Orlando Castro*, jornalista – Alto Hama*
Segundo o sipaio com funções de director, o Jornal de Angola (de jornal só tem o nome) é “dos poucos jornais do mundo que ainda respeitam escrupulosamente a dimensão do acontecimento”.
É desta que a criatura chega chefe do posto e será o mais que provável vencedor do prémio Pulitzer. Desde logo porque, embora existam no mundo muitos jornais dirigidos por sipaios, nenhum tem o gabarito do Jornal de Angola nem a honorabilidade de José Ribeiro.
Diz o pasquim que “as técnicas editoriais obrigam a hierarquizar a informação segundo critérios que têm a ver exclusivamente com o interesse público”. É verdade, reconheço. Se para o JA pessoas, e portanto público, só são os do MPLA, não há dúvida de que é para o interesse deles que a rapaziada trabalha.
José Ribeiro desafia “todos os políticos, todos os analistas, todos os partidos concorrentes às eleições gerais de 31 de Agosto… e até aos estrangeiros que pela mão de partidos nacionais ousam interferir de uma forma abusiva, grosseira e indelicada, nos assuntos internos de Angola”.
Desafia a quê? Continuemos a soberba leitura do texto parido pelo MPLA e assinado pelo autómato José Ribeiro.
Como seria de esperar, mesmo tendo de se descalçar quando tem de contar até 12, José Ribeiro ainda não conseguiu (mas para lá caminha) meter no Estádio Nacional 11 de Novembro um milhão de pessoas. Reconhece, por isso, que lé estiveram 55 mil mas, é claro, acrescenta que “no exterior e em todas as vias de acesso, mais de um milhão de pessoas gritou entusiasticamente o seu apoio ao “número um” do MPLA, ao Candidato do Povo”.
Foi pena que, apesar de ser “dos poucos jornais do mundo que ainda respeitam escrupulosamente a dimensão do acontecimento”, não tenham – por exemplo – feito reportagem na Serra da Leba que apresentava um cordão humano que começava junto ao mar e termina no Lubango. E todos esses milhões gritavam vivas ao “Candidato do Povo”.
O JA conseguiu, apesar do mar de gente, falar com “uma mulher do Rangel, com duas netas pela mão” e que dizia querer “agradecer pelas suas meninas, a escola, o lanche escolar, o emprego dos filhos, a alegria de viver, a felicidade de acreditar que existe amanhã e o dia que há-de vir é sempre melhor do que o anterior”.
Consta que ao ler este pedaço de sentido reconhecimento ao representante divino de Deus, até as welwitschia mirabilis choraram.
Mas onda de apoio ao querido líder, consubstanciada nos milhões e milhões de angolanos que de todos os cantos de Angola enviaram mensagens, promete mesmo fazer que o JA (“um dos poucos jornais do mundo que ainda respeitam escrupulosamente a dimensão do acontecimento”) já tenha preparada a manchete para o dia seguinte às eleições: “MPLA esmaga oposição com 110% dos votos”.
O sipaio acrescenta, numa síntese brilhante – diria brilhantíssima – e nunca esquecendo que “as técnicas editoriais obrigam a hierarquizar a informação segundo critérios que têm a ver exclusivamente com o interesse público”, que José Eduardo dos Santos “é acima de tudo o “Candidato do Povo”, porque mora em todos os corações dos angolanos pacíficos e patriotas”.
Nunca perdendo de visto que o JA é “dos poucos jornais do mundo que ainda respeitam escrupulosamente a dimensão do acontecimento”, atente-se que “esse acontecimento extraordinário ultrapassou a grandiosa manifestação ao Papa Bento XVI”.
E, mais uma vez, tem toda a razão. Que se saiba, nenhuma manifestação da apoio, por exemplo, a Kim Jong-il, ou mesmo a Obama ou até a Martin Luther King conseguiu reunir tanta gente. Crê-se, aliás, que a manifestação de apoio a Eduardo dos Santos revelou que, afinal, Angola tem bem mais (mas muito mais) do que vinte milhões de habitantes.
Curioso é verificar que o JA garante que dará igual destaque “quando surgir um líder partidário que demonstre semelhante apoio popular”. E garante porque, mesmo que algum outro líder junte num só local todos os cidadãos do mundo que apoiaram tosos os Papas nunca, chegará aos calcanhares de Eduardo dos Santos.
“Respeitando escrupulosamente a dimensão do acontecimento”, sempre direi que José Ribeiro não se enganou nas contas nem nos desafios aos outros políticos. É que, goste-se ou não, cada simpatizante do MPLA vale, no mínimo, por 20 dos que têm outros gostos.
* Orlando Castro, jornalista angolano-português - O poder das ideias acima das ideias de poder, porque não se é Jornalista (digo eu) seis ou sete horas por dia a uns tantos euros por mês, mas sim 24 horas por dia, mesmo estando (des)empregado.
Título anterior do autor, compilado em Página Global: O (NEG)ÓCIO DOS OBSERVADORES EM ANGOLA
Sem comentários:
Enviar um comentário