Massacre de mineiros grevistas na África do Sul |
Alguém escreveu que se há um muro alto e grande e um ovo que se parte contra ele, não interessa o quão certo está o muro ou quão errado está o ovo, temos de ficar do lado do ovo. Porquê? Porque cada um de nós confronta-se com um muro. A pessoa não podia estar mais certa. Tal pensamento enquadra-se perfeitamente na situação que resvalou na morte de 34 mineiros na África do Sul em nome do respeito pelas leis.
Discutimos de que lado está a razão e distanciamo-nos, cada vez mais, do essencial. Os mineiros tinham paus? Certo. Tinham catanas? Certo. Tinham armas? Certo. Mas não é esse o problema de fundo.
Ainda que os mineiros estejam despidos de razão, a desproporção de forças é, sem dúvida, um elemento chave em todo o distúrbio, mas não o mais importante. Posto isto, é preciso contextualizar duas coisas: a primeira é a situação de desamparo que vivem as classes sociais vulneráveis em países cuja riqueza é controlada pelos de sempre, o mesmo que dizer multinacionais britânicas, americanas, francesas, russas, chinesas, brasileiras e algumas mais.
Estas empresas mantêm um controlo literalmente feudal sobre os povos, submetendo-os a uma escravidão social consentida pelos Governos africanos, aos quais pagam principescamente para fazerem vista grossa e, se necessário, para reprimirem acções reivindicativas por parte da população. Em segundo lugar e olhando de forma concreta para o que ocorreu na vizinha África do Sul, é nítido que foi cometido um crime aberrante e não se justifica que o Governo sul-africano saia impune de tal situação.
Devíamos perguntar onde é que os sindicatos estavam. Porque não foram eles a apaziguar os ânimos? Porque não reconheceram a justeza da reivindicação? Qual é a dificuldade que o Governo de Zuma tem para impor melhores salários aos “proprietários” da mina? Não é a mina um bem do povo sul- -africano? Não seria justo que a mesma beneficiasse justamente os cidadãos daquele país? Recebe, de uma outra maneira, o Governo sul-africano parte dos lucros da mina?
O derramamento de sangue era a única opção? Acredito que não. Não nos esqueçamos de que em tempos remotos matar um escravo implicava um prejuízo económico tremendo. Hoje, a morte de um trabalhador não implica, de forma alguma, uma perda económica. O mercado do trabalho coloca automaticamente outro no seu lugar e, diga-se, sem prejuízos para o empregador. Aqui está, no nosso entender, o busílis da questão.
O Governo sul-africano não abdicará, nunca, do lucro que a exploração da mina oferece, ainda que tenha de perder trabalhadores por isso. O sangue não significa nada, num continente onde o desemprego é regra. Tal como partiam escravos nas naus, hoje existe um exército de cidadãos sem norte. Não adianta pagar, se o Estado perpetua a injustiça social e oferece um campo de recrutamento de mão-de-obra barata jamais visto?
Ajudou, é bom que se diga, o facto de os mineiros acreditarem que estavam imunes ao impacto das balas. Contudo, o problema aqui não é da crença, mas do que leva à crença. Ou seja, que situação contribuiu para que eles fossem procurar soluções no obscurantismo?
Estranho é que tais mortes ocorram sempre que há multinacionais pelo meio, e isso é frequente em explorações mineiras onde parece que são permitidos os assassinatos, sejam de trabalhadores ou da população circundante como, por exemplo, aconteceu em Cateme.
Porém, esquecemos, por amor à superfície, que alguns países reproduzem condições laborais de semiescravidão e exploração. Grande parte dos africanos nasce despojada de tudo para que não tenha outro remédio a não ser entregar-se a um posto de “trabalho” por uma miséria. O pior é que não escutamos nenhuma espécie de repúdio internacional. Efectivamente, este vergonhoso episódio perder-se-á nas empoeiradas páginas de alguns jornais.
Os trabalhadores, esses, continuarão amordaçados por políticas repressivas até nos países ditos democráticos. A força das armas e os blindados, na África do Sul como em qualquer outro país, servem para colocar numa camisa-de-força os súbditos, para que continuem debaixo do jugo do capital, já não importam as perdas humanas, apenas o mercantilismo e o dinheiro.
Verdadeiramente, devíamos questionar o dia em que o ser humano desceu da árvore.Talvez tenha sido esse o ponto de inflexão de poder do homem pelo homem, de nada valem as leis que os Governos promulgam se elas desrespeitam os direitos humanos. A repressão virou prática reiterada para manter os pobres de sempre debaixo do jugo da miséria. Uma situação que será difícil de manter no futuro quando o mundo do rico entrar em choque global com os pobres de sempre. A prosperidade dos outros não pode vir manchada de sangue. O drama é que ninguém se importa que assim continue…
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