Orlando Castro*, jornalista – Alto Hama*
Os angolanos cumpriram o que lhes foi pedido por Eduardo dos Santos. Trabalharam mais e falaram menos. Resultado? Poucos têm milhões e milhões têm pouco ou… nada.
No dia 3 de Outubro de 2008, o presidente de Angola e do MPLA (oficialmente ainda é tudo a mesma coisa), José Eduardo dos Santos, pediu aos seus 33 ministros do governo então formado e que nesse dia tomaram posse, "mais trabalho e menos discursos", lembrando-lhes o muito trabalho que o país exigia.
Num discurso sobre as metas do governo que chefia, José Eduardo dos Santos sublinhou o "momento de grande significado político e histórico" que Angola vivia na altura, depois de o povo ter "surpreendido" o mundo (que não, obviamente, a máquina do MPLA) nas eleições de 5 de Setembro desse ano pela forma "maciça, ordeira e responsável" como votou "no partido da sua preferência".
Tendo o MPLA ficado com uma maioria qualificada no parlamento, com 191 deputados em 220 possíveis, Eduardo dos Santos apontou como questões essenciais o objectivo de combater a fome (ao fim de 33 anos de poder do MPLA ainda havia – como continua a haver - 68% de angolanos que passam fome) e a pobreza e a construção de um milhão de casas na legislatura, referindo a primeira como "prioridade de primeira linha" e, quanto à segunda, definiu-a como "objectivo ambicioso", pelo que o melhor – disse - era começar a trabalhar, "quanto mais cedo melhor".
Lembrou que os angolanos exprimiram nas urnas "o que querem" ao escolherem o programa do MPLA, agradeceu aos anteriores membros do executivo, sublinhou que o Governo de Unidade e Reconciliação Nacional (GURN) terminou e apontou como referência a "grande expectativa dos angolanos e da comunidade internacional" que recai sobre o novo elenco governamental de Luanda.
No imediato, Eduardo dos Santos colocou como prioridade para o novo governo a preparação do Plano Nacional e o Orçamento Geral do Estado, que deveria ser remetido à Assembleia Nacional até 31 de Outubro, para começar a ser executado a 1 de Janeiro de 2009. Nada de novo. Uma cópia de princípios e ideias já velhas.
"Deverá ser criado desde já um clima propício para essa implementação, através de acções que sirvam para consolidar a paz, manter a estabilidade política e reforçar a democracia", disse Eduardo dos Santos.
Colocou ainda na primeira linha das prioridades do executivo a estabilidade macro-económica e a criação de condições para assegurar um crescimento económico sustentado, "com uma percentagem de dois dígitos em relação ao PIB" (Produto Interno Bruto), sendo esta a "ambição que deve mover o governo". E viva o petróleo.
A saúde, a educação e as reformas da Administração Pública Central e Local, da Justiça e do Direito, bem como do "sistema de Defesa e Segurança" do país, foram ainda metas apontadas pelo Presidente angolano aos 33 ministros que, diziam, iam fazer em quatro anos muito do que não tinham feito nos últimos 33 anos.
Na altura o primeiro-ministro, Paulo Kassoma, também usou da palavra para terminar a cerimónia e, correspondendo ao repto do Presidente da República, limitou-se a dizer: "Mais trabalho e menos discursos".
Quatro anos depois, numa altura em que só falta esperar pela dimensão da fraude eleitoral, importa saber como está o país real onde todos os dias, a todas as horas, a todos os minutos há angolanos que morrem de barriga vazia (70% da população passa fome).
Pois é, apesar do tal frase de “mais trabalho e menos discursos”, 45% das crianças angolanas sofrem de má nutrição crónica, uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos. No “ranking” que analisa a corrupção em 180 países, Angola está na posição 168.
Em Angola, a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens, ou seja, o cabritismo, continua a ser o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos, sendo que o silêncio de muitos, ou omissão, deve-se à coação e às ameaças do partido que está no poder desde 1975.
Em Angola, a corrupção política e económica é, hoje como há quatro anos, utilizada contra todos os que querem ser livres num país que disponibiliza apenas 3 a 6% do seu orçamento para a saúde dos seus cidadãos, quantia que não chega sequer para atender 20% da população, o que torna o Serviço Nacional de Saúde inoperante e presa fácil de interesses particulares.
Em Angola, hoje como há quatro anos, 76% da população vive em 27% do território. Mais de 80% do Produto Interno Bruto é produzido por estrangeiros; mais de 90% da riqueza nacional privada foi subtraída do erário público e está concentrada em menos de 0,5% de uma população.
Em Angola, hoje como há quatro anos, o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder.
* Orlando Castro, jornalista angolano-português - O poder das ideias acima das ideias de poder, porque não se é Jornalista (digo eu) seis ou sete horas por dia a uns tantos euros por mês, mas sim 24 horas por dia, mesmo estando (des)empregado.
Título anterior na página do autor, compilado em Página Global: CARTA ABERTA AO DIRETOR DO JORNAL DE ANGOLA
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