sexta-feira, 27 de julho de 2012

O BOSQUE EM FLOR



Rui Peralta

Segundo o New York Times um pequeno grupo de agentes da CIA operou no sul da Turquia para decidir quais as forças sírias antigovernamentais sírias receberiam armas. Rifles, lança-granadas, munições e armas antitanque são introduzidos pela fronteira turca através de uma rede constituída pela Irmandade Muçulmana Síria, agentes turcos, da Arabia Saudita e do Qatar. Esta rede clandestina integrada pela CIA é o esforço mais detalhado, até ao momento, da participação dos USA na campanha armada contra o governo sírio. Já em Maio, o Washington Post, tinha publicado que os rebeldes antigovernamentais sírios estavam a receber armamento através dos estados do Golfo. Além disso os USA estão a fornecer aos rebeldes sírios os movimentos das forças armadas governamentais sírias, fornecendo as imagens obtidas por satélite.

Aos poucos os USA foram deixando cair a imagem da ajuda humanitária e de apoio diplomático á oposição síria. Enquanto criticavam a Rússia e o Irão por, supostamente, enviarem armamento às forças armadas sírias, argumentando que a injecçäo de armas podia provocar um incremento da violência no território sírio, foram montando as operações logísticas de suporte aos bandos armados sírios, coordenando esforços com a Turquia e os estados do golfo. Já em Março o Presidente Obama pedira ao Pentágono que preparasse um vasto leque de operações militares inseridas num plano de contingência. O Pentágono respondeu, solícito, abrindo um leque de vastas possibilidades como o lançamento aéreo de ajuda humanitária, a vigilância aérea de tropas sírias (já em curso via satélite) e o estabelecimento de uma zona de exclusão aérea, idêntica á que foi imposta na Líbia em 2011.

O fluxo de armas

Foi exactamente a partir do mês de Março que foi registado um aumento do fluxo de armas e munições aos bandos antigovernamentais sírios, através da fronteira turca, o que provocou um aumento das operações do exército governamental sírio na região fronteiriça com a Turquia. Em Maio o Qatar e a Arábia Saudita financiaram, em milhões de USD, a aquisição de armas, adquiridas no mercado negro da região (Líbano, Turquia e Iraque) e a militares sírios, enquanto a oposição síria entrou em contacto direto com funcionários do Departamento de Estado dos USA, para designar os receptores e os locais de armazenamento.

Paralelemente ao aumento do fluxo de armas, os USA estão a utilizar ex-quadros militares e da CIA, como conselheiros e instrutores dos bandos antigovernamentais sírios. É o caso de Joseph Holliday, ex-oficial da CIA no Afeganistão que é agora “investigador especializado” ao serviço do Exercito Livre Sírio (ELS).

O financiamento da Arábia Saudita

É também o ELS o beneficiado do financiamento saudita. Segundo o Guardian, funcionários sauditas fazem a gestão dos pagamentos de salários aos militares do ELS, uma forma de evitar deserções e aumentar as pressões sobre o governo sírio. Esta operação financeira da Arábia Saudita conta com a participação de altos funcionários dos USA, do Qatar, do Koweit e dos Emiratos Árabes Unidos.

O dinheiro saudita não é só para pagar salários, também paga armas, munições, equipamentos e financia operações logísticas. Com autorização da Turquia, foi estabelecido um centro de comando do ELS em Istambul, que coordena as linhas do financiamento saudita com o ELS e a expensas do governo saudita. No centro trabalham 22 operacionais de nacionalidade síria. Com esses financiamentos foram estabelecidas redes logísticas entre a cidade turca de Reyhanli e a aldeia fronteiriça síria de Altima, por onde entram na Síria as armas, munições e medicamentos, numa região onde predomina o controlo do ELS. O financiamento saudita fez também reavivar a as acçöes do ELS no norte da Síria, região de onde o ELS quase foi erradicado, após ter sofrido pesadas derrotas contra as forças armadas da Síria.

Os salários aos militares e soldados do ELS são pagos em USD e em Euros, pois a libra síria tem estado em queda livre nos últimos meses, o que significa que os seus salários são muito superiores aos das forças armadas governamentais sírias. O senador norte-americano Joe Lieberman, um dos senadores mais activos no apoio á oposição síria, efectuou uma recente viagem ao Líbano e á Arabia Saudita, onde efectuou uma série de reuniões para realçar a importância do financiamento saudita e o pagamento de salários ao ELS e a discussão do alargamento da cooperação entre os estados do golfo, a Turquia, a UE e os USA, no apoio ao ELS e á oposição politica.

A Turquia e a NATO

Respondendo aos anseios do senador Lieberman no sentido da “maior cooperação”, a 26 de Junho o Conselho do Atlântico Norte, o organismo reitor da NATO, abordou a questão Síria, quatro dias depois do abate do F-14 da Força Aérea turca pela artilharia Síria. O pretexto da reunião foi a apresentação de uma petição da Turquia, para que se realizassem consultas, ao abrigo do Artigo 4 do Tratado do Atlântico Norte, que permite o pedido de aliança quando qualquer estado membro sofre ameaças á sua integridade e segurança territorial.

Mas a 25 de Junho, um dia antes da reunião, a Turquia anuncia que ia solicitar á NATO que debatesse o Artigo 5, que compromete a NATO a actuar em caso de agressão a um estado membro. A primeira vez na História da NATO que utilizou-se o artigo 5 foi em Outubro de 2001 e constituiu o fundamento para que os exércitos dos 28 estados membros da NATO e de mais 22 estados se colocassem em prontidão para o Afeganistão. Apelou-se ao Artigo 4 pela primeira vez em 16 de Fevereiro de 2003, também no Conselho do Atlântico Norte e também numa apelação da Turquia em relação ao Iraque. Como consequência foi desencadeada a operação Display Deterrence, que colocou no terreno cinco baterias de misseis Patriot (3 da Holanda e duas dos USA), equipamentos de vigilância, sistemas de aerotransportados de controlo (AWACS, Airborne Warning and Control System), para além da coordenação do Sistema de Defesa Aérea Integrada da NATO e mil soldados, tudo colocado na Turquia e virado para o Iraque. Três semanas depois começaram os bombardeamentos ao Iraque e a invasão terrestre.

A Turquia é um país quase três vezes mais extenso que a Síria, conta com o apoio dos seus 27 aliados da NATO, tem um exército muito superior em número e em equipamento ao exército sírio. No seu território os USA têm cerca de 90 armas nucleares B61, estacionadas na base aérea de Incirlik, a uns 60 km da costa mediterrânica da Turquia. O primeiro-ministro turco Recep Erdogan desde Abril (dois meses antes do problema ocorrido com o F-14), que menciona as intenções de activar a disposição de ajuda mútua do Artigo 5. Será que querem repetir o ocorrido com o Iraque, em 2003, tendo novamente a Turquia como ´actor no papel de vitima`?

A solução líbia

Para a OTAN a solução líbia é uma solução de sucesso, por isso, com as devidas adequações, pratica nem relação á Síria um envolvimento e uma abordagem idênticos ao que utilizou na Líbia. É evidente que uma intervenção militar na Síria é um caso muito mais complicado que na Líbia, pois para além da capacidade militar da Síria, existem factores como o posicionamento da Federação Russa e da China.

Apesar disso o processo de intervenção continua a avançar, aplicando-se a mesma receita da solução líbia. Neste sentido Hillary Clinton, numa reunião na Turquia, dos chamados países ´Amigos da Síria` - os mesmos que financiam os bandos armados do ELS – foi bastante indelicada, em termos diplomáticos, ao afirmar que a Rússia e a China iriam (passo a citar) ´pagar pelo seu apoio á Síria` (fim de citação). E num frenesim trágico, os USA, os estados do golfo, a Jordânia, a UE e Israel (este de uma forma muito encapotada, por detrás dos USA) financiam o ELS com cada vez mais meios, equipamentos e armamento e recrutando mercenários para o «exército para a libertação e democracia». Tal como aconteceu na Líbia e no apoio oferecido ao Conselho Nacional de Transição. E da mesma forma que ocorreram na Líbia continuam os massacres de inocentes para culpabilizar o governo sírio, com a cobertura e manipulação da comunicação social.

Da guerra indirecta ao ataque directo

Os contornos da escalada começam a definir-se. A fase de guerra indirecta está a chegar ao fim. As acções de desgaste dos bandos armados, com cada vez mais recursos, estão a chegar ao seu ponto máximo de eficiência. O senador John McCain, depois de um encontro com o comandante das Forças Libanesas, apelou á criação de uma zona tampão para o ELS, o que foi de imediato realizado pelos grupos salafistas libaneses e outras milícias islâmicas, que durante o mês de Julho concentraram-se na região de Akkar onde estabeleceram barreiras nas estradas. Por sua vez a Síria organiza diversos exercícios militares terrestres e navais. Ainda recentemente a marinha síria iniciou um exercício de tiro real, com lançamentos de misseis terra-mar, simulando um cenário de defesa perante um ataque vindo do mar.

Os ataques terroristas intensificam-se assim como a guerra de contrainformação. No passado dia 18 de Julho um atentado em Damasco decapitava a Célula de Controlo da Crise, organismo criado pelo governo sírio para controlar a situação de crise vivida desde 2011. O atentado foi reivindicado pelo ELS e pelos salafistas do Esquadrão do Islão, mas constou pelas ruas de Damasco que o atentado fora perpetrado pelas próprias forças de segurança sírias, para evitar um golpe de estado interno, cuja coordenação partia do Célula de Controlo da Crise. Seja como for um facto é que o ELS tem força suficiente e mobilidade, assim como os mercenários salafistas para realizarem acções de grande efeito na capital do país.

Assistimos também nos últimos tempos á deserção de diplomatas, políticos, deputados e á «mudança de campo» de gente até aqui ligada ao regime, assim como a alguns oficiais superiores sírios. Um facto é que o governo endureceu as suas posições. O actual ministro da defesa é Fahd Yassim al-Furayi, um general da linha dura do Partido Baas cujo pensamento revela-se em frases como «amputaremos as mãos dos terroristas». A OTAN parece reagir mal á sua tomada de posse, pois foi desencantar a velha história rebuscada das armas químicas, já utilizada no Iraque e muito falada na Líbia. Sobre o cenário químico sírio a NATO umas vezes fala do perigo do regime usar armas químicas contra a população, noutras refere o perigo de o arsenal químico cair nas mãos da Al-Qaeda e nos últimos dias corre o alerta das armas químicas ficarem com o Hezbollah. Enfim tudo capítulos da mesma novela.

Fontes
Miguel Guaglianone; El Libreto para Siria; http://barometrointernacional.bligoo.com.ve
Ghaleb Kandil; Los detalles del plan estadounidense contra Siria; http://www.voltairenet.org
Naomi Ramirez; No a la intervención; http://www.rebelion.org
-amputara-manos-terroristas/00031342679448959232441.htm
Martin Chulov Ewen MacAskill y John Densky; Saudi Arabia and Syria Rebel Army; The Guardian; 22/07/2012
New York Times, 28/06/2012; 02/07/2012
Washington Post, 12/05/2012

2 comentários:

Anónimo disse...

Rui Peralta, você esqueceu de dizer QUE O PRÓPRIO GOVERNO SÍRIO DISSE QUE POSSUI ARMAS QUÍMICAS, ao avisar que as usaria para se proteger de um ataque esterno. Vai me dizer que não sabe disso?

Anónimo disse...

O "ANÓNIMO" ANTERIOR ESQUECEU-SE TODAVIA QUE TODAS AS POTÊNCIAS POSSUEM ARMAS QUÍMICAS AVANÇADAS E QUE FORAM ELAS QUE AS LANÇARAM EM PRIMEIRA MÃO, PELO MENOS DESDE A GUERRA DO VIETNAM!

ATÉ PORTUGAL UTILIZOU "DESFOLHANTES" E "NAPALM", ADQUIEIDOS AOS SEUS ALIADOS DA NATO, CONTRA O MOVIMENTO DE LIBERTAÇÃO EM ÁFRICA!

ACASO OS EUA, COM O ARSENAL QUE POSSUEM, NÃO PODEM COLOCAR NA MÃO DOS QUE APOIA, ARMAS QUÍMICAS, PARA DEPOIS AFIRMAR QUE ELAS FORAM LANÇADAS PELO REGIME SÍRIO?

O "ANÓNIMO" ANTERIOR PODERÁ GARANTIR QUE NÃO, NO MOMENTO EM QUE VÁRIOS GRUPOS DA AL QAEDA ESTÃO A SER MANIPULADOS EM BENEFÍCIO DE SUAS GEO ESTRATÉGIAS, PELOS NORTE AMERICANOS E SEUS ALIADOS, NA LÍBIA E NA SÍRIA?

POR QUE O "ANÓNIMO" ANTERIOR NÃO SE MANIFESTA CONTRA ESSE TIPO DE MANIPULAÇÕES?

Mais lidas da semana