sexta-feira, 15 de junho de 2012

O BOSQUE EM FLOR



Rui Peralta

O Império dos Drones (1)

Da Hipocrisia como politica

No alto do seu pedestal e através do rosto e da voz da Secretária Hillary, os USA avisam os restantes governos de que estão a ser observados e cuidadosamente analisados na forma como cumprem com a aplicação dos direitos humanos. É curioso, sendo os USA o principal prevaricador da Carta dos Direitos Humanos, venha desta forma arvorar-se no seu principal guardião. É evidente que os governos aliados, como o Bahrein, a Arábia Saudita, Israel ou os bonequinhos tipo marretas (a miss Piggy, o Cocas, o Bogas, o monstro das bolachas e outros) da OTAN não se encontram nesta lista orwelliana.

Outra proclamação imperial feita pela voz da dama Clinton foi o apoio “claro e inequívoco” aos cidadãos activistas em qualquer região do globo, que eles não estão sozinhos, o Grande Irmão está do seu lado. Obviamente que esta mensagem não é para os cidadãos que protestaram em Chicago contra a cimeira da OTAN, nem para os activistas cidadãos que formam o Occupy Wall Street, nem para todos os activistas cidadãos que globalmente protestam, mas que não são protestos fundados, criados e manipulados pelos States. E é assim que 1300 cidadãos activistas do Ocuppy Wall Street foram detidos em Nova Iorque, desde o início dos protestos, 700 em Brooklyn e 90 em Chicago, durante a cimeira da OTAN.

Nos USA alguns destes “cidadãos activistas” são catalogados como “Extremistas Internos” ou “Terroristas Domésticos”, pelos serviços de segurança. E é fácil entrar na lista, aliás extensa, ao que parece. Basta apoiar a causa palestiniana, ou ser amigo de Cuba, ou contestar a política externa norte-americana em sítios quentes (Iraque, Afeganistão, Síria, Irão, Venezuela, Colômbia…). Por exemplo em Chicago 3 jovens foram presos e condenados ao pagamento de 1,5 milhões de USD cada, por transportarem material antiamericano (?) e porque as polícias da Florida e de New Hampshire (estados de onde os jovens vinham) já os tinha indiciado em outras marchas, pelo que ao serem localizados nos protestos pela polícia de Chicago, constando o seu nome e fotos na base de dados da lista dos extremistas internos, forma detidos, julgados e processados. Como este existem outros exemplos e seria uma lista extensa.

Esta é a situação dos direitos humanos nas terras dos guardiões dos mesmos. Entretanto a América dos Direitos Humanos (a outra é a dos pobres e não tem direito a estes direitos) continua a violar as soberanias do Paquistão, do Afeganistão e do Iémen, enviando drones, forças especiais e no Afeganistão 150 mil soldados cuja missão principal parece ser a de matar inocente, principalmente mulheres, crianças e os mais velhos das aldeias. Mas em qualquer um destes países tudo o que seja festas, funerais, jogos de futebol infantil, casas de aldeões, são os alvos favoritos das legiões dos direitos humanos de Washington. O Ministro dos Assuntos Externos do Paquistão, Moazzam Ali Khan, numa entrevista concedida a um jornal paquistanês, condenou de forma veemente estas acções, considerando-as uma “violação á integridade territorial do Paquistão (…) contrárias ao direito internacional (…) absolutamente ilegais (…) e inaceitáveis”.

Os USA coordenam o fluxo de armamento e equipamento para o Exercito Sírio Livre. A justificação da administração norte-americana para esta interferência são os direitos humanos. No entanto se lermos com atenção os relatórios da ONU ficamos a saber que os grupos armados sírios não são mais respeitadores dos direitos humanos que o governo sírio. Os grupos armados torturam prisioneiros, assassinam e raptam civis. Na Líbia a OTAN, sob indicações de Washington, violou a resolução da ONU que declarava a proibição de sobrevoar os céus líbios, realizando ataques aéreos contra instalações governamentais líbias e permitindo o suporte da CIA aos grupos armados. Quantas vidas entre os civis custaram essas operações? Perante o princípio VI das normas de Nuremberga é crime de guerra praticar uma guerra de agressão, que foi o que os USA e a OTAN fizeram na Líbia. Mas não se iludam. Não foi nada disso e as normas de Nuremberga não são para serem aplicadas aos guardiões da democracia.

Assassinar oponentes estrangeiros é uma das normas diplomáticas preferidas do ocidente. Os ingleses iniciaram o processo e os norte-americanos aprenderam e desenvolveram-no. São conhecidas as instruções do PM inglês Anthony Eden ao seu ministro do exterior, sobre Nasser, durante a crise do Suez em 1956: “I want him murdered”. O Secret Intelligence Service tentou então várias formas de assassinar Nasser, embora sem êxito e a CIA ensaiou bem com Fidel Castro, centenas de tentativas, todas elas infrutíferas.

Na última semana de Maio deste ano um tribunal da Malásia declarou Bush, Cheney, Rumsfeld e 5 dos seus conselheiros, culpados de crime de guerra. A notícia mal passou e o tribunal malaio continua á espera. De Washington nem uma palavra e pelos vistos o tribunal malaio vai esperar, sentado, enquanto não compreender que os crimes de guerra são “apenas” uma forma de diplomacia na Nova Ordem Mundial.

A Lista de assassinatos

E eis que alguns funcionários norte-americanos, com a consciência pesada e a sofrerem de eventuais pesadelos perturbadores do sono, confessaram em diversas conversações – anonimato garantido - com a Associated Press a existência de uma lista de assassinatos selectivos. Preocupados com as implicações que isso teria em termos jurídicos e conscientes da gravidade do facto, falaram da facilidade com que John Brennan, o conselheiro do contra terrorismo na administração Obama.

Brennan lidera uma equipa fechada, com grandes poderes, que compila listas de potenciais objectivos e faz circular nomes pelo Departamento de Estado nas reuniões semanais da Casa Branca. O Pentágono passou para segundo plano neste novo esquema de segurança. O almirante Mullen, chefe do estado-maior conjunto limita-se a um papel de subordinado, sendo o Pentágono apenas um dos participantes no processo. Esta equipa de Brennan decide quais os terroristas a serem objecto de atentados, por drones ou por incursão, estabelecendo um novo procedimento para os objectivos dos militares e da CIA.

Recordam-se da era de Bush? A Lei Patriota, as escutas telefónicas sem mandato judicial, as aberrantes comissões militares, absolutamente anticonstitucionais…Tudo isso é agora absolutamente normal, são relíquias obsoletas de uma era passada, inocente, se considerarmos como as coisas funcionam agora na Cassa Branca. A administração Obama, chamada a um tribunal federal para prestar declarações sobre estas listas de morte, recusa-se a comparecer, alegando que são assuntos de segurança de estado. Isto é grave. Nem Reagan, nem os dois Bush o conseguiram fazer. Talvez seja este o “We can” a que o Premio Nobel da Paz de 2009 se referia, quando ainda era candidato às eleições presidenciais.

Os Apóstolos da Morte

Uma coisa é certa. Os eleitores norte-americanos nas próximas eleições, em Novembro, não vão apenas eleger um presidente . Vão eleger, também, um assassino em chefe. Em vão foram os esforços dos pais fundadores da nação norte-americana para controlar um dos seus maiores pesadelos, deixando ao Congresso as questões da segurança. Mas os filhos bastardos fizeram orelhas moucas e o resultado está á vista.

Ser presidente dos USA tem agora mais trabalho. Não é só decidir quem se vai matar. É também dar os nomes aos drones, às operações e a toda uma série de sórdidos pormenores. Obama completou Bush e superou-o, em todos os sentidos. Iniciou uma nova era nas administrações norte-americanas: a era dos drones. É claro que isto vem de longe, não nasceu na cabeça de Obama e dos seus iluminados. O estado-assassino é uma velha figura na história do imperialismo americano. Veja-se os exemplos de Kennedy, que mandou assassinar Fidel Castro (sem êxito) e que assinou a pedido dos franceses o assassinato de Patrice Lumumba, para além de assinar a morte de um lambe-botas que não queria ser afastado, o sul-vietnamita Ngo Dinh Diem (que não entendeu bem qual era o seu lugar de lacaio), ou a Operação Phoenix, aprovada por Lyndon Johnson, instrumento de assassínios em massa no Vietnam, para só citar duas administrações.

No passado os presidentes yankees davam o dito por não dito e contavam histórias convincentes às instituições federais, tribunais, Congresso, Senado e eleitores, que os ilibavam desses actos. Mas na era iniciada por Obama já não é preciso contar histórias (Bush deve torcer-se de inveja). A presidência imperial legitimou o direito de matar.

Fontes
Paul Craig Roberts; Washington’s Hypocrisies; http://www.paulcraigroberts.org
Tom Engelhardt; Praying at the Church of St. Drone; http://www.tomdispatch.com
Robert Scheer; Hope burning; http://www.truthdig.com
Jo Becker and Scott Shane; Secret 'Kill List' Proves a Test of Obama's Principles and Will; New York Times – 29/05/2012
Chicago Journal – 23/05/2012
Pakistani Daily Times – 25/05/2012
New York Daily News – 17/11/2011
Washington Post – 15/05/2012
Associated Press – 21/05/2012

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