Orlando Castro*, jornalista – Alto Hama*
O relatório da Relatora Especial da ONU sobre pobreza extrema e direitos humanos, Magdalena Sepúlveda Carmona, baseado na sua missão em Timor-Leste entre os dias 13 e 18 de Novembro de 2011, arrasa as autoridades:
“Dez anos volvidos, muitos timorenses continuam a não dispor de habitações adequadas. Estima-se que 58 por cento das comunidades residam em más condições de habitação, sendo que a maior parte não possui acesso a água potável e a saneamento.
No entanto a vontade política para lidar com o problema grave da falta de habitações inadequadas parece ter enfraquecido. Por exemplo, o Plano Estratégico de Desenvolvimento para 2011 a 2030 não faz qualquer menção explícita ao direito a habitação adequada.
O progresso na implementação do Programa dos Sucos dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, adoptado pelo Governo em princípios de 2011, tem sido limitado.
Este programa previa a construção de cinco casas em cada uma das 2.228 aldeias todos os anos, resultando na construção de mais de 55.000 casas até 2015. De uma perspectiva de direitos humanos este programa levanta várias preocupações graves, incluindo no que diz respeito à falta de critérios objectivos de elegibilidade e de mecanismos de queixa; à ausência de uma participação significativa e efectiva por parte dos membros das comunidades; à adequação cultural e à sustentabilidade de importar casas pré-fabricadas; e às questões relacionadas com os géneros no acesso aos benefícios.
Caso estes critérios não sejam estabelecidos o programa será visto como uma caridade e não como um direito dos beneficiários, ficando vulnerável a abusos e manipulações.
Um impedimento grave à concretização do direito a habitação adequada em Timor-Leste prende-se com a situação complexa dos títulos de terras. A violência que se seguiu ao referendo de 1999 resultou na destruição, entre outras coisas, de muito registos e ficheiros valiosos, incluindo em relação a títulos de terras e propriedades.
As reivindicações de terrenos são complicadas por situações de confiscação histórica de terrenos, deslocações populacionais e multiplicação de regimes locais, incluindo o regime português, regime indonésio e regimes e transacções locais sobre terras.
Um relatório do Banco Mundial e da Corporação Financeira Internacional em 2012 classificou Timor-Leste na 183ª posição entre 183 países no que diz respeito à facilidade de registar propriedades. Das 200.000 parcelas de terrenos que se calcula haver em Timor-Leste, menos de 25 por cento foram alguma vez registadas formalmente. Restam poucos títulos de propriedade, sendo que a maior parte foi destruída durante a violência de 1999.
Muitas famílias residem em terras relativamente às quais não possuem títulos legais, havendo também casos em que essas terras são reclamadas por diversas partes ou pelo Estado.
Na maior parte dos programas as famílias elegíveis são convidadas a receber benefícios pelo Chefe do Suco respectivo. Este método de selecção levanta preocupações graves a nível de direitos humanos que precisam ser abordadas pelo Ministério da Solidariedade Social. Embora os líderes comunitários possam saber melhor quais são os elementos das suas comunidades em situação de pobreza, este método de selecção tem potencial para reforçar estruturas de poder, relações entre patrão e cliente e normas locais em termos de géneros, criando tensões e estigmatizando ainda mais alguns grupos nas comunidades.
A inclusão dos líderes comunitários no processo de selecção pode também dar azo a situações de corrupção e abuso de poder. Tendo em conta que as mulheres têm mais dificuldade em influenciar processos decisórios, correm o risco de ser excluídas.
A Relatora Especial tem preocupações especiais a respeito do programa Bolsa da Mãe. De início a conceção do programa levantou preocupações sérias a nível de direitos humanos no que dizia respeito à razoabilidade, objectividade e transparência das condições de qualificações para o programa.
A Relatora Especial considera positiva a flexibilidade demonstrada pelo Ministério da Solidariedade Social no que toca a fazer melhorias, as quais incluíram a revisão dos critérios de elegibilidade.
No seguimento da conclusão da sua missão a Relatora Especial foi informada da adopção de um Decreto-Lei sobre o programa Bolsa da Mãe, que consagra o novo quadro no direito. A Relatora vê com bons olhos as alterações aos programas tal como estão reflectidas na nova Lei, incluindo o estabelecimento de um sistema de monitorização para supervisionar a implementação do programa.
É muito importante incluir na nova Lei provisões que garantam a implementação e o financiamento contínuos do programa. Todavia a Relatora Especial está extremamente preocupada com a imposição de condicionantes ao programa.”
* Orlando Castro, jornalista angolano-português - O poder das ideias acima das ideias de poder, porque não se é Jornalista (digo eu) seis ou sete horas por dia a uns tantos euros por mês, mas sim 24 horas por dia, mesmo estando (des)empregado.
Título anterior do autor, compilado em Página Global: A LUTA CONTINUA E A VITÓRIA É CERTA!
- Ler em Página Global os relacionados TIMOR-LESTE SEGUNDO A ONU – parte I e II compactados
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