Orlando Castro*, jornalista – Alto Hama*
I
O relatório da Relatora Especial da ONU sobre pobreza extrema e direitos humanos, Magdalena Sepúlveda Carmona, baseado na sua missão em Timor-Leste entre os dias 13 e 18 de Novembro de 2011, arrasa as autoridades:
“A extensão e a profundidade da pobreza em Timor-Leste são ainda mais graves do que o sugerido pelas estatísticas da pobreza em termos de rendimentos. De acordo com o Índice Multidimensional da Pobreza, que identifica privações múltiplas nos lares relativamente a educação, saúde e nível de vida, 68 por cento da população timorense sofrem de privações várias, sendo que outros 18 por cento são vulneráveis.
A insegurança alimentar afecta até 70 por cento dos lares durante a “estação magra” de Dezembro a Fevereiro, o que vem agravar a má situação nutricional das mulheres e sobretudo das crianças, sendo que 58 por cento destas sofrem de malnutrição crónica.
O acesso a meios adequados de água e saneamento continua fraco, sobretudo em áreas rurais, com aproximadamente 43 por cento dos lares a não terem acesso a água potável e 74 por cento dos lares a não terem acesso a saneamento melhorado.
Embora o Governo reporte que cerca de dois terços da população têm acesso a água potável, a Relatora Especial recebeu informações de que a má qualidade da água implica que somente uma percentagem muito baixa de timorenses tem acesso a água potável segura, sendo que muitos têm de percorrer distâncias consideráveis a pé para obterem esta água.
A falta de acesso a água potável e a meios de saneamento contribui para doenças entre as crianças, incluindo a diarreia, uma das principais causas de morte das crianças com menos de 5 anos.
A desigualdade a nível de rendimentos aumentou consideravelmente. Dados desagregados revelam que 75 por cento dos timorenses que vivem em áreas rurais sofrem de forma desproporcional no que diz respeito à pobreza.
As disparidades entre os residentes em Díli, 71 por cento dos quais fazem parte do grupo mais abastado em Timor-Leste, e os residentes em áreas rurais, são muito acentuadas: as populações rurais apresentam taxas consideravelmente mais elevadas de pobreza crónica de rendimentos e de insegurança alimentar, bem como resultados em termos de saúde e educação claramente mais baixos.
A ausência de infraestruturas suficientes impede as deslocações, a comunicação e o acesso a informações, sendo que a concentração de processos decisórios em Díli é um sério obstáculo à prestação de serviços básicos a nível de distrito, suco e aldeia.
A esmagadora maioria dos residentes em áreas rurais sofre de sub-emprego e de insegurança em termos de emprego. Embora a grande maioria da população rural dependa da agricultura de subsistência, os investimentos no sector da agricultura têm sido inadequados.
As políticas fiscais não conseguiram criar uma economia diversificada, pelo que o crescimento em Timor-Leste está fortemente dependente das reservas petrolíferas finitas do país. Isto levanta sérias preocupações em torno da sustentabilidade do quadro económico do país, o qual tem vindo a ser fortemente criticado por alguns agentes timorenses, incluindo organizações da sociedade civil.”
II
O relatório da Relatora Especial da ONU sobre pobreza extrema e direitos humanos, Magdalena Sepúlveda Carmona, baseado na sua missão em Timor-Leste entre os dias 13 e 18 de Novembro de 2011, arrasa as autoridades:
“O quadro de direitos humanos impõe uma obrigação sobre os Estados no sentido de garantir que dedicam o máximo de recursos disponíveis à concretização progressiva dos direitos económicos, sociais e culturais.
Neste contexto, a Relatora Especial está preocupada com a priorização das despesas públicas em Timor-Leste e assinala que embora o Orçamento do Estado tenha aumentado nos últimos anos, regista-se uma diminuição gradual na percentagem alocada a serviços sociais, incluindo serviços de saúde e educação, bem como à agricultura.
O desenvolvimento deve ser um processo “de baixo para cima”, no qual a população possa participar no estabelecimento de prioridades nacionais de forma significativa e efectiva. A consulta por si só não chega: os elementos afectados pelas políticas e programas do Estado devem ter uma palavra a dizer nas decisões que afectam as suas vidas.
Com esta finalidade, a Relatora Especial elogia o processo de consulta liderado pelo Primeiro-Ministro como parte da formulação do Plano Estratégico de Desenvolvimento para 2011 a 2030, porém salienta que é necessário tomar mais medidas activas para permitir a participação significativa dos residentes em áreas rurais remotas. As políticas devem incluir mecanismos para garantir o derrube de todas as barreiras à participação, incluindo obstáculos a nível linguístico, económico e geográfico.
É preciso igualmente fazer esforços para melhorar a situação dos jovens timorenses, a qual inclui pobreza disseminada, baixos níveis de alfabetismo, poucas oportunidades de vida e taxas de desemprego elevadas. Tudo isto traduz-se ainda em sentimentos de isolamento e frustração. Grande parte das perturbações sociais que conduziram à crise de 2006 foi motivada por jovens que, na ausência de canais construtivos para expressar o seu descontentamento, recorreram à violência.
A educação é o veículo principal para dar resposta a estas frustrações, reduzir a pobreza infantil e melhorar a situação das crianças e jovens em Timor-Leste. A educação é tanto um direito humano em si como um meio indispensável para realizar outros direitos humanos.
Ainda que a Constituição consagre o direito a cuidados de saúde universais, na prática as pessoas que vivem em situação de pobreza, sobretudo as residentes em áreas rurais, estão longe de ter este direito concretizado. Existem muitas barreiras que impedem as pessoas de aceder a cuidados de saúde, como por exemplo as longas distâncias e as deslocações difíceis e dispendiosas para aceder a instalações de saúde, as quais têm muitas vezes carências em termos de equipamento e pessoal.
O acesso à saúde materna é uma grande preocupação, sendo no geral insuficiente no país inteiro mas consideravelmente pior fora de Díli.
A incidência da mortalidade materna em Timor-Leste é uma das mais elevadas no mundo inteiro. Mais de 40 por cento das mulheres timorenses que morrem entre os 15 e os 49 anos morrem de complicações relacionadas com a gravidez. Esta é uma realidade inaceitável e que pode ser evitada, sendo que ilustra a necessidade urgente do Governo em identificar a mortalidade materna como área prioritária para alocação de atenção e recursos.
As taxas elevadas de mortalidade materna são sugestivas não só de insucessos no sistema de cuidados de saúde e na provisão de outros serviços públicos, como também de uma discriminação estrutural e de uma falta de vontade política em priorizar os direitos das mulheres.”
* Orlando Castro, jornalista angolano-português - O poder das ideias acima das ideias de poder, porque não se é Jornalista (digo eu) seis ou sete horas por dia a uns tantos euros por mês, mas sim 24 horas por dia, mesmo estando (des)empregado.
Título anterior do autor, compilado em Página Global: CONTRA OS MANIFESTANTES MARCHAR, MARCHAR!
Obs: O título no original é constituído por duas partes em duas postagens distintas.
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