quinta-feira, 9 de agosto de 2012

O OLHO DO PIRATA



Rui Peralta

O processo de domínio implementado pelo capitalismo pós-industrial é um longo processo de aculturação, criador de valores normalizados e normalizadores, no seguimento das suas fases anteriores e comportando os elementos das identidades, muitas vezes transformando-os em produtos vendáveis ou ressuscitando-os em caso de necessidade. Este último processo é visível na forma como os mapas actuais são redesenhados. A título de exemplo vou focar dois casos de Angola: Cabinda e as Lundas. As campanhas efectuadas pela independência destes dois espaços territoriais nada têm a ver com os seus elementos culturais, com a sua identidade (essa está lá) mas sim com as suas riquezas naturais. Inseridas pelo colonialismo português, por uma questão de maior eficácia administrativa no espaço territorial da colónia Angola (ou Província, conforme os ditames colonialistas de adaptação a novas realidades circundantes), foi nestas definição que os movimentos lutaram durante a guerra de libertação nacional e foi neste quadro territorial que Angola obteve a sua independência nacional. Obviamente que por serem espaços culturalmente definidos, com as suas especificidades, os seus etnemas, as suas elites diferenciadas, mantidas em calda pelo colonialismo português e ressuscitadas por questões geoestratégicas, a questão da sua identidade (de Cabinda e das Lundas) é recriada por alguns sectores e vendida como um produto de boa rentabilidade.

No fundo são estes conceitos-chave que definem o domínio dos comportamentos e a respectiva expansão da ética do actual estágio de evolução do capitalismo enquanto sistema social, politico e económico: a rentabilidade, a eficácia, a produtividade, a optimizaçäo e mais uma série de chavões, martelados, pisados e repisados nas mentes dos incautos cidadãos. Este domínio da nova ética capitalista pós-industrial não se reflecte apenas nas identidades culturais (já não existem processos de desculturação, como na Revolução Industrial, agora é só um longo processo de aculturação) mas também nas identidades sociais e grupos socioprofissionais. Surgem novas profissões, alteram-se velhos quadros profissionais, substituem-se funções e extinguem-se postos de trabalho.

A nova ética torna impossível a teoria critica, aliás, nem consegue estabelecer-se na imediação do pensamento crítico. O refinamento do juízo torna-se, assim, inviável. O sistema mergulha nas águas profundas da alienação, criando realidades sobrepostas, compondo uma antidialectica do conhecimento, da política e do mundo. A única realidade – não necessariamente real – do capitalismo pós-industrial é a económica. Ela dilui tudo num composto de necessidades a médio-prazo, de objectivos imediatos e de um longo-prazo de instabilidade, porque inexistente como projecto. O facto de recusar o pensamento e o acto crítico, de anular a crítica, impede o sistema de criar projeções a longo prazo. Se elas existirem são apenas visões condicionadas pelos objectivos imediatos que compõem o médio-prazo.

Este processo transformativo afecta de forma muito peculiar a chamada intelectualidade e num âmbito mais específico a estrutura Universitária. As ideias ingenuamente naïfs do papel da educação como valor público, dirigida a formar cidadãos participativos, base de uma sociedade solidária e aberta, uma ilusão adquirida, transversal ao pensamento político das Esquerdas (burguesas e burocráticas) e de algumas Direitas menos trogloditas, perdeu para os novos valores da competitividade, do rendimento, da produtividade que caracterizam a nova ética dominante. O que se perdeu nesta mudança não foram os valores base (esses mantêm-se: a participação cordial, o respeito pela ordem, etc.) mas sim o espaço crítico e com ele a autonomia do pensamento e da instituição académica (duramente conquistada através dos séculos).

A Universidade é cada vez mais um imenso armazém de imbecilidade e um depósito de resíduos do pensamento único. Preocupadas em criar quadros superiores produtivos e eficazes, ambicionando a todo o custo a “inserir-se no mercado”, sofrendo como instituição a pressão da privatização, proletarizada, criadora de funcionários, as universidades a continuarem por este caminho não passarão de centros de formação profissional de quadros superiores num futuro muito próximo. Neste sentido as instituições do ensino superior sofreram um ataque fatal, sendo completamente subalternizadas á logica do capital. Um ataque que se revela tão destrutivo como o foi o socialismo real com o seu papaguear mecanicista, criando intelectuais progressistas de forma idêntica às linhas de montagem da Lada e toda a espécie de técnicos superiores feitos á medida das necessidades da revolução e da irreversibilidade do socialismo. Esqueceram-se os camaradas de uma questão dialectica, que reside no cerne do pensamento: a teoria critica e a necessária autonomia como condição para a sua sobrevivência. Os quadros e intelectuais criados pelo actual modelo universitário do capitalismo pós-industrial sofrem exactamente do mesmo mal que os camaradas intelectuais e quadros superiores formados pelo socialismo real: são acríticos.

As palavras de Evo Morales sobre a recente cimeira do Rio+20 poderiam ser perfeitamente aplicadas ao “ambiente académico”. Falou assim o presidente da Bolívia: “ (…) el ambientalismo de la economía verde es un nuevo colonialismo de doble partida, por un lado es un colonialismo de la naturaleza, al mercantilizar las fuentes naturales de la vida y por otro es un colonialismo a los países del Sur que cargan en sus espaldas la responsabilidad de proteger el medio ambiente que es destruido por la economía capitalista industrial del Norte. Este llamado ambientalismo mercantiliza la naturaleza convirtiendo cada árbol, cada planta, cada gota de agua y cada ser de la naturaleza en una mercancía sometida a la dictadura del mercado que privatiza la riqueza y socializa la pobreza. (…) la economía verde usurpa la creatividad de la naturaleza."

É este mecanismo de usurpação que caracteriza a rapina do capitalismo pós-industrial não só nas suas relações com o “Sul” e nas políticas ambientais, mas também em “casa” e de forma muito peculiar no sistema educativo e na formação académica. Usurpação da criatividade, da autonomia e do pensamento critico. Mercantilização total do acto de existir. O “Penso logo existo” de Descartes transformou-se num redundante: “Só existo como mercadoria”. Mas como mercadoria não penso, limito-me a um conglomerado de reflexos absolutamente condicionados. Um processo que até para Pavlov foi impensável e que o teria feito pensar no desperdício em ter usado os cachorros. A forma de domínio actual resume-se á existência do universo como mercadoria, tal como mercadoria é tudo o que existe nele. E fora deste âmbito o capitalismo pós-industrial cria um imenso vazio, um nada absoluto. A Universidade é cada vez mais representada pelo mestre antisócratiano, que ocupa o lugar de mestre não pelo que sabe mas pela confiança que inspira aos seus patrões. Obviamente que os seus discípulos só podem ser de 2 tipos: o que não sabe dizer não e o que fala sobre qualquer coisa…sem nada dizer.

Nietzsche escreveu algures que “a nova educação deveria impedir que os homens cedessem a uma propensão exclusiva, impedir que se tornassem órgãos, em relação á tendência natural da divisão do trabalho. Trata-se de criar seres soberanos (…) ” Eis um excelente ponto de partida.

Fontes
Frederich Nietzsche; Escritos sobre a Educação; PUC, 2003
Sebastián Endara; Controlan tu mente; http://www.rebelion.org
Alejandro Encinoso Rodríguez; La potencialidad androide del profesorado y el hedonismo narcótico de su alumnado; http://www.rebelion.org
R. Durán; Tercera piel, sociedad de la imagen y conquista del alma; http://www.rebelion.org
R.Durán; El antropoceno: la crisis ecológica se hace mundial;.http://www.rebelion.org
http://www.rebelion.org/noticia.php?id=151843&titular=%22la-econom%EDa-verde-es-el-nuev
o-colonialismo-para-someter-a-nuestros-pueblos%22-

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