quinta-feira, 26 de julho de 2012

Angola: AINDA SOBRE A DITADURA DA PAZ… E SOBRE “O SILÊNCIO DOS INOCENTES”




Marcolino Moco* - À MESA DO CAFÉ, em 20.06.12

Quem leu ou ouviu os meios de comunicação públicos (nomeadamente a Rádio Nacional de Angola e o Jornal de Angola, depois da minha conferência de imprensa, de 14 deste mês de Junho e acreditou, ficou com uma ideia certa:

Tudo o que eu disse sobre as atrocidades do governador da Huila sobre populações do Lubango, desde 2010 até hoje, ao arrepio de todo um mínimo de bom senso e da ordem jurídica do País (que ele chama de “normazinhas para impedir quem quer trabalhar”), constatado por várias entidades, acompanhado por mim desde há um ano atrás, são mentiras.

E também oportunismo eleitoral.

Se eu disser que isso é horrível, porque vítimas ou seus fantasmas foram ouvidas nesses meios de comunicação, para que dissessem que tem adorado essas atrocidades para melhorar a vida do Lubango, porque aprenderam a sofrer pior no tempo da guerra; e que não é possível oportunismo eleitoral para quem, como eu, não é candidato em lista nenhuma, piores nomes me seriam atribuídos.

Se eu juntasse aqui a arrepiante fotografia de uma jovem desmaiada, porque o pai se recusava a sair da casa que ia ser derrubada, com ele lá dentro; ou se relatasse os pormenores de um indivíduo detido por um dia, sem contactos com a família, por ter questionado o facto de lhe terem derrubado a casa, com todos os seus haveres lá dentro, durante a sua ausência, sendo julgado sumariamente no dia seguinte (foi absolvido), eu teria acrescentado as piores mentiras dos últimos séculos da História da Humanidade; porque todo o processo de demolições no Bairro Agostinho Neto é “ voluntário”, diz-se e acredita-se.

Pior seria se eu insistisse que vi, fui fotografado e filmado a conversar com pessoas atiradas para a mata, sem qualquer estrutura, depois de viverem anos – não em palácios mas dentro de uma cidade, com alguma comodidade (água, luz, escola para os filhos, trabalho formal ou informal); pior seria se eu repetisse que pastores tradicionais foram despojados de seus terrenos porque se diz que não são seus mas de um “Estado”, este que nós temos; se acrescentasse que entidades locais, mesmo dirigentes, são silenciados, sob o risco de serem acusados de “tribalismo”… etc, etc.

É dessa ditadura da paz e deste “silêncio” de “inocentes” de que gostaria de falar mas não falarei, apesar de o ter prometido. Chamaria mais anátemas contra mim, em meios poderosos de comunicação social do meu país, sem direito a esclarecimento das minhas posições, que não venham a ser deturpadas por notas parciais de redacção.

Para aguentarmos, é preciso acreditar que todos estes fenómenos numa República dita “atípica” terão fim um dia. Eu acredito. Só espero que não o seja através de outras formas de violência. Que Deus não o permita. Haverá um dia em que o Sol poderá brilhar para todos da mesma maneira. Há gente a rezar e a trabalhar, pra que um dia chegue esse dia. Sem vinganças. Nem mais caça às bruxas.
 
*Ex-Primeiro-Ministro de Angola

Sem comentários:

Mais lidas da semana