Derretimento recorde de gelo na Groenlândia e novo estudo sobre evolução das temperaturas ampliam consenso científico sobre necessidade de enfrentar aquecimento global. Mas as decisões tardam…
Daniela Frabasile – Outras Palavras
Desde 2007, quando o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC) da ONU lançou um alerta histórico sobre os sinais de aquecimento da Terra e os riscos relacionados ao fenômeno, um grupo de cientistas e governantes mantém dúvidas sobre esta conclusão. Seus argumentos essenciais são dois: não haveria um padrão nas mudanças de temperatura, que seriam erráticas; nem estaria demonstrado que sua causa teria relações com a atividade humana. Na semana passada, estas teorias foram abaladas por dois fatos de grande impacto.
O primeiro tem caráter imagético e correu mundo. Fotografias divulgadas pela NASA demonstraram que 97% do gelo na Groelândia derreteu em apenas quatro dias de verão — um volume muito maior que os 40% registarados em anos normais.
Menos espetaculosos, mas igualmente impactantes, foram os resultados de um estudo do Berkley Earth Project, um grupo de cientistas que até então mantinha dúvidas em relação ao aquecimento global. Depois de recorrerem a dados inéditos, que consideram mais sofisticados que os do IPCC, os pesquisadores concluíram que a temperatura média da Terra aumentou em 1,5º C nos últimos 250 anos; e que temperatura no solo aumentou 0,9º C, só nos últimos 50 anos. O professor Richar Muller, líder do grupo, afirmou em um jornal norte-americano: “podem me chamar de cético convertido”.
Muller acrescentou que a causa da mudança é, de fato, a ação humana, argumentando que a correspondência entre o novo recorde de temperatura e os dados históricos de emissão de CO2 sugerem que este fator é “a explicação mais simples” para o aquecimento. Em um texto assinado no New York Times, ele explica: “três anos atrás, identifiquei problemas nos estudos climáticos anteriores que, na minha opinião, deixavam dúvidas quanto a realidade do aquecimento global. No ano passado, com um esforço intenso de pesquisa envolvendo uma dúzia de cientistas, concluo que o aquecimento global era real e que as estimativas anteriores sobre o ritmo do aquecimento estavam corretas”.
A pesquisa foi financiada por diversas fontes, incluindo uma fundação mantida pelos irmãos Koch, industriais americanos bilionários que já doaram imensas quantias de dinheiro para organizações que fazem lobby contra a aceitação de que o aquecimento global foi causado pelo homem. Apesar de tudo isso, Judith Curry, uma das colaboradoras dos estudos anteriores do Berkeley Earth Project, recusou-se a ter seu nome incluído no último paper do grupo. Ela alegou que “a análise é muito simplista, e na minha opinião, não é convincente”.
Há algumas semanas, o debate público sobre mudança climática já havia sido enriquecido por Bill McKibben, considerado pelo Boston Globe um dos maiores ambientalistas americanos. Em artigo publicado pela revista americana Rolling Stones, ele sustentou ao menos duas hipóteses bombásticas: a) ao contrário do que se pensava até agora, não é seguro que graves tragédias ambientais e sociais poderão ser evitadas, se a atmosfera terrestre aquecer menos de 2ºC, até 2050; b) como a queima de combustíveis fósseis aumentou, nos últimos anos, estamos muito próximos de superar este limite crucial.
As considerações de McKibben estão relacionadas com fenômenos como o derretimento dos gelo da Groenlândia. Ele observa que o aumento de apenas 0,8º C na temperatura média mundial (em relação a 1900), já foi suficiente para provocar impactos muito maiores do que os esperado pelos cientistas. Nada permitiria supor, portanto, que os 2º C são seguros.
O pior, acrescenta McKibben, é que eles serão provavelmente ultrapassados, se não houver ação política muito urgente. Diversas simulações científicas demonstram que, para manter o aumento da temperatura limitado a + 2º C na temperatura, a humanidade poderá despejar aproximadamente 565 gigatoneladas (1 gigatonelada é equivalente a 1 bilhão de toneladas) de CO2 na atmosfera. Porém, como a adoção de fontes limpas caminha mais lentamente que o consumo de energia, a tendência atual seria esgotar a “quota” das 565-gigaton em apenas dezesseis anos — muito antes de 2050, ano de referência para os cálculos.
Esses números não são finais, e ninguém acredita que estejam completamente corretos, segundo Bill McKibben. Mas, mesmo que existam dúvidas sobre as estimativas ou a importância da ação humana no aquecimento global, talvez não seja sensato esperar a confirmação desses dados antes de tomar medidas para reduzir as emissões de gases estufa.
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