Urariano Mota, Recife – Direto de Redação
Recife (PE) - Eu sempre soube que escrever com liberdade trazia riscos. Mas jamais poderia imaginar que alguns artigos escritos pudessem, mais de 5 meses depois, ser atualizados com assaltos em massa de insultos e ameaças. Assim foi com “Planos de Saúde X Anestesistas” em dois textos, e a tal ponto, que levou Eliakim Araújo a estampar o aviso esta semana:
“Tendo em vista o tom agressivo, e até ameaçador ao colunista, determinei que só sejam postados os comentários que contenham argumentos e informações concretas que ajudem no esclarecimento do assunto objeto da presente coluna. Editor do Direto da Redação”.
E por quê? Em 5 de janeiro deste ano, com base em exemplos vivos da Cooperativa dos Médicos Anestesiologistas PE, eu chamei a atenção para os anestesistas que haviam transformado a dor do povo em monopólio de mercado. E resumia: os planos de saúde alegam que não podem pagar os preços arbitrados pelos anestesistas. Estes, por sua vez, não levantam a voz, atacam de surpresa os responsáveis pelos pacientes na hora da cirurgia. Nesse cabo de guerra, o grande público é a corda. Ou melhor, os seus órgãos vivos é que são a corda. Puxados pelos anestesiologistas, que têm o domínio do sofrimento. Este é o livre mercado, amigos. E sugeria então ao leitor a escolha, de se ele queria ser operado com ou sem dor. Assim foi em 5 de janeiro. E para quê, amigos? Olhem o que o artigo colheu, em lugar de uma crítica racional, civilizada, 5 meses depois:
“Só lhe desejo que quando precisar dos cuidados de um anestesiologista, o sr. seja atendido por um que se contente em receber 50 reais ou menos por um procedimento .E reze meu amigo, pois você vai precisar!!!!
Sugiro que primeiro aprenda que anestesiar não é injetar remédio contra a dor. É te manter vivo e confortável enquanto vão te rachar no meio. Quanto isso vale?
Quanto aos anestesistas, eles cuidam para que você esteja mais perto da morte como nunca esteve, e o trazem de volta.
Aos que choram o preço que reflitam quanto vale o seu ente mais querido ser cuidado a que horas for de modo intensivo e individual por um médico formado ao longo de no mínimo 9anos. 1500 reais? E se sua mulher morresse, quanto pedirias de indenização: 200mil? Quanto pagarias de advogado, cujo honorário é também livre: 20 ou 50mil? Saiu até barato !
Precisa ser operado? Quer um profissional com 10 anos de formação, passado em inúmeros concursos, e que procura estar atualizado, para cuidar da parte mais misteriosa da vida e usando a maior invenção da história da humanidade que é permitir o corpo tolerar uma cirurgia e voltar igualzinho chegou? Tem sim valor”.
Notem que por trás dessas agressões ocorre uma raiz de classe. Médicos, de modo geral, não se formam para servir ao povo. Eles se formam para ascender socialmente, ou para cravar com mais bisturi e costuras a posição da família em uma sociedade de classes. Nas mensagens ou avisos do meu fim recebidos, percebe-se que anestesistas exercem suas profissões para “recuperar” o investimento: mais de nove anos de tenebrosos estudos! Quanto sofrimento, quanto amor a uma vocação. Isso tem um custo. Como recuperar tal sacrifício? É natural que seja então no corpo do paciente, o elo mais frágil da cadeia.
É claro, ninguém pode ser contra cooperativas de médicos, como em relação a qualquer categoria. No entanto, seria melhor uma cooperativa de anestesistas para que, num protesto contra os planos de saúde empresarial, a cobrança do serviço – pois que é um serviço, ainda que nobre, digamos – fosse feita conforme as condições populares. Ah, que proposta! Aí, em vez de ai, aí com acento agudo no i, se perderiam mais de 9 anos de torturante estudo e o consequente direito universal, para os médicos, da posse de um bom apartamento, conforto e viagens aos paraísos de compras. Ah, desse modo não seria mais possível a nobilíssima função da anestesia.
Enfim, que o Ministério Público se manifeste, é a conclusão parcial deste artigo. Faço minha, faço nossa a proposta de um comentário de um paciente leitor:
“Nós queremos que os legisladores ou a justiça interfiram nesta questão e definam uma regra definitiva para este impasse que está prejudicando o usuário. E se depois disto houver algum tipo de resistência, que se puna por exemplo o profissional cassando-lhe o direito de clinicar ou retirando o direito de trabalhar no INSS, pois lá eles aceitam trabalhar ganhando menos”.
E que Deus nos salve e ajude, enquanto a consciência popular não exigir uma nova ordem.
*É pernambucano, jornalista e autor de "Soledad no Recife", recriação dos últimos dias de Soledad Barret, mulher do cabo Anselmo, executada pela equipe do Delegado Fleury com o auxílio de Anselmo.
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