sábado, 11 de agosto de 2012

Cultura - Paloma Jorge Amado: "BERLIM DEPOIS DO MURO EVOCA LIBERDADE"



Deutsche Welle

Em passagem por Berlim, filha do escritor baiano e também escritora Paloma Jorge Amado fala sobre a atermporalidade da obra de seu pai, a convivência com o filósofo Jean-Paul Sartrea, e a "ala das baianas".

Deutsche Welle: A comemoração do centenário do nascimento de Jorge Amado já se iniciou no Carnaval de 2012, com a homenagem da escola de samba Imperatriz Leopoldinense. Você contava com o interesse das escolas pelo centenário?

Paloma Jorge Amado: A gente imaginava que alguma escola iria homenagear papai. Só não imaginávamos que isso seria tão rápido! Uma semana depois do final do Carnaval de 2011, eles já no procuraram. Nós achamos uma maravilha, ainda mais uma escola tradicional como a Imperatriz. Sem falar no prazer de acompanhar todo o processo de desenvolvimento do enredo, que foi muito bem colocado.

No seu perfil no Facebook você declarou ser da "ala das baianas". O que isso quer dizer?

Sempre sou questionada sobre a minha posição política e a minha resposta é: "Eu sou da ala das baianas". Eu acho que hoje em dia no Brasil é difícil você se aliar a um partido, você acaba tendo que escolher pessoas, em vez de supostas ideologias. A ala das baianas é o meu ritmo, tranquilo, de quem acha que o mundo não vai acabar amanhã e, mesmo se for, não é preciso correr... É um ritmo de ter menos condescendência com determinadas coisas.

Que coisas seriam essas?

A corrupção e a conivência com ela. Eu não quero me acovardar. Me faz bem não me submeter. Isso pra mim é ser da ala das baianas.

No remakeda novela Gabrielafica mais uma vez ratificada a atemporalidade da obra de Jorge Amado. A que você atribui isso?

Eu acho que a atualidade e universalidade existem mesmo em toda a parte, porque a obra de papai fala do ser humano, com suas qualidades e defeitos, sobre quem ama, vive, chora, ri, sobre o político e o apolítico. Na Europa, eu acho que a obra de papai teve especial importância para os países que viviam sob as chamadas "Cortinas de Ferro".

Por quê?

O diretor Roman Polanski respondeu a isso de uma forma muito clara. Nos anos 70 ele, esteve no Rio de Janeiro para um festival de cinema. De lá, ligou para o papai na Bahia, perguntando se poderia visitá-lo. Papai ficou muito feliz e disse: "Venha, meu filho!", com aquele jeito baiano de ser.

Chegando lá, Polanski declarou querer agradecer pela obra de papai em nome da juventude polonesa intelectual, da qual fazia parte. Eles só tinham acesso aos grandes clássicos russos ou a uma literatura panfletária, dogmática. Por ser comunista, papai teve seus livros publicados na Polônia. De repente apareceu no universo intelectual daqueles jovens um escritor comunista que falava da vida, do amor, de graves problemas sociais e de como se podia viver com tudo isso.

Qual é a sua sensação frente à TV, assistindo ao remakede Gabriela?

Primeiro de tudo, eu me dispo de qualquer relação com o livro. Como papai dizia: "Novela é uma outra leitura, é tomar um fio de história e conduzir aquilo dentro de uma outra arte". Claro que a gente não consegue separar de todo! Acho incrível a leveza e profundidade que Maitê Proença dá ao papel de Sinhazinha. Vejo sempre que posso, quando não, gravo.

Como foi crescer rodeada por personalidades tão importantes do século 20, como Pablo Neruda, Dorival Caymmi, Jean-Paul Sartre? Você tinha consciência da importância dessas pessoas ?

Para mim, uma pessoa importante era uma pessoa comum, assim como o meu pai. Sartre, por exemplo, passou um mês convivendo conosco na casa do Rio de Janeiro e tudo era muito natural.

Essas convivências geraram com certeza histórias memoráveis...

Muitas! Uma delas foi quando no colégio do meu irmão descobriram que o Sartre estava lá em casa e o intimaram a fazer uma entrevista. João, que na época tinha 14 anos e já era fluente no francês, chegou em casa e disse para a mamãe: "Mandaram eu fazer uma entrevista, mas eu não entendo nada de existencialismo, como eu vou perguntar qualquer coisa, eu sou só um menino!" Informado sobre o dilema por Zelia Gattai, Sartre disse: "João... então faça perguntas de um menino! Me pergunta se eu gosto de tomate..." Aí a conversa deslanchou.... Tinha também o [Pablo] Neruda, que era meu padrinho. Mais tarde, na nossa casa na Bahia no bairro do Rio Vermelho, quando eu já era adolescente, a percepção da presença dessas pessoas ficou mais aguçada. Eu já partilhava a sua intelectualidade, já conhecia suas obras.

Você declarou ter dificuldade em obter apoio para financiar a criação do Museu Jorge Amado, um projeto que já existe há oito anos. Essa dificuldade persiste, mesmo no ano do centenário?

Persiste. Por um lado existe uma falta de vontade política no Brasil, além do cancelamento de apoio anteriormente confirmado de Portugal e Espanha, devido à crise do euro. Por outro lado, temos uma presidente que declarou publicamente que sua vida teve o divisor de águas com a leitura dos livros de meu pai. Ela nem deve ter conhecimento desse nosso projeto...

Jorge Amado era comunista declarado e influente. A existência do Muro de Berlim era tema nas conversas?

Em conversa com o meu vizinho Renato, fiquei sabendo da existência do Muro de Berlim e fiquei transtornada. Quando meu pai chegou em casa, eu disse: "O Renato me disse que em Berlim fizeram um muro para separar a cidade em dois". Ele respondeu: "Ah, filha, essa questão de política é muito complexa..", sendo pouco convincente. A ele, doía ter uma filha pequena sem entender uma discrepância que era a realidade, que ele próprio não entendia ou não aceitava. À medida que fui crescendo, o Muro de Berlim se tornou o espelho de como era difícil você defender uma posição ideológica que causasse tal separação. Ao mesmo tempo, sei que para papai era muito importante ser lido em ambas partes da Alemanha: Pessoas lendo na mesma língua, as mesmas obras, geograficamente tão perto, em solos políticos tão diferentes!

Qual é sua percepção do que viu de Berlim, até agora?

Hoje quando fui ver o Muro, me vieram as lágrimas. Ver o Muro como coisa física, como concreto, resgatou muita coisa do meu passado, me fez entender melhor esse fenômeno político tão complexo. Passei várias vezes do lado oriental para o ocidental e vice-versa, e isso me mostrou, pura e simplesmente, que se pode voltar atrás no mal feito. Quando ando pela cidade de Berlim hoje, vendo gente pedalando na rua, pessoas de todas as partes do mundo, isso me faz pensar numa só palavra: liberdade.

Entrevista: Fátima Lacerda - Revisão: Augusto Valente

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