://www.rebelion.org
Arundhati Roy; The heart of India is under attack; http://www.zcommunications.org
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