segunda-feira, 23 de julho de 2012

O RESGATE DOS MONANGAMBAS – II



Martinho Júnior, Luanda

6 – Os monangambas, os contratados do café durante a última fase do colonialismo, eram arrancados às suas aldeias natais em especial no planalto do Bié e nas terras altas do Huambo.

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Essas áreas rurais, com habitat disperso e um povo vocacionado para a agricultura, eram mantidas num estágio de subdesenvolvimento de tal ordem que os camponeses, poucos excedentes produziam para além dos que lhes garantiam sua subsistência, num sistema de rotação cíclica da exploração das terras férteis.

Nesse ambiente, as aldeias eram “servidas” por redes de comerciantes que eram ao mesmo tempo pequenos bancos rurais regendo o sistema dos empréstimos, os únicos retalhistas, aqueles que contribuíam para “angariar contratados” e um dos trunfos do sistema de informação ao serviço da PIDE/DGS e do sistema político-administrativo colonial.

Era para isso que serviam os “indígenas” e era assim que eram “produzidos” os manangambas.

Muito poucos jovens nascidos nesse ambiente poderiam ter acesso ao sistema educacional da época: para além do número de escolas do estado ser reduzido ou mesmo inexistente nas áreas rurais, as missões, católicas umas, protestantes outras, privilegiavam os seus próprios crentes, pelo que a mancha de analfabetismo e obscurantismo sempre foi propositadamente enorme.

Era por via das escolas que os jovens poderiam ascender, numa trilha cheia de riscos, pois muitas das missões eram também permeáveis à PIDE/DGS e com isso à “assimilação”; para tal o jovem imaturo e as suas famílias, tinham também de passar pelos filtros do sistema, onde se faria a “peneira”. (“Atlas Missionário Português” – IICT – http://www.iict.pt/publicacoes/catalogo/pagpbl/vpbl03.asp?c_col=901&c_num=23).

Quantos “indesejáveis” não terão ficado de fora?

Que trilhas tiveram em suas vidas?

A mentalidade do colonizado, aquela situação a que se refere Franz Fanon, era um dos principais “trabalhos” do sistema, corroendo as aspirações das novas gerações; foi afinal também assim, por via da contradição, que se foi gerando a rebeldia de que se foi alimentando o movimento de libertação desde a sua génese, um processo que foi, sob o ponto de vista doutrinal, acompanhado por muitas das seitas religiosas actuantes, elas próprias acabando por alimentar a contradição com o sistema.

7 – Nas terras altas do Huambo o panorama era também esse.

No habitat disperso e nas pequenas aldeias, poucas escolas existiam e as missões eram centros de atracção com um agregado de crentes que através delas poucos (ou nenhuns) estímulos recebiam em termos sócio-profissionais.

Nem mesmo quando a população foi sendo concentrada pelas autoridades político-administrativas, por causa da luta de libertação que teve o seu início em 1961, se alterou profundamente o quadro.

Nos Municípios do Londuimbale (onde no cimo das montanhas mais elevadas de Angola se cultivava o trigo), no Mungo, ou no Chinjenje, nas terras altas do Huambo, o obscurantismo, a ausência de cobertura fito-sanitária e o analfabetismo campeavam e era desse “alfobre” que partiam os monangambas “angariados para o contrato”…

8 – A fase experimental do programa “Yo si puedo” arrancou a 23 de Julho de 2009, precisamente na mesma altura em que esse programa foi suspenso nas Honduras devido ao golpe de estado que ocorrera então naquele país.

Dizia eu na altura:

“No dia 23 de Julho corrente, o Granma noticiou que os primeiros 300 alfabetizados angolanos do programa Yo si puedo, que em Angola se encontra em fase experimental, receberam os seus diplomas, (Ahora – Primeros alfabetizados angolanos con método cubano Yo sí puedo – http://www.ahora.cu/index.php/secciones/internacional/348-primeros-alfabetizados-angolanos-con-metodo-cubano-yo-si-puedo).

A primeira experiência abrange 1.100 alunos dos quais 90% mulheres, distribuídos por 39 pontos de alfabetização situados nas Províncias de Luanda, Benguela, Huambo e Bié.

O programa arrancou em Angola com o apoio do MPLA, da Organização das Mulheres Angolanas (OMA), da Juventude do MPLA, de igrejas e comunidades”…

Outros dados dizem que a campanha começou mesmo em 2007 (“SIM EU POSSO Mais de dois milhões de alfabetizados em Angola desde 2007” – http://tudoparaminhacuba.wordpress.com/2012/07/19/programa-sim-eu-posso-mais-de-dois-milhoes-de-alfabetizados-em-angola-desde-2007/).

Foto: Obra do jovem pintor haitiano Jean Walgens Pierre Jean, que faz parte do grupo “Folie ouverte” (que se inspira na reconstrução nacional), exposta no Museu do Panteão Nacional em Porto Príncipe.


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