segunda-feira, 23 de julho de 2012

Portugal: A VENDA DE CURSOS SUPERIORES



António Marinho Pinto – Jornal de Notícias, opinião

A Ordem dos Advogados divulgou na semana passada os resultados das provas de aferição que encerram a primeira fase do estágio e habilitam os candidatos à advocacia a entrar na segunda fase onde já poderão realizar, embora sob tutela dos respetivos patronos, atos próprios dos advogados.

Os resultados foram os habituais, ou seja, mais de 50% de reprovações a nível nacional, com 743 candidatos admitidos e 767 reprovados. Sublinhe-se que os candidatos são na sua quase totalidade pessoas com uma licenciatura em Direito adquirida depois do chamado Processo de Bolonha (com três e quatro anos de duração) a quem o próprio Estado não deixa sequer fazer exame de admissão ao Centro de Estudo Judiciários por entender que, apenas com esse grau académico, eles não possuem os conhecimentos jurídicos necessários para receberem a formação para magistrados.

O que surpreende é que a Comunicação Social não ligou nada ao assunto, ao contrário do que sucedera em anteriores exames cujos resultados não foram noticiados com objetividade, isenção e rigor, mas sim "denunciados" como supostas violações dos direitos individuais de acesso à profissão desses licenciados - tudo com o objetivo maquiavélico de "proteger os advogados já instalados". O que terá, então, levado a Comunicação Social em geral a calar-se agora perante mais um "atentado" a esse pretenso direito de escolha da profissão?

É sempre difícil averiguar as razões que levam outros a determinadas condutas, principalmente se estas se traduzem em omissões. Pode sempre alegar-se esquecimento, distração ou um simples descuido. Neste caso, porém, estou em crer que a razão é outra e tem a ver com opções editoriais conscientes. É que, nas situações anteriores, o bastonário veio sempre a público defender a OA, alegando a impreparação dos licenciados devido à má qualidade do ensino Superior e acusando as universidades de terem mercantilizado o ensino e venderem licenciaturas. "Enquanto eu for bastonário, a Ordem não venderá cédulas profissionais de advogado como as universidades vendem licenciaturas", disse eu próprio várias vezes. Repare-se que eu falava em "venda" de cursos superiores em sentido figurado, em linguagem metafórica e não com o sentido literal das palavras que as mais recentes revelações sobre licenciaturas em universidades privadas vieram tornar adequado. Em Portugal, a realidade surpreende sempre, mesmo os mais audazes.

Por mim, digo sobre a licenciatura de Miguel Relvas na Lusófona o mesmo que disse sobre a de José Sócrates na Independente: gostava que as pessoas que foram escolhidas pelo povo para cargos de responsabilidade no Estado fossem julgados pela forma como exercem esses cargos e pelos resultados apresentados no final dos mandatos e não pela forma como obtiveram os seus eventuais graus académicos, desde que não tenha havido violação da legalidade. Saber se um político, nos tempos de estudante, copiou nos exames ou se beneficiou de passagens administrativas constituirá sempre um fait divers irrelevante, independentemente das funções que ocupa, e só terá interesse como uma forma enviesada de combate político.

Infelizmente, a nossa Comunicação Social transformou-se numa espécie de polícia de costumes, com uma moralidade muito própria, que é capaz de perseguir ad nauseam certos políticos por aspetos da sua vida particular sem pertinência com o interesse público inerente à sua atividade, mas cala-se, por vezes de forma vergonhosa, perante comportamentos de outros que no exercício de funções públicas cometem graves atropelos ao interesse público que lhes cabia acautelar.

Mas já que consideram esses aspetos dos currículos académicos assim tão importantes, então seria bom averiguar como é que muitos outros políticos obtiveram as suas licenciaturas em universidades privadas que já desapareceram e também saber quem são aquelas dezenas de pessoas que igualmente obtiveram as suas licenciaturas no espaço de um ano na Lusófona. E, já agora, também seria bom saber quem são as figuras públicas que em 25 de Abril de 1974 obtiveram cursos superiores com passagens administrativas dadas por professores aterrorizados pelos próprios beneficiários dessas passagens.

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